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O uso de dados para a gestão escolar

É importante utilizar indicadores que dialoguem com a realidade e estimulem os avanços necessários. Quanto melhor as avaliações e os indicadores, maior impacto os dados podem causar.

Texto: Bruna Alves Soares e Ernesto Faria

Qual é o papel dos dados no apoio à gestão escolar? A primeira resposta é que não há uma única função, mas sim várias. Indicadores, avaliações e diferentes tipos de dados podem contribuir tanto para o planejamento quanto para a organização do ensino. Por isso, neste texto, vamos explorar a importância dos dados educacionais em três fases distintas: 

  1. Planejamento com a elaboração de metas; 
  2. Diagnóstico e monitoramento com foco na equidade; 
  3. Elaboração de planos de ação baseados nos dados.

Em primeiro lugar, os dados suportam a definição e o acompanhamento de metas educacionais. E estas são essenciais, pois não é possível mirar uma educação de qualidade sem um norte, isto é, sem uma visão de onde se quer chegar. Essa visão de qualidade virá do currículo, do projeto político-pedagógico da escola, do planejamento anual, mas também de muitos dados. Do olhar para os aprendizados do passado, do acompanhamento e do monitoramento das ações atuais e do planejamento do futuro, que será fortalecido com metas.

Para a elaboração de boas metas, é importante considerar alguns aspectos: primeiro, uma meta precisa ter objetivo, valor e prazo. Por exemplo: reduzir o abandono escolar na escola de 10% para 5% em 2025. Nessa meta, o objetivo, que é a redução do abandono, está explícito, e há uma sinalização do valor a que se quer chegar e em qual prazo pretende-se alcançá-lo. Garantir, de partida, essas três informações pode contribuir muito para orientar o trabalho educacional em busca de objetivos relevantes.

Mas, agora, cabe uma outra pergunta: o que está na meta é considerado relevante por todos os educadores que podem contribuir com o seu cumprimento? Chegamos aqui a mais uma característica muito importante: a meta precisa ser legítima para o(s) público(s) envolvido(s). E a legitimidade depende muito de garantir uma reflexão coletiva dos objetivos que se visa alcançar.

Nos últimos anos, o uso de metas educacionais tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, especialmente após a criação das metas do movimento Todos pela Educação, em 2007; do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no mesmo ano; e do Plano Nacional da Educação (PNE), em 2014. Entretanto, diante da diversidade do Brasil, com seus 5.570 municípios e quase 180 mil escolas, vale pontuar que as definições dos valores e dos prazos das metas exigem olhar para vários aspectos.

Definir metas sem considerar as particularidades regionais de cada rede de ensino compromete sua legitimidade e dificulta ainda mais seu cumprimento. É evidente que os desafios enfrentados por um município com escolas predominantemente rurais e alunos de baixo nível socioeconômico são muito diferentes daqueles de um município com escolas urbanas e estudantes de nível socioeconômico mais elevado. 

Da mesma forma, redes de ensino com diferentes pontos de partida demandam esforços distintos. Por exemplo: vamos supor que exista um município em que 40% dos alunos têm aprendizado adequado e outro onde essa taxa chega a 60%. Neste caso, ambos devem buscar progressos, mas é essencial que o primeiro tenha o suporte necessário para reduzir, gradualmente, essa diferença.

Logo, as metas devem ser acompanhadas de estímulos adequados para cada rede de ensino, reconhecendo os desafios e as particularidades locais. Para além de legítimas, é preciso que as metas sejam factíveis. Desafiadoras, sim, mas possíveis. Metas que, desde o princípio, pareçam inatingíveis de tão complexas podem causar o efeito inverso: em vez de engajar os profissionais, acabar por desestimulá-los.

As metas devem ser acompanhadas de estímulos adequados para cada rede de ensino, reconhecendo os desafios e as particularidades locais.

A depender do objetivo que a rede quer alcançar, pode ser importante criar metas parciais ou intermediárias. Elas serão bússolas para indicar se os gestores estão no caminho do impacto desejado — seja este o aumento da aprendizagem dos estudantes em determinada disciplina, a redução da evasão ou quaisquer outras ambições que a rede tiver. Caso não estejam, as metas parciais permitem readequar a rota. 

Portanto, quando bem elaboradas (com objetivo, valor e prazo), legítimas, desafiadoras e factíveis perante os profissionais envolvidos, as metas permitem às escolas avaliarem periodicamente se os seus objetivos estão sendo alcançados, acompanharem seus avanços e ajustarem suas estratégias, se necessário. Mas é importante ressaltar que, para além das metas (que não podem ser excessivas), há vários dados e indicadores educacionais que precisam ser acompanhados. 

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) criaram uma cultura de acompanhar resultados educacionais no país, o que é muito positivo. Porém, para além das avaliações externas e do Ideb, as redes produzem uma série de dados administrativos, que contém informações riquíssimas sobre os alunos, desde sua frequência até registros disciplinares e dificuldades que enfrentam nas aulas. O diagnóstico com foco na equidade é essencial.

No livro Ensino público com bons resultados, há um compilado de práticas e estratégias de redes que se destacam no Ensino Fundamental. Organizado pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), a partir de pesquisas com mais de mil redes de ensino de todo o país, a obra traz bons exemplos de como utilizar dados educacionais para fazer o monitoramento da aprendizagem dos estudantes. 

A rede municipal de Porto Franco (MA), por exemplo, relata: “Há três anos, a Secretaria Municipal de Educação utiliza o Sistema Integrado de Gestão Escolar (Sige). O sistema permite acompanhar o planejamento pedagógico do professor, o registro da aula, a frequência do aluno, as avaliações e as notas. Na Secretaria, os coordenadores monitoram a atuação dos professores, por meio do registro de aulas e frequência. Aos diretores e aos coordenadores das escolas, há a possibilidade de fazerem observações para o professor no próprio sistema. Os alunos e as famílias consultam a frequência e as notas. O Sige também é utilizado para matrículas, transferências e emissão do histórico escolar. Nas avaliações bimestrais, relatórios de desempenho das escolas, de salas de aula e de disciplinas são extraídos do Sige para ser trabalhados com os coordenadores das escolas, que repassam aos diretores e aos professores os resultados. Com base nesse acompanhamento, são planejadas as intervenções”. 

Há exemplos, também, de redes que não dispõem de sistemas integrados de gestão e realizam esse acompanhamento via planilhas do Google. O município de Jacaraci (BA) é um desses exemplos: “A rede não utiliza plataforma, e sim planilhas, por meio das quais realiza o monitoramento de frequência e o rendimento dos alunos, por disciplina, por turma e por escola. O controle do rendimento individualizado por aluno é feito na escola. A análise dessas informações permite identificar unidades que apresentam baixo desempenho, para que sejam tomadas ações específicas pela coordenação pedagógica da secretaria”.

Esse olhar para a equidade que Jacaraci (BA) destaca, em que, a partir dos dados, é possível identificar escolas mais vulneráveis e que precisam de um suporte maior da Secretaria de Educação, é fundamental para encontrar um caminho para as metas estabelecidas. No âmbito da Secretaria, nos referimos a escolas. No âmbito da escola, a estudantes. Nesse cenário, entender os resultados de aprendizagem e fluxo escolar é muito importante, mas é preciso também coletar informações sobre o contexto educacional, como: clima escolar, nível socioeconômico dos alunos, práticas pedagógicas utilizadas pelos professores, entre outras informações. 

A escola está permitindo que todos os estudantes tenham oportunidades de chegar a um nível de aprendizagem que lhes permita concluir seus projetos de vida? Que lhes permita, por meio da educação, ascender socialmente? Nas análises diagnósticas da rede é essencial, conjuntamente com os dados de resultado, ter informações que mostrem e diagnostiquem desigualdades.

Pensando em métricas, embora a medida mais comum observada seja a média, há outros parâmetros que também devem ser considerados e que permitem um olhar mais intencional para o combate às desigualdades. De acordo com dados do Saeb, em 2019, a proficiência média em Matemática, nos Anos Finais do Ensino Fundamental, na rede pública, foi de 255 pontos. 

Essa informação por si só traz poucas informações para orientar o trabalho pedagógico dos educadores. Por outro lado, ao utilizarmos indicadores que agrupam os alunos em níveis de proficiência, a desigualdade se torna mais visível. Uma divisão em níveis Avançado, Proficiente, Básico e Insuficiente dá mais visibilidade aos alunos que estão nesse último nível, que corresponde a uma aprendizagem abaixo do esperado.

Ao analisar os resultados das avaliações, conseguimos saber o que os estudantes estão aprendendo e, dessa forma, propor pautas formativas que sejam de interesse dos professores e alinhadas às necessidades dos estudantes.

A utilização de níveis de proficiência com informações contextuais se torna ainda mais poderosa. O QEdu, plataforma de dados educacionais da qual somos gestores, mostra que 37% dos alunos de alto nível socioeconômico, da rede pública, têm bom nível de aprendizagem em Matemática, no 9º ano do Ensino Fundamental, ante 13% dos alunos de baixo nível socioeconômico. 

A intersecção de nível socioeconômico com cor/raça evidencia ainda mais as desigualdades existentes: ao considerar os alunos pretos de baixo nível socioeconômico, o percentual com aprendizado adequado em Matemática é de 8%, reforçando a urgência de ações focadas na equidade racial. Dessa forma, a gestão escolar poderá obter uma visão mais completa e precisa das disparidades existentes e trabalhar de maneira mais eficaz para promover a equidade.

Nós, do Iede, em parceria com o Centro Lemann e a Fundação Lemann, produzimos o Guia para realizar um bom diagnóstico de equidade racial, um passo a passo de como produzir diagnósticos de desigualdades existentes na educação. O documento dá ênfase à dimensão cor/raça, mas traz aspectos relevantes para o mapeamento de outras desigualdades, como por questões socioeconômicas, de gênero e/ou localização do estudante (rural ou urbana). 

De acordo com o guia, antes da coleta de dados para o diagnóstico, é preciso passar por algumas etapas de preparação. Confira a seguir:

  • Passo 1: definir as questões para as quais a rede busca respostas. Por exemplo: A cor/raça das(os) estudantes interfere nos seus rendimentos?
  • Passo 2: definir o que a rede pretende fazer com essas respostas. Por exemplo: criar um programa de busca ativa das(os) estudantes mais vulneráveis ou que corram maior risco de abandono ou evasão escolar.
  • Passo 3: apresentar o projeto da pesquisa às(aos) gestoras(es) escolares.

Em seguida, o guia sugere novas estratégias: criação e aplicação de questionários para conhecer melhor a comunidade escolar em relação ao tema, a utilização de dados públicos (boa parte das informações podem já ter sido coletadas em bases nacionais), até os cuidados necessários no momento de divulgação dos resultados e das possibilidades de atuação para transformar o cenário encontrado. 

Para o último ponto, é importante que a mensagem seja passada “destacando que eventuais diferenças de desempenho não têm relação com inteligência ou capacidade de aprender, mas sim com fatores como falta de incentivo ou baixas expectativas”.  

O livro Ensino público com bons resultados traz mais exemplos de como os dados são utilizados, de forma prática, para orientar as ações da gestão escolar e o trabalho pedagógico dos professores. 

A terceira e última fase é essencial para que os dados gerem mudanças significativas. A Secretaria Municipal de Educação de Rio Verde (GO), por exemplo, conta que “possui um sistema de gestão de matrículas, planejamento das aulas, controle de frequência dos alunos e acompanhamento das notas de cada um. Por meio do sistema, são gerados gráficos comparativos dos estudantes, mostrando aqueles que estão acima e abaixo da média. Os orientadores pedagógicos da secretaria também obtêm as informações que serão discutidas em reuniões com os coordenadores pedagógicos de cada escola, que, por sua vez, se comprometem a repassá-las aos professores”.

Já Amaral Barbosa, ex-diretor da escola Miguel Antônio de Lemos, em Pedra Branca (CE), destaca que as avaliações são um termômetro das ações adotadas. “É por meio das avaliações diagnósticas, aplicadas bimestralmente, que nós entendemos se a matriz de habilidades proposta para ser desenvolvida está adequada. Assim, nossas ações são: planejar, executar, avaliar e monitorar. Quando analisados os resultados das avaliações, conseguimos saber o que os estudantes estão aprendendo, e, dessa forma, propor pautas formativas que sejam de interesse dos professores e alinhadas às necessidades dos estudantes”, diz.

De forma geral, o uso estratégico dos dados é essencial para garantir o avanço das redes de ensino e a oferta de uma educação de qualidade e com equidade. Dados bem utilizados não apenas ajudam a definir metas e a monitorar o progresso dos alunos, mas também são indispensáveis para a implementação de práticas pedagógicas eficazes que atendam às necessidades específicas de cada estudante. 

Contudo, é importante prezar sempre por indicadores que dialoguem com a realidade e estimulem os avanços educacionais necessários. Quanto melhor nossas avaliações e nossos indicadores, maior será o impacto que os dados poderão causar. 


Bruna Alves Soares é gerente de pesquisas do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

Ernesto Martins Raria é diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

Para saber mais

  • Faria, E. M., & Maggi, L. (2022). Ensino público com bons resultados. Fundação Santillana e Editora Moderna. Disponível em: https://mod.lk/ed26_ge1. Acesso em: 18 set. 2024. 
  • Faria, E. M. e Maggi, L. (2023). Guia para realizar um bom diagnóstico de equidade racial. [Relatório]. Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação. Disponível em: https://mod.lk/ed26_ge2. Acesso em: 18 set. 2024. 
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