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Aprendizados para uma nova década: próximos passos para a educação

Nos últimos 10 anos, o acesso à escola cresceu, criaram-se leis importantes e começou-se a falar em novas metodologias. Mas ainda ensinamos de um modo tradicional, aprendemos pouco e precisamos correr para cumprir metas enquanto o dinheiro para educação é cada vez mais disputado.

Texto Fernanda Nogueira, do Porvir

Superar o modelo tradicional de ensino continua sendo o maior desafio e, ao mesmo tempo, trunfo para a educação brasileira. É a partir desse processo que será possível garantir que os alunos acessem a escola, mas também permaneçam nela, aprendam mais e concluam a trajetória escolar na idade certa. Quando se olha no retrovisor para o que aconteceu na última década, ainda que não na velocidade esperada, alguns indicadores avançaram e foram estabelecidas metas que já permitem enxergar um horizonte de crescimento. 

Também é importante destacar que, mesmo diante de tensionamentos de diferentes lados do campo educacional e político, foi possível criar algumas bases legais que determinam o que o estudante deve aprender, como escolas e redes devem se organizar, quais novos conhecimentos professores precisam ter antes de pisar em sala de aula e como deve ser o financiamento para garantir o direito à educação para todos. Falta agora colocar essas políticas e medidas em prática. 

Conhecer esse contexto é importante para entender por que a escola ainda falha em atrair o interesse do estudante e para que se tenha uma dimensão do choque causado pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que provocou o fechamento das escolas em 2020. Segundo dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), estudantes brasileiros perderam cerca de dois terços do ano letivo. 

Amarrados a um modelo de ensino que pouco se preocupa com o desenvolvimento da autonomia, professores e alunos, em muitos casos, se viram de mãos vazias quando a tecnologia surgiu como mediadora e cobrou uma nova maneira de interação para que a aprendizagem não parasse. De acordo com a pesquisa TIC Educação, até 2019, apenas 14% das escolas públicas urbanas e 64% das particulares urbanas dispunham de um ambiente virtual de aprendizagem, recurso indispensável para gerenciar o aprendizado on-line. A conta pela lenta transformação chegou, e lidar com as novas necessidades de alunos e professores exige uma nova forma de olhar a educação que vai além da câmera ligada para transmitir conteúdos. 

A seguir, você vai conhecer como chegamos até aqui, por que há enormes conquistas a serem celebradas e como podemos avançar para que todos os estudantes tenham uma vida plena na década que se abre.  

Mais alunos na escola

Um dos grandes resultados a serem comemorados na educação da última década tem a ver com o acesso. Houve uma grande melhoria no número de crianças e jovens entre 4 e 17 anos que frequentam a escola. Em 2009, isso era possível apenas para 92,6% das pessoas nessa faixa etária. Em 2019, eram 98%, segundo o Censo Escolar. “Caminhamos rápido para a universalização, que concretiza o direito fundamental à educação”, diz Caio Sato, coordenador do núcleo de inteligência do Todos pela Educação.

Agora, será preciso insistir ainda mais em enfrentar desafios já conhecidos. A faixa etária de 0 a 3 anos precisa alcançar um patamar satisfatório de acesso. O Censo de 2019 mostra que 37% das crianças estavam na creche, mas a meta do PNE (Plano Nacional de Educação), instrumento criado em 2014 com 20 metas para serem cumpridas até 2024, fala em um mínimo de 50%. “Precisa aumentar a cobertura, construindo mais creches e fazendo convênios com redes privadas”, afirma Caio.

No Ensino Médio, a cobertura era de 94% dos estudantes em 2019, mas apenas 74% cursavam a etapa na idade recomendada, de 15 a 17 anos. “Os jovens precisam terminar a escolaridade básica sem evasão. Quando ficam mais velhos, aumenta a chance de abandono”, explica Caio. E mesmo quando completam essa etapa, aprendem pouco. Dados do movimento Todos pela Educação mostraram que só 29% dos alunos completavam o 3o ano do Ensino Médio em 2017 sabendo o que era esperado em Língua Portuguesa. Em Matemática, esse número era de 9%. 

As políticas precisam levar em conta questões sociais, como a necessidade de trabalhar, e questões pedagógicas, tornando o Ensino Médio mais atrativo. “Precisa de muita prioridade política e intersetorialidade porque as desigualdades ficam escancaradas”, defende o coordenador. O atraso escolar, por exemplo, é maior entre estudantes negros. Apenas 70% deles frequentavam o Ensino Médio na idade correta, contra 81% dos estudantes brancos.

A recuperação de conteúdo para aqueles que avançam mas não aprendem, busca ativa daqueles que param de frequentar a escola, priorização na fila da creche para os mais vulneráveis e apoio financeiro a regiões mais pobres são ações que trazem resultados e precisarão ser repetidas no cenário pós-pandemia.

Outra medida é a atualização das discussões na escola para que o jovem se considere pertencente a ela. “É preciso um diálogo com a perspectiva histórica, promover uma discussão profunda sobre as raízes das desigualdades, avançar no debate e na construção da educação antirracista, incluída nos currículos. As crianças e jovens precisam estar cientes disso, das questões de gênero e da necessidade de combate à homofobia e outros preconceitos”, afirma Caio.

Se, de um lado, os dados mostram que ao falhar em se conectar com as demandas dos jovens, a escola perde estudantes, é preciso celebrar o engajamento deles em ações por mais protagonismo e para melhorar a educação. Nesse sentido, o ano de 2015 foi emblemático, quando milhares de estudantes ocuparam escolas em São Paulo. 

Marcella Peixoto, hoje com 18 anos, fazia o 1º ano do Ensino Médio em 2016 quando integrou os grupos que organizaram protestos contra o plano de reorganização da rede estadual de educação de São Paulo, que previa o fechamento de escolas e a realocação de alunos. A jovem deu suporte à ocupação da Escola Estadual Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, na zona oeste de São Paulo, onde estudava.

Além do protesto contra a reorganização proposta pelo governo, Marcella lembra de outras carências que existiam na escola, como a ausência de professores e de estrutura, com biblioteca e laboratórios fechados, além de falta de itens básicos, como água e papel higiênico. “Meu primeiro contato com a militância foi quando comecei a conviver com o desmanche da escola pública. Percebi que a educação das pessoas dependia daquilo, de estudar perto de casa. Sem contar o contexto de que as escolas públicas não têm qualidade, têm uma merenda ruim.” 

Formada no Ensino Médio e técnico em 2019, a jovem agora se prepara para prestar vestibular para Direito, fazendo cursinho com bolsa de estudos. “Quero conquistar mais espaço em locais onde pessoas como eu não são escutadas há séculos. Pretendo usar meu repertório para que reverbere em uma situação mais positiva do que a atual.”

Em 2016, a onda de ocupações se estendeu para outros Estados, em um momento marcado por mudanças políticas e educacionais. Jovens voltaram às ruas contra duas políticas estruturantes da última década, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e também a Reforma do Ensino Médio, instrumentos importantes para a transformação do ensino brasileiro, que tiveram seu processo de formulação bastante contestado por atores educacionais, que se sentiram excluídos do debate.

Maior clareza sobre o que aprender

Apesar do cenário de instabilidade política, a aprovação da BNCC – documento que norteia o trabalho de todas as etapas educacionais, incluindo Educação Infantil, Fundamental e Médio, trazendo o que é esperado que cada estudante aprenda ao longo da educação básica – foi um dos principais marcos para a educação da última década. A construção do texto foi feita a muitas mãos, começando em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, até o momento da homologação da Base do Ensino Médio, em dezembro de 2018, com Michel Temer na presidência. 

Embora ainda sofra muitas críticas, a BNCC facilitou a elaboração de novos currículos, em todos os segmentos da educação, com a alteração do foco no conteúdo para uma abordagem em que o conhecimento é construído a partir do interesse do estudante e com a mediação do educador. 

Durante a pandemia, o documento já se mostrou valioso. Como o tempo de preparação e realização de aula on-line acelerava de um jeito próprio, recorrer à BNCC ajudou a definir o que era essencial aprender mesmo com a escola fechada. “É a primeira vez que se tem clareza das aprendizagens essenciais. Deixa de valer o CEP onde a criança nasceu e passa a valer o direito individual de todos”, explica Alice Ribeiro, secretária executiva do Movimento pela Base.

Novas práticas e metodologias

Implementá-lo da maneira adequada, no entanto, vai exigir muitas mudanças dentro e fora da sala de aula, segundo Anna Penido, especialista em educação. “Não se pode desenvolver pensamento crítico e empatia com aulas expositivas.
Precisa de outras abordagens pedagógicas, outros ambientes educacionais e metodologias mais ativas, senão, não sai do papel.”

Aliado à BNCC, o Novo Ensino Médio trouxe inovações, com a possibilidade de integração de saberes, organizados por áreas do conhecimento e não por disciplinas. O estudante pode escolher o caminho a seguir por meio de itinerários formativos em áreas de seu interesse, como ciências, artes ou curso técnico. “Aproxima a escola do século 19 da do século 21”, diz Alice.

Por trás das mudanças, está uma proposta de tornar o Ensino Médio uma preparação para a vida adulta, e não mais um preparatório para o vestibular, segundo Anna. “É calcado em ajudar o estudante a identificar seu projeto de vida e a desenvolver objetivos, metas, estratégias e competências para persegui-los.”

Colocar isso em prática, claro, vai depender de planejamento, recursos e apoio técnico, ainda mais diante dos impactos da pandemia. “[É preciso] repensar a alocação de professores, parcerias com outras redes, identificar demandas locais, dialogar com o setor produtivo e com os jovens. Governantes e secretarias precisam fazer com que esteja no topo da agenda educacional local”, afirma Alice.

Será necessário mudar as avaliações, “para que se possa dizer se os estudantes aprenderam o que está no currículo e desenvolveram competências e habilidades”, explica Anna. A confusão gerada pela pandemia compromete, em alguma medida, a implementação das mudanças, mas o momento pode ser aproveitado como uma oportunidade, segundo a especialista. “Podemos romper com a escola antiga, desconstruir para construir uma nova escola, com novas metodologias e direcionamentos, com o uso de tecnologia incorporado ao cotidiano.”

Mesmo antes da chegada das novas diretrizes educacionais, essa nova maneira de ensinar e aprender era experimentada no Centro de Ensino em Período Integral Dr. Genserico Gonzaga Jaime, em Anápolis (GO), que aderiu ao modelo de Ensino Médio em tempo integral em 2013 com 117 alunos.

O currículo inclui o chamado núcleo diversificado, além da BNCC. São nove aulas diárias, com práticas experimentais em laboratório; momento de estudos orientados, com autonomia para escolher o que fazer; ensino de técnicas para resolução de questões do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), vestibulares e concursos; avaliações semanais para identificar e corrigir déficits na aprendizagem; e projeto de vida, momento de autoconhecimento e ampliação de sonhos.

Os alunos ficaram assustados no início, mas depois se acostumaram, segundo a diretora da escola, Patrícia de Almeida Assunção. Hoje, são 304 estudantes nesse modelo. “A proficiência melhorou muito e vemos que os alunos estão realizando seus projetos de vida.”

Para colocar o trabalho em prática é, sim, necessário mais investimento. O colégio recebe recursos 30% maiores que as escolas de meio período e verba extra para o almoço. A infraestrutura ainda necessita de adequações, de acordo com a diretora, “o que não afeta a parte pedagógica”.

Os professores passaram por uma capacitação inicial e recebem formação continuada. “Tiveram uma aceitação bastante satisfatória, mas nem todos puderam permanecer por terem outras atividades além da escola”, afirma Patrícia, que destaca o engajamento e o estudo constante da equipe.

Tempo integral e educação integral

Assim como esse centro de ensino em Goiás, outras redes começaram a oferecer a educação em tempo integral, seguindo a meta do PNE, que tem como objetivo oferecer a modalidade em, no mínimo, 50% das escolas públicas para atender ao menos 25% dos alunos da educação básica até 2024. Em 2019, o índice de escolas do país estava em 33% e o de matrículas em 14,2%. 

Ao mesmo tempo, há a busca por promover a educação integral a partir de um conceito mais amplo, em tempo parcial ou integral, que se preocupa em promover o desenvolvimento do estudante em suas diferentes dimensões – afetiva, social, física e cognitiva – de forma integrada.

Para Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec Educação (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), é por esse caminho que passam o enfrentamento e a superação das desigualdades educacionais nos próximos anos. “A educação integral trabalha, articula e integra estas diferentes dimensões, entendendo que o desenvolvimento se dá de forma integral, tendo em vista sua atuação para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.”

Para Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz, é importante que a educação integral esteja contextualizada com a cultura do território da escola, com as referências dos estudantes, seus interesses e perspectivas. “Significa diversificar oportunidades educativas com outras linguagens, como música, audiovisual, corpo, dança, tecnologia, arte; agentes que não sejam só os professores; e espaços, não apenas o da escola.”

Outra mudança é a construção de relações afetivas e intelectuais entre estudantes e professores. Acolher para ensinar nunca foi tão importante quanto agora. “A aproximação intelectual do educador com o mundo infantil ou do jovem e a busca por seus interesses permite a criação de uma relação didática que provoca uma revolução educacional”, diz o professor Luciano Meira, especialista em inovação educacional, professor de psicologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e sócio-fundador da Joy Street. 

Para essa aproximação com o estudante ser efetiva, uma meta específica do PNE trata da gestão democrática. Assim como acolher, escutar e dividir responsabilidades entre a equipe escolar e os próprios estudantes são temas de primeira necessidade para a nova escola. “Ainda temos uma cultura muito autoritária nas escolas, que tem a ver com políticas centralizadoras das secretarias. A aprendizagem está ligada à construção de vínculos e pertinência. Isso só acontece se houver a participação dos alunos, das famílias e da comunidade”, afirma Natacha.

Por enquanto, os espaços de participação ainda são minoria. Entre as escolas públicas, 30,9% das que oferecem Ensino Fundamental têm associação de pais e mestres. No Médio, são 41,3%. O grêmio estudantil está presente em 13,8% das escolas de Fundamental e em 51% das escolas de Ensino Médio.

Pandemia cobra mudanças

Desde o início da pandemia, o educador precisa encontrar meios para se aproximar do aluno no ambiente on-line. Ao longo de 2020, havia um sentimento de invisibilidade on-line. De um lado, alunos sem poder levantar a mão para tirar dúvidas (muitas vezes por falta de conectividade), com vergonha de mostrar a casa, a família ou aparecer com o cabelo desarrumado. Do outro, professores reféns de câmeras desligadas e diante de inúmeros quadradinhos pretos mostrando apenas nomes dos alunos. 

Avance para 2021 e o ambiente começa a se tornar híbrido, ora na escola, ora em casa, com a experiência on-line presente nos dois ambientes. Aqui, corre-se o perigo de manter a exclusão vivida durante o período de aulas remotas. Para que alunos e professores não sejam novamente apartados da tecnologia, gestores precisam olhar seriamente para a estrutura de conectividade das escolas. 

Das 78 mil instituições municipais de Ensino Fundamental, 65% têm internet, mas apenas 34% usam a conexão para ensino e aprendizagem; entre as 22 mil escolas estaduais, 92% têm internet e 71% usam para ensino e aprendizagem, segundo o Censo Escolar 2020.

“O uso ainda é restrito à área administrativa. A internet precisa entrar na sala de aula e ser usada como ferramenta pedagógica do professor”, diz Lucia Dellagnelo, diretora-presidente do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira). No Ensino Médio, das 19.700 escolas estaduais, 96% têm internet, mas o uso para ensino e aprendizagem acontece em 73%. “O Brasil passou muito tempo sem fazer uma revisão na política de tecnologia”, completa. 

Agora, além de reconstruir a infraestrutura de tecnologia das escolas, gestores precisam entender melhor como engajar tanto quem está em sala de aula como quem não pode comparecer por conta dos riscos de propagação do coronavírus. Para o chamado ensino híbrido, não basta ligar a câmera e transmitir a mesma aula presencial para quem está acompanhando as atividades de casa. 

Lilian Bacich, especialista e autora de livros sobre o tema, reconhece que manter o nível de atenção para os dois grupos de alunos é difícil. Por isso, sugere que a sala de aula seja dividida em diferentes estações de trabalho, pequenos grupos que podem integrar quem está a distância e presencialmente. “O primeiro desafio é tirar o ‘simultâneo’ do planejamento. Se organizarmos estações de trabalho — estação do professor, estação de trabalho individual e estação de trabalho em grupo —, conseguimos variar as experiências de aprendizagem, trabalhar com grupos menores e realmente identificar as necessidades e facilidades dos estudantes”, escreveu.

Novo papel de quem ensina 

O ensino híbrido exige um novo papel por parte do professor, que não deve ser aquele de simples transmissor de conteúdo. Quem acompanha os alunos de perto sabe que fazer mais do mesmo já não atende às necessidades do mundo, nem traz motivação para aprender. 

O professor de geografia Paulo Roberto Magalhães, de 56 anos, percebeu na sala de aula que tinha de mudar sua prática pedagógica para conquistar os estudantes. Começou a promover aulas pelas ruas da região central de São Paulo há cerca de dez anos com suas turmas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Duque de Caxias.

Aos poucos, a iniciativa conquistou a todos e hoje coleciona prêmios. “Surgiu da necessidade de fazer uma geografia diferente. Mudar a prática do que recebi na escola. Transformou a minha vida, a dos meus alunos e a escola. Hoje somos mais próximos. Eles se sentem parte do bairro e do espaço e têm noção de que são cidadãos globais.”

Paulo se sente valorizado pelo reconhecimento, mas lembra que os professores da educação básica ainda ganham pouco. “Fiz muitos cursos e tive aumentos pela política de cargos. Vivo decentemente, mas o piso salarial é muito baixo. Deveria ser igual ao de um professor universitário”, afirma.

Estrutura das escolas

Neste cenário em que aprender não se restringe mais à sala de aula, até para que os protocolos de segurança contra o coronavírus sejam respeitados, é preciso olhar para a estrutura física de uma escola pública. Cerca de 4.800 escolas de Ensino Fundamental, entre estaduais e municipais, não tinham banheiro, segundo o Censo Escolar 2019. Além disso, apenas 46,8% do total de escolas públicas tinham biblioteca ou sala de leitura e 39,3% das públicas de Ensino Fundamental tinham quadra de esportes.

Na educação pública, os estudantes dependem da escola para todo o processo de formação, incluindo comer, ser acolhido, ter contato com colegas e ter professores que percebam suas necessidades, segundo Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da UnB (Universidade de Brasília) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “A Covid-19 mostrou que a infraestrutura é fundamental.”

Para a professora, escolas sem problemas de infraestrutura são exceção. “Uma escola precisa oferecer condições para desenvolver aquilo que se espera dela: fazer com que o estudante aprenda e desenvolva suas capacidades e que o professor ensine.”

Por que não avançamos mais?

Pelos números do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica, continuamos a evoluir na qualidade da educação nos anos iniciais e finais do Fundamental, mas a curva perde força quando o Ensino Médio chega. O problema é que o avanço educacional é limitado pelas desigualdades da sociedade brasileira. 

Segundo Chico Soares, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), “melhora a rede que, através de decisões objetivas, coloca o aprendizado dos estudantes no centro do planejamento educacional. Ou seja, os objetivos de aprendizagem devem estar no cotidiano da escola. O gestor precisa conhecer os objetivos e a sua progressão. Nesse sentido, as atividades de avaliação formativa são muito importantes, e podem ser organizadas também como formação continuada”.

Para Caio Sato, os Anos Iniciais se beneficiaram de políticas de alfabetização. Já os Anos Finais do Fundamental sofrem com a oferta dividida por municípios e Estados, problemas pedagógicos, o momento de transição de um modelo para outro e a possibilidade de abandono e evasão. “É uma agenda que precisa ser colocada em pé para apoiar uma reversão de tendência.”

Para Chico, a reforma educacional deve trazer impactos no Ensino Médio. “A aprendizagem dos estudantes exige regularidade na execução e muita determinação na implementação do projeto pedagógico. Avaliações externas como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) podem ser fonte de inspiração.”

Avanços obtidos pela rede de educação do Ceará trazem ensinamentos. Alguns exemplos são: a cooperação entre o Estado e os municípios, a ênfase na formação continuada, a regularidade com que o sistema funciona em muitos municípios, além dos sistemas de acompanhamento e incentivo, que orientam ações pedagógicas das escolas.

As melhorias na aprendizagem se refletem no Ideb da rede, que superou as metas no Fundamental e está acima da média brasileira no Médio. “É importante ressaltar a redução histórica da taxa de abandono na etapa final da educação básica, que chegou ao menor patamar da história em 2019, com a taxa de 3,8%. Para se ter uma ideia, no ano de 2007, 16,4% dos alunos abandonaram os estudos”, comemora a secretária da Educação do Estado, Eliana Estrela.

Atualmente, a rede tem 278 escolas de Ensino Médio em tempo integral, o que representa 38% do total. “O programa permite que o projeto pedagógico voltado à equidade seja efetivado.

As atividades realizadas durante o tempo extra potencializam o desenvolvimento de habilidades mais complexas. Desse modo, os resultados de aprendizagem são mais bem trabalhados”, diz Eliana.

Dinheiro da educação: luta por financiamento em meio às crises

Um foco intenso dos debates foi a criação de novos mecanismos para o financiamento da educação. Três momentos merecem destaque, com as crises econômica e política como pano de fundo: a euforia com o dinheiro do petróleo do pré-sal, o choque de realidade com o teto de gastos e a expectativa do novo Fundeb. 

Em 2014, o PNE fixou como meta o aumento gradativo dos gastos públicos, que deveria chegar a 7% do PIB em 2019 e a 10% em 2024. Em 2015, o país estava no patamar de 5,1%, com R$ 344,7 bilhões de investimento público na educação pública, segundo o Inep.

Entre as estratégias definidas para atingir o objetivo estavam o aumento da participação federal nos investimentos, o complemento do orçamento com royalties do petróleo e do pré-sal e a aplicação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (Caqi), mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação que define o valor mínimo anual a ser investido por estudante para garantir uma educação de qualidade, com o mínimo de infraestrutura e recursos humanos.

Nos anos seguintes, a crise da Petrobras e do petróleo frustraram as expectativas em relação aos repasses. Além disso, a recessão econômica levou à aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos em 2016, que congelou os gastos federais por 20 anos e tornou o cumprimento da meta do PNE mais difícil. Em 2018, os gastos com educação eram de 5% do PIB, com total de R$ 342,1 bilhões, de acordo com o Inep.

No final de 2020, a aprovação do Novo Fundeb trouxe esperança de que aumentem os investimentos públicos, principalmente em municípios pobres de Estados ricos, que antes não eram contemplados, com a redistribuição dos recursos, a maior participação da União nos gastos com educação e a aplicação do mecanismo de medição da qualidade do ensino.

Além da garantia de recursos, segundo Naercio Menezes Filho, professor titular da cátedra Ruth Cardoso do Insper, a gestão é importante. “Tem municípios espalhados pelo Brasil que são muito pequenos e não têm gestão adequada dos recursos. A rede é mal organizada, tem pouco controle dos dados, dos professores e do desempenho dos alunos. Não existe uma cultura de avaliação de resultados e processos. Fica difícil melhorar a aprendizagem sem aplicar métodos básicos de gestão, que acontecem em todas as empresas públicas e privadas.”

Pelas novas regras do Fundeb, o percentual de participação federal passou de 10% em 2020 para 12% em 2021, com aumento gradativo até chegar a 23% em 2026. O novo modelo de distribuição dos recursos leva em conta a situação de cada município para os cálculos e para os repasses. Foram incluídos indicadores de melhoria do ensino como critérios para o repasse de parte dos recursos da União. Mudou o percentual mínimo de uso de recursos do fundo para pagamento de profissionais da educação, subindo de 60% para 70%. “Mas é preciso implementar outros aspectos do fundo. A cláusula que prevê aumento da complementação da União depende de práticas efetivas para melhoria do aprendizado”, diz Naércio.

Professores à espera de uma nova formação

Enquanto continua a luta por maior valorização profissional, melhores salários e condições de trabalho, mais professores de Educação Básica chegam às escolas com Ensino Superior, ainda que carregando deficiências nessa formação inicial.

Os educadores enfrentam ambientes hostis nas escolas, tendo de conviver com a violência entre os estudantes e contra eles próprios. Mesmo em meio a dificuldades, seguem preocupados em rever suas práticas pedagógicas e se abrem cada vez mais ao uso de tecnologia, o que passou a fazer parte do cotidiano de trabalho em 2020, com o distanciamento social imposto pela pandemia do coronavírus.

Uma das metas do PNE (Plano Nacional de Educação), a melhoria da formação foi objeto de muitas discussões nos últimos anos, que culminaram no lançamento pelo MEC, em 2018, da Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica. A base traz competências a serem dominadas pelos educadores em diálogo com a BNCC. O texto sobre a formação inicial foi aprovado em 2019. Segue em discussão no CNE (Conselho Nacional de Educação) a base para formação continuada.

A nota técnica “Formação inicial de professores: uma visão para a construção de propostas pedagógicas orientadas para a prática”, do Instituto Península, de novembro de 2020, resume o que se espera do professor, de acordo com a nova diretriz: “conhecimento sobre como os alunos aprendem em diferentes contextos educacionais e socioculturais; saberes específicos das áreas do conhecimento e dos objetivos de aprendizagem, o que comumente está relacionado ao currículo vigente; e conhecimento pedagógico do conteúdo e das estratégias que devem ser empregadas para o ensino do conteúdo”.

Além disso, o profissional precisa desenvolver as competências gerais da BNCC: socioemocionais, digitais, culturais, comunicacionais e éticas. A carreira deve ser vista de forma sistêmica, desde a formação inicial, com avaliação de saída da licenciatura, o ingresso na carreira, o estágio probatório, a formação continuada e a avaliação de desempenho, aliados à evolução na carreira, de acordo com a nota, explica o documento. 

O avanço da carreira docente depende, ainda, do estímulo a inovações institucionais na formulação das licenciaturas, que viabilize o processo de transformação dos currículos, diz Bernardete Gatti, doutora em psicologia pela Universidade de Paris, pesquisadora consultora da FCC (Fundação Carlos Chagas) e membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. “Tem de haver um projeto nacional de formação de professores que estimule as instituições. O Ministério da Educação poderia dar apoios diversos, com financiamentos para inovações e bolsas de estudo.”

Aonde se quer chegar

Uma das mensagens mais poderosas que a adoção de um novo modelo de ensino pode passar é a de superar a ideia de que o aluno da escola pública pode receber apenas o básico enquanto o estudante da escola privada tem acesso às melhores práticas. “Não dá para fazer nada no mundo real sem ter aprendido coisas mais avançadas. As profissões e a participação cívica exigem esses conhecimentos”, diz Paulo Blikstein, professor da escola de educação da Universidade de Columbia (Estados Unidos). 

Com profissionais mais bem preparados e uma infraestrutura adequada, o professor vislumbra que um maior uso de ferramentas tecnológicas, como espaço maker, kits de ciências e robótica, que permitem a construção e a invenção de coisas, será cada vez mais comum e se tornará cada vez mais barato. O que não significa que será possível baratear a educação, de acordo com o educador. “Não é só a tecnologia que importa, precisa de gente preparada para usá-la na sala; o custo da formação de professores existe.”

Ideias progressistas de pensadores como Jean Piaget e Paulo Freire, que já entraram na BNCC, estarão cada vez mais presentes nos currículos. “Ninguém mais quer decoreba. Isso foi trazido pelas mudanças na juventude, que tem um milhão de possibilidades de se engajar em outras atividades, como esportes, videogame, comunidades virtuais e grupos de estudo. Se a escola não ficar mais interessante, conectada com a vida, apaixonante, o estudante pode estar fisicamente na escola, mas com a cabeça em outro lugar”, afirma Paulo.

Além disso, outras tendências precisam ser combatidas, segundo o professor, como a privatização da educação pública e a disseminação de ideias como terraplanismo, negação da ciência e da pandemia.

FERNANDA NOGUEIRA é jornalista e produtora de conteúdo do Porvir, a principal plataforma de jornalismo e inteligência sobre inovações educacionais do Brasil. h www.porvir.org

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