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A hora e a vez da aprendizagem visível

A partir de ajustes às claras, estratégias e ações para aprimorar a prática docente e maximizar resultados de aprendizagem dos alunos.

Texto  Lucí Ferraz de Mello

Você já se perguntou o que é a aprendizagem visível? Por que os princípios da aprendizagem visível estão ganhando espaço nas recentes falas e práticas educacionais? 

Aprendizagem visível é o termo adotado por John Hattie (1950-), pesquisador da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), para nomear um conjunto de referências para professores utilizarem na criação de debates, busca de evidências e autorrevisões de práticas, com objetivo de transformá-las, aprimorá-las e maximizar os resultados de aprendizagem nas escolas. Para tanto, Hattie e os membros de seu grupo desenvolveram critérios específicos de pesquisa e tabulação dos resultados, cuja compilação permitiu a identificação clara dessas consequências.  

A motivação para a adoção desse conjunto de referências tem como ponto de partida a forma como cada professor pensa e compreende o seu papel como educador, em relação à qualidade do processo de aprendizagem dos seus alunos. Essa proposta vai além de propor caminhos, pois apresenta questionamentos e verificações relevantes que devem ser feitos constantemente sobre as práticas docentes.

Esses princípios apontam caminhos para promover o ensino visível também junto aos estudantes, de maneira que eles desenvolvam suas capacidades de autorregulação, seus processos de aprendizagem e se tornem seus próprios professores.

Pesquisa estruturante da aprendizagem visível

A proposta de Hattie foi estruturada a partir de pesquisas desenvolvidas durante mais de 15 anos, envolvendo o acompanhamento de evidências que mostram como as práticas adotadas por professores impactam nos resultados de aprendizagem. 

Para se ter uma ideia da consistência dessa proposta, foram “mais de 800 metanálises de 50 mil artigos de pesquisa, cerca de 150 mil análises de tamanho de efeito e cerca de 240 milhões de estudantes […]. Um número adicional de mais de 100 metanálises foi concluído desde a publicação do Visible Learning” (hattie, 2017, p. 2), em 2009. Vale destacar que foram identificados 146.142 tamanhos de efeito sobre a influência de algum programa.

Para a realização do referido estudo, foi adotado o método Tamanho de efeito, utilizado para comparar dados de diferentes medidas, como explica Hattie: “(testes padronizados feitos por professores, trabalhos de alunos), ao longo do tempo ou entre grupos, em uma escala que permite comparações múltiplas independentes dos valores do teste original […], ao longo da matéria do tempo. Essa escala independente é um dos principais atrativos para utilizar tamanhos de efeitos, pois ela permite realizar comparações relativas entre várias influências que atuam sobre os resultados dos alunos” (hattie, 2017, p. 3).

Um dos importantes questionamentos que a pesquisa responde refere-se à relevância dos objetivos de escolarização a partir dos resultados de aprendizagem, debate travado “desde Platão e seus predecessores, passando por Rousseau e aos pensadores modernos” (hattie, 2017, p. 4). Dentre os objetivos mais relevantes, “encontra-se o desenvolvimento de habilidades de avaliação crítica, de modo que desenvolvamos cidadãos com mentes e disposições desafiadoras, que se tornam ativos, competentes e pensadores críticos em nosso mundo complexo. Tal tarefa inclui: a avaliação crítica de temas políticos que podem afetar a comunidade, uma pessoa, seu país e o mundo; a capacidade de examinar, refletir e argumentar, com referência à história e à tradição, enquanto respeitam a si mesmos e aos outros; ter preocupação com a própria vida e bem-estar, bem como das outras pessoas; e capacidade de imaginar e pensar sobre o que é ‘bom para si mesmo e para os outros. A escolarização deve ter impactos importantes não apenas na melhora da compreensão e da aprendizagem, mas também na melhora do caráter: caráter intelectual, moral, cívico e de desempenho (shields, 2011; hattie, 2017, p. 4)”.

Sobre os resultados do estudo, vale destacar dimensões cujas ações apresentam maior impacto sobre o processo de aprendizagem, para na sequência apresentar como estas devem ser trabalhadas para que esses dados se tornem realidade.

O quadro anterior mostra que, apesar de o número de metanálises de estudos feitos a partir dos professores ser um dos menores (41), os dados relativos a tal dimensão indicaram que as práticas docentes são as que têm maior impacto sobre os resultados de aprendizagem dos alunos (0,47), o que sinaliza a relevância das ações no processo. Foi a partir dessa constatação sobre os efeitos dos professores na aprendizagem dos alunos que os princípios da Aprendizagem visível foram elaborados.

Princípios da aprendizagem visível

Cada professor, conforme a cidade, o estado ou o país onde está, ou mesmo a área em que atua, adota metodologias e situações de aprendizagem diferentes. Ter a pretensão de desenvolver um único método que atenda a tantas variáveis da aprendizagem em diferentes contextos é inviável, até mesmo pretensioso.

A Aprendizagem visível não é um método definido a partir da sistematização de algumas ações sequenciadas específicas para aprimorar práticas de ensino e aprendizagem. Trata-se de um conjunto de princípios sinalizadores que orientam sobre como aprimorar ações baseadas em vários métodos, indicando aspectos específicos que auxiliem em decisões sobre “como”, “onde”, em “qual” momento ou por “quais razões” realizar modificações, a fim de maximizar os resultados de aprendizagem dos estudantes.

De acordo com Hattie, “quando o ensino e a aprendizagem são visíveis, há uma grande probabilidade de os alunos atingirem níveis mais altos de resultados. Tornar o ensino e a aprendizagem visíveis requer um excelente ‘professor como avaliador e ativador’, que conhece uma variedade de estratégias de aprendizagem para construir o conhecimento superficial, o conhecimento e a compreensão profundos e a compreensão conceitual dos alunos” (hattie, 2017, p. 17).

Segundo as premissas da Aprendizagem visível para a dimensão docente, as práticas devem ser estruturadas com base nos princípios essenciais, apresentados a seguir.

Princípios da aprendizagem visível para os professores

01 – Professor autoavaliador:

realiza avaliações constantes de suas práticas, para identificar aspectos relevantes e promover ajustes que melhorem a aprendizagem dos alunos, como a adoção de estratégias de avaliação formativa (rubricas, questionamentos desafiadores, feedbacks construtivos e orientadores, aluno como fonte de conhecimento, avaliação entre pares, autoavaliação e autorregulação/autogestão da aprendizagem.

02 – Professor como agente de transformação:  

assume papel de transformador do conhecimento com os tipos de práticas que adota em suas aulas. Seu planejamento deve ser detalhado e exequível, com informações sobre: evidências de aprendizagem; escolhas que valem a pena; nível crescente de desafios; atitudes, comportamentos e respostas esperadas dos alunos.

Além disso, deve detalhar com clareza: estratégias de avaliação formativa e somativa (inclui estratégias de autorregulação dos estudantes, organização e transformação; autoconsequência; autoavaliação, busca de ajuda; registros pessoais; reforço; definição de metas); etapas de ensino; etapas do método escolhido (adaptado para o desenvolvimento de competências) e eventuais oficinas significativas (início, meio e fim, com os objetivos de aprendizagem a desenvolver e com ligação com o currículo adotado); avaliações finais; tecnologias digitais.

03 – Professor foca na aprendizagem do aluno:

planeja, implementa, acompanha e avalia práticas que integram ações de aprendizagem que desenvolvam as três dimensões das competências.

04 – Professor se preocupa em estruturar e analisar feedbacks (devolutivas) consistentes:

[para os alunos] acompanhamento constante dos alunos, para intervenções rápidas e devolutivas ágeis, elaboradas com base nos critérios e saberes em desenvolvimento e não em elogios vazios. Os feedbacks consistem nas ações com maior potencial para promover impactos relevantes na aprendizagem, sempre propositivos, com base em critérios e indicadores previstos ao longo do processo.
Define que não se deve elogiar simplesmente, mas principalmente orientar claramente os estudantes sobre aspectos alinhados e/ou que precisam ser alinhados/revistos. 

[Para os professores] Os feedbacks oriundos das avaliações do processo de aprendizagem permitem que os professores compreendam claramente como e onde suas ações impactam na aprendizagem, de que forma e por qual motivo precisam ajustar as atividades adotadas em um processo.

05 – Professor dialoga com os estudantes:

em substituição aos monólogos expositivos, adota-se a comunicação dialógica nos espaços de aprendizagem, para que todos os envolvidos no processo de aprendizagem escutem, reflitam e apresentem pontos de vista e novas ideias de forma ativa e reflexiva. Foco na qualidade das contribuições/atitudes dos alunos e menos na pontuação.

06 – Professor fomenta desafios:

as atividades planejadas devem trazer questionamentos desafiadores para o estudante, para instigá-lo a refletir. O erro deve ser tratado como uma maneira positiva de aprendizagem, para que se aprofundem as reflexões e se compreenda o que funciona ou não.

Para ampliar o desempenho dos alunos, o professor deve refletir e atuar com o objetivo de formar cidadãos, que é mais do que pontuar.

07 – Professor se envolva e promova relações positivas nos ambientes de aprendizagem:

todas as relações (professor-aluno; aluno-aluno; aluno-professor) instauradas e mantidas dentro dos espaços de aprendizagem devem ser trabalhadas de forma positiva e construtiva. Trata-se de cuidar do clima da sala de aula.

08 – Professor utiliza linguagem de aprendizagem:

deve ser capaz de promover diferentes tipos de participações com suas atividades, de maneira que os estudantes compreendam, vivenciem e se apropriem de suas capacidades por meio de ações protagonistas.

09 – Professor compreende a aprendizagem como um trabalho de grande e relevante dedicação:

todos os princípios destacam a relevância do papel do professor, que demanda uma atuação de constante dedicação e vigília, para benefício da aprendizagem da turma, o que implica um trabalho árduo, que deve ser reconhecido por ele, por seus pares e por seus gestores.

O trabalho docente deve ser realizado com base na crença de que todos são capazes de atingir critérios de sucesso. Paixão, dedicação, empenho do professor em conseguir o máximo dos alunos.

10 – Professor colabora com os estudantes:

mais do que implementar práticas colaborativas entre os alunos, os professores precisam se assumir como exemplos e adotar a colaboração com seus próprios pares e estudantes, para que isso se torne um comportamento incorporado e fortalecido, e não uma obrigação quase mecânica. 

Aspectos complementares

Sobre as competências, trata-se de aptidões ou capacidades de resolver situações problemáticas e/ou desafiadoras considerando conceitos teóricos (conhecimento), habilidades de aplicar na prática e ainda fazer uso desses saberes em diferentes contextos da vida real (atitude). 

Para tanto, é preciso promover a transformação das práticas com o acompanhamento e a autoavaliação constantes para identificar eventuais necessidades de ajustes, seja para eliminar, seja para aprimorar uma ou mais ações que compõem os processos adotados. Somente com a transformação de estruturas de ensino pode-se, de fato, maximizar os resultados de aprendizagem dos estudantes.

Segundo as orientações da Base Nacional Comum Curricular (bncc), publicada no final de 2017, o ensino deve estar estruturado considerando competências gerais e específicas. Isso implica que se saiba trabalhar com os alunos diferentes tipos de participação, de maneira a promover atitudes protagonistas voltadas ao desenvolvimento da capacidade de agência dessas crianças e desses jovens.

Outro aspecto transformador refere-se à forma como nos relacionamos com nossos alunos, passando de um modelo de comunicação um-todos para um modelo mais dialógico, todos-todos, que promova a colaboração e trocas reflexivas entre seus participantes (incluindo a própria escuta ativa de todas as partes).

Participação

  • Simbólica: a presença dos estudantes em uma atividade ou evento serve para mostrar e lembrar aos professores que eles existem e são considerados importantes. A participação é uma mensagem. 
  • Decorativa: os estudantes marcam presença em uma ação sem influir no seu curso e sem transmitir qualquer mensagem especial aos professores.
  • Manipulada: os professores controlam o que os estudantes farão em determinada situação.
  • Operacional: os estudantes participam apenas executando uma ação ou atividade. 
  • Planejadora e operacional: os estudantes fazem parte do planejamento e da execução de uma atividade.
  • Decisória, planejadora e operacional: os estudantes participam da decisão de fazer algo, do planejamento e da execução.
  • Decisória, planejadora, operacional e avaliadora: os estudantes participam da decisão, do planejamento, da execução e da avaliação de uma atividade.
  • Colaborativa plena: os estudantes participam da decisão, do planejamento, da execução, da avaliação e da apropriação de uma atividade.
  • Plenamente autônoma: os alunos realizam todas as etapas.
  • Condutora: os estudantes realizam todas as etapas e orientam a participação dos professores.

Fonte: adaptado por Lucí Ferraz de Mello, a partir das ideias de Costa & Vieira (2006) e da figura publicada no Currículo da cidade de São Paulo, Ensino Fundamental, Tecnologias para Aprendizagem (São Paulo, 2017, p. 75).

Considerações finais

Os Princípios da aprendizagem visível reforçam o quão relevantes são os papéis da escola e principalmente dos professores para a construção do conhecimento, com o objetivo de formar cidadãos conscientes e atuantes junto à sociedade. Indica que depende de uma mudança essencial da postura docente, de apenas implementar as mesmas práticas e verificar os resultados para um veredito final, para um comportamento mais consciente quanto a escolhas e ajustes em práticas, para que se promovam impactos maximizados sobre a aprendizagem dos alunos.

Na sua instituição, vocês já mapearam os princípios praticados e quais ainda precisam ser trabalhados? Já pensaram nas eventuais formações necessárias? Vale essa verificação, até para providenciarem formações e começarem a transformar seus processos de aprendizagem. Essas orientações devem estimular e auxiliar todo o corpo docente a compreender melhor seus papéis, resultando em modificações e aprimoramentos de suas práticas em benefício dos estudantes e da sociedade.

LUCÍ FERRAZ DE MELO

é Doutora e Mestre em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Graduada em Administração de Empresas com Ênfase em Marketing e Recursos Humanos (EAESP–FGV). Especialista em Educação a Distância, com docência em EAD: Metodologia de Ensino e Metodologia de Pesquisa em EAD (FGV Online); Tutoria e Mentoria em EAD (FGV Online); Moodle (Universidade Presbiteriana Mackenzie); Tutoria em EAD e Blackboard (Senac/SP); Sala de Aula Interativa (Senac/SP). 

PARA SABER MAIS

  • BOHM, D. Diálogo: Comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Atena, 2006.
  • COSTA, A. C. G.; VIEIRA, M. A. Protagonismo juvenil. São Paulo: FTD, 2006.
  • HATTIE, J. 10 princípios para aprendizagem visível: educar para o sucesso. Porto Alegre, Penso, 2019.
  • MARIOTTI, H. O automatismo concordo-discordo
    e as armadilhas do reducionismo
    . Disponível em:
    mod.lk/ed20_ten. Acesso em: 30 jan. 2021.
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