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Revolução criativa na escola

Afinal de contas, o que é ser criativo? O que precisamos desaprender para reaprender de forma diferente? Como a criatividade pode transformar a educação? Embarque nessa aventura pelo universo da criatividade!

texto Jean Sigel

Revoluções mudam o mundo. Revoluções culturais, sociais, econômicas e políticas transformaram a humanidade. Vivemos tempos incertos e exponenciais em diversos setores. Tempos que nos fazem refletir sobre outra revolução necessária: a revolução na educação. Sir Ken Robinson, um dos maiores educadores de todos os tempos, falecido em 2020, defendia que um sistema educacional que não atende as necessidades do mundo e não desenvolve talentos não precisa apenas de reforma, e sim de uma revolução. Afinal, reformar a partir de um alicerce que não suporta novas camadas significa tapar buracos que ameaçam ruir. É preciso quebrar velhas estruturas e convicções para o novo surgir. Lá em 2006, durante sua fala na conferência TED, uma das mais acessadas das palestras TED Talks, Sir Ken dizia que a escola padrão matava a criatividade humana e que era necessário um debate urgente sobre esse tema.

Mudar dói e dá trabalho. Gostamos do conforto e cultivamos padrões que nos mantêm cômodos. Independentemente da área de atuação e perfil profissional, mudar padrões e convicções ensinados como tutoriais de vida e trabalho exige coragem e desprendimento. Uma instituição secular como a escola precisa olhar para seus alicerces e entender de que maneira é preciso rever suas estruturas. O segredo está essencialmente em seu capital humano. Gestores, professores e todos que pertencem direta ou indiretamente à escola fazem parte dessa transformação. Os alunos, principais interessados, precisam ter voz e ser ouvidos. 

Em 2019, durante o WISE (World Innovation Summit For Education), maior fórum de inovação na educação do mundo que nesse ano aconteceu em Doha (Qatar), participei de um debate sobre projetos com educadores do mundo todo e fomos unânimes em uma conclusão: não há mudança na escola sem dor. Para a inovação acontecer, é preciso se colocar diante do risco.

O grande tema debatido por mais de 3 mil educadores, gestores e líderes educacionais de 100 países não foi a tecnologia ou a inteligência artificial, mas, para surpresa de muitos, veio de duas perguntas: o que significa ser humano? E o que precisamos desaprender para reaprender de forma diferente? Como espécie, somos seres aprendizes por natureza. Mas temos também a capacidade de desaprender e reaprender. Desaprender padrões ensinados que já não servem; convicções que já não condizem com nosso mundo; e os bloqueios impostos. 

Hoje, não basta ser bom aprendiz, é preciso ser flexível para desaprender e reaprender o tempo todo, diante de um mundo mutante, sem fronteiras, ultraconectado e em que expectativas se alternam sem avisar. Isso passa pela escola. É preciso fomentar a criatividade e incentivar as diversas inteligências que estão na sala de aula para que os alunos consigam sobreviver e trabalhar em um mundo exponencial. Assim, vamos criar uma revolução na educação. 

Como realizar uma revolução criativa na escola?

Precisamos agir. Rápido. Ou mudamos agora, ou o mundo muda sem a gente. As novas gerações não podem ficar alheias às transformações, sem desenvolver habilidades criativas. Pablo Picasso dizia que “todas as crianças são artistas, o problema é como permanecer artista quando crescem”. Talvez muitos não tenham compreendido o valor do que o mestre quis dizer e, ainda hoje, não deem a devida importância. Pensando nas recentes discussões sobre criatividade e sua importância para o futuro profissional e das organizações, é preciso entender por que nos tornamos tão eficientes em tarefas mecânicas e burocráticas e tão limitados quando desafiados a gerar novas ideias. Preservar e estimular a criatividade de crianças e jovens deveria ser tão essencial quanto alfabetizar ou ensinar matemática. Para a criatividade florescer na escola, é preciso fazer mais.

Você, educador, se considera uma pessoa criativa?

De nada adianta exigir criatividade dos alunos, se não soubermos explorar a nossa própria criatividade. Afinal, não são as escolas que são criativas, mas as pessoas que lá estão que a fazem criativa. Seres humanos nascem criativos. Não se trata de um dom que acomete poucos privilegiados, nem está relacionada apenas às artes, às ciências ou às tecnologias. A criatividade pertence ao ser humano. Criar é ser humano. 

Se você ainda não se considera criativo, tudo bem. Quando faço essa pergunta a cem pessoas adultas, no máximo três levantam a mão. Se nascemos seres pensantes e criativos, por que nos consideramos apenas pensadores e não criadores? Há uma explicação. Ao longo da vida, fomos literalmente educados e treinados para não sermos criativos. 

Exercícios práticos de criatividade

Para ajudar no dia a dia, algumas práticas simples que podem ser realizadas em sala de aula:

1. atitude criativa

Imagine que um alienígena está visitando a Terra. Como você descreveria nosso planeta? adaptação para resolver problemas.

2. adaptação para resolver problemas 

Peça aos alunos que formem uma fila em 1 minuto conforme o aniversário deles de janeiro a dezembro, com uma única regra: ninguém pode falar nada.

3. geração de ideias

Levante com os alunos 20 utilidades para um copo plástico. Depois, pergunte mais 20. E mais 20, e assim por diante. No final, vocês terão exercitado a criatividade, pois as respostas óbvias se esgotaram no início, dando espaço às inovadoras. A técnica pode ser aplicada para qualquer situação que demande fluidez e colaboração de ideias.

4. observação criativa

Proponha à turma que desenhe um colega em apenas 2 minutos. Perceba como os alunos se incomodam com o julgamento alheio e ficam constrangidos em desenhar algo inovador por medo de errar. Peça então um segundo desenho, dando a liberdade para desenharem sem medo do erro e do julgamento: ninguém pode julgar ninguém. O segundo desenho será muito mais criativo e original.

Em 1968, o cientista George Land conduziu um estudo encomendado pela Nasa para selecionar cientistas e engenheiros criativos. Land, por curiosidade, resolveu testar também 1.600 crianças com idades entre quatro e cinco anos e os resultados foram surpreendentes. Nos anos seguintes, ele continuou o estudo e testou as mesmas crianças com 10 anos e novamente aos 15 anos. Nos resultados, 98% das crianças se revelaram altamente criativas aos 5 anos. Aos 10 anos, apenas 30% se mostraram ainda altamente criativas. Ao chegar aos 15 anos, a queda foi para 12%. Impressionante! Land aplicou o mesmo teste em 280 mil adultos de idades diferentes e apenas 2% deles se revelaram altamente criativos. 

Bloqueios criativos

Nossa criatividade é bloqueada conforme crescemos. Primeiro em casa, com os pais, os primeiros e mais importantes educadores. Imagine a cena. A filha faz um desenho e diz: 

— Pai, mãe, olhem o meu cavalo voador.

Os pais olham a folha e no auge de sua dita sapiência falam: 

— Filha, cavalo voador? Cavalos não voam, eles saltam, correm e pastam. 

Pois bem. A família acaba de cercear o potencial criativo pelo simples fato de estar presa em moldes do pensamento linear. Quase sem querer nossa cabeça adulta e racional decepciona aquelas cabecinhas imaginativas e que gostam mesmo é de voar. 

Aí vem a escola. Felizmente, há em alguns países, incluindo no Brasil, um amplo debate que repensa e questiona o sistema educacional que há 200 anos mantém crianças e jovens direcionados para disciplinas, excesso de exames e padrões engessados, sistema que pouco estimula as diferentes formas de pensar, imaginar, criticar e criar, e que, portanto, pouco contribui para o desenvolvimento de habilidades.

Em 1979, Pink Floyd lançava a icônica Another brick in the wall como protesto ao sistema massificado de educação que pré-formata alunos em padrões considerados adequados, desconsiderando as diferenças. É como usar um sapato apertado. Damos um jeito, mas incomoda o dia inteiro. As escolas devem compreender as individualidades e diferenças para energizar a mente dos alunos e contribuir para que se descubram como agentes do mundo. A negligência com que instituições de ensino tratam a imaginação, a intuição e o pensamento criativo nos leva à reflexão preocupante de que educamos nossos filhos para serem tudo menos criativos, originais e inovadores. As consequências disso em um mundo competitivo, complexo e carente de novas soluções para questões econômicas, políticas, ambientais e sociais tendem a ser devastadoras.  

Finalmente, o mercado de trabalho mantém os bloqueios criativos. O discurso solto da inovação aparece e empresas e organizações de vários setores soltam o bordão “Precisamos inovar!”. Mas quando novas ideias surgem são eliminadas com a premissa do “não podemos nos arriscar assim!”. Contraditório, não é? 

Mesmo com esses bloqueios, podemos reaprender e resgatar nosso potencial criativo? 

SIM! As habilidades criativas podem ser reaprendidas com atitudes e práticas assim como um músculo precisa se exercitar para se manter forte. Criatividade se desenvolve com prática e hábito. Portanto, é essencial cultivar hábitos criativos no dia a dia e vamos começar com as dicas a seguir. 

Hábitos criativos incentivam atitudes criativas

Todos somos criativos e ponto. Mas não basta se considerar criativo, é preciso ter atitudes autorais. Howard Gardner em sua teoria das múltiplas inteligências afirma que temos pelo menos três grandes inteligências das oito já comprovadas e precisamos praticá-las: são nossas aptidões, talentos e vocações naturais. O professor deve conhecer seus talentos mais diversos e expô-los para que os alunos se inspirem a se expressar criativamente. No dia a dia com a turma, preste atenção nas inteligências diversas em sua sala de aula. Os alunos trazem talentos e expressões únicas que precisam ser estimulados. Introvertidos, comunicativos, pensadores, generosos, inquietos, curiosos; alguns com inteligência musical, linguística ou lógica. Quando suas inteligências são valorizadas, desenvolvem atitude criativa e coragem para se expressar. 

Adaptação visceral

Os caminhos mais fáceis não exigem grandes mudanças. Os mais difíceis, sim. Não nascemos adaptativos, mas aprendemos a nos adaptar conforme as circunstâncias. Adaptabilidade é crucial diante de tantas transformações. Para o professor não é diferente. Adaptar-se tem que ver com versatilidade, mudança e coragem para ajustar as velas. Há aulas que são fáceis de dar, mas difíceis de aprender. Há aulas que são difíceis de dar, mas fáceis de aprender. O segredo é adaptar a aula não apenas à turma, mas às realidades, às circunstâncias e às curiosidades do mundo. Crie desafios de adaptabilidade para que os alunos sejam desafiados. Uma aula de Matemática pode acontecer em um jogo de futebol. Uma aula de Português, em um game. A aula de História pode ser ambientada no futuro, em 2500, por exemplo. Estamos atentos a novidades, desafios e oportunidades ou apenas focados no mais do mesmo?

Pergunte e pergunte mais um pouco

Criatividade está mais próxima ao ambiente das perguntas do que das respostas prontas. Pergunte mais para ampliar possibilidades. Estamos acostumados a dar respostas que já conhecemos e, geralmente, nos fixamos nelas. São as perguntas que abrem portais para descobertas. Dentro do ambiente escolar, analise como você incentiva seus alunos a perguntar. Lembre-se de que a pergunta corajosa vale mais do que a pergunta ensaiada. Crianças são perguntadoras naturais, mas precisam entender que suas perguntas são realmente valorizadas para que continuem confiantes.

 Pense com a cabeça do outro

Apesar de todo o conhecimento e experiência, o professor precisa pensar com a cabeça dos alunos. Ao fazer isso, se coloca no lugar e na experiência deles, e entende como pode mediar, guiar e estimular cada cabecinha ávida por experiência. Esse processo é importante para criar uma eletricidade empática. Faça-os perceber que valoriza suas opiniões, ideias e sonhos. Como a criatividade é movida pelo calor e pela emoção humanos, ao sermos mais empáticos, somos mais criativos. 

Comunique-se verdadeiramente

Sem comunicação não há inovação. Isso vai além de se expressar ou dar aula. Comunicar é tornar comum. É mais que uma ferramenta; deve ser uma estratégia para a inovação da escola. Estabeleça uma comunicação interna aberta que valoriza a troca e a cocriação de todos os setores da instituição — incluindo os alunos. Em um mundo altamente tecnológico e movido a cliques, o professor não pode mais ser um transmissor de conteúdo. É preciso ser um comunicador e exercer a escuta ativa como elemento-chave para que a comunicação com a turma seja autêntica e com vínculos verdadeiros. Lembre-se: nem tudo precisa ser dito, mas há coisas que, ao serem ditas, giram chaves.  

Use a intuição

A intuição é um grande motivador de invenções. Devemos prestar mais atenção à intuição porque essa pulga atrás da orelha costuma revelar ideias no nosso subconsciente. Ao professor, vale estar atento aos insights inesperados seja em um passeio, numa conversa ou ao tomar banho. A intuição aparece em momentos de calma. Por isso, saia do piloto automático para dar vazão à imaginação. Com os alunos, desmistifique a intuição como algo exótico. Estimule exercícios em que a turma compartilhe e converse abertamente sobre medos, pesadelos, sonhos estranhos ou engraçados. Essas conversas podem trazer lampejos intuitivos para novos projetos. 

Não julgue na hora errada e tolere o erro

Tome cuidado ao julgar uma ideia. Se feito no momento errado, o julgamento pode limar a criatividade. As ideias precisam de tempo para maturar e ganhar outras visões complementares. É necessário que sejam compartilhadas livremente para que a imaginação entre em cena. Depois, há uma etapa natural sobre o que é possível ou não fazer. Ao dar autonomia para novas ideias, os erros acontecem naturalmente e, nesse caso, precisamos celebrá-los. Afinal, quando se erra ao tentar criar algo, devemos valorizar a tentativa. Ken Robinson dizia que “se você não está preparado para errar, nunca virá com algo realmente original”. Não mate a criatividade e a coragem de seus alunos por explorarem ou tentarem algo inovador.

Para onde vamos?

A revolução criativa na escola acontecerá pelas pessoas e não apenas pelos processos. Façamos uma breve regressão. Lembre-se de você na infância, o que fazia e como brincava, do que gostava, como se divertia e veja se o resultado não era algo inusitado. Aprendia, errava, tentava novamente, e se sentia pronto para uma nova habilidade. Aprendia a aprender. Algo que deixamos de lado pouco a pouco. Reencontre o velho equilíbrio. Deixo a seguir um resumo do que acho essencial para a revolução criativa:

  • Valorize os estudos, mas também seus próprios talentos. 
  • A escola, mas também o mundo ao redor dela. 
  • Tenha equilíbrio, mas permita o desequilíbrio. 
  • Valorize os números, e também as artes. 
  • Valorize o indivíduo, como também a colaboração. 
  • Faça ciência e valorize a experimentação.
  • Parabenize o acerto, mas celebre o erro por algo novo. 
  • Valorize o saber e a curiosidade. 
  • Treine a lógica e a imaginação. 
  • Saiba a técnica, mas pratique o improviso. 
  • Entenda as fórmulas, mas enalteça a intuição. 
  • Parabenize o resultado, mas também o esforço.
  • Reconheça o trabalho e as diferentes maneiras de fazê-lo. 
  • Fortaleça a didática, mas também o jogo, o brincar e o adaptar. 
  • Use tecnologia, mas também construa com as mãos e com alma. 
  • Valorize as respostas, mas use e abuse das perguntas. 
  • Valorize o professor, o aluno e a relação entre eles.
  • A tabuada, e a poesia. 
  • O corpo, a alma e o espírito.

A educação é a grande causa da humanidade. Aos educadores, meu profundo respeito àqueles que tem sua profissão como causa e paixão, apesar das adversidades. Há muitos espalhando propósito e emoção com seu trabalho. Às escolas, meu desejo de que abracem a educação como um ato de afeto e revolucionário e que recebam cada criança pela sua singularidade independentemente de notas, médias e números. Escolas são cruciais na formação humana quando se mantêm essencialmente humanas, com emoção à flor da pele. Viva a revolução criativa!


JEAN SIGEL é cofundador da Escola de Criatividade, certificado pela Universidade de Stanford/DSchool em Inovação, atuante em projetos voltados à educação corporativa, educação para a criatividade, economia criativa e empreendedorismo.


Para saber mais

  • KELLEY, D.; KELLEY, T. Confiança criativa: libere sua criatividade e implemente suas ideias. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019.
  • PH.D., Ken Robinson; ARONICA, Lou. Escolas criativas: a revolução que está transformando a Educação. Porto Alegre: Penso, 2018.
  • SIGEL, J.; KOHIYAMA, L.; FANK, J. O grande livro da criatividade. 1. ed. Escola da Criatividade.
  • TED TALKS: Será que as escolas matam a criatividade?. Sir Ken Robinson. 2006. Disponível em: mod.lk/ed21ted1. Acesso em: 7 jul. 2021.
  • TED TALKS: Façamos a revolução na educação. Direção: Sir Ken Robinson. 2010. Disponível em: mod.lk/ed21ted2. Acesso em: 7 jul. 2021.

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