Ler o mundo: A urgência da formação de leitores críticos
Ao criar uma escola que reconhece a potência da leitura como ferramenta de cidadania, gera-se novos futuros possíveis, formando leitores críticos, capazes de compreender o mundo e suas complexidades.
Texto: Damaris Silva

Que tipo de leitor estamos formando em nossas escolas? A pergunta, aparentemente simples, carrega em si um desafio profundo e inadiável. Em um mundo atravessado por múltiplas vozes, discursos e narrativas, ler não é apenas decodificar palavras, mas compreender sentidos, reconhecer intenções, estabelecer relações e, acima de tudo, posicionar-se. Formar leitores críticos é uma tarefa essencial da escola e, mais do que isso, uma missão coletiva que implica pensar práticas pedagógicas e modos de ensinar que conectem leitura e vida.
Quando olhamos para os estudantes que estão ao final da Educação Básica, os resultados mais recentes do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) revelam sinais preocupantes no que tange à aprendizagem em leitura. Na 3ª série do Ensino Médio, a proficiência média caiu de 278,4 (2019) para 275,7 (2023). Hoje, apenas um percentual muito pequeno dos estudantes atinge níveis “adequados”, sendo que 33% dos estudantes estão no nível mais baixo da escala na disciplina.
Esses resultados lançam luz sobre um ponto crucial: a formação de leitores capazes de compreender, interpretar e refletir criticamente sobre diferentes textos é uma dimensão essencial para o desenvolvimento de cidadãos conscientes e participativos.
A Matriz de Referência de Língua Portuguesa do Saeb para o Ensino Médio organiza as habilidades de leitura em tópicos como procedimentos de leitura; implicações do suporte e do gênero; relação entre textos, coerência e coesão; recursos expressivos; e variação linguística. Embora nomeadas por descritores como “inferir uma informação implícita em um texto” (D3) ou “distinguir um fato da opinião relativa a esse fato” (D6), essas habilidades não devem ser tratadas como códigos descontextualizados. Elas são práticas de leitura que precisam ser mobilizadas no cotidiano dos estudantes, dentro e fora da escola, para interpretar o mundo ao seu redor como um ato de compreensão crítica da realidade.
Nesse sentido, a matriz do Saeb, ao demandar que o estudante relacione textos, compreenda intenções comunicativas ou interprete efeitos de sentido, está propondo um leitor ativo, questionador, capaz de identificar posicionamentos, construir argumentos e dialogar com múltiplas perspectivas. O que os resultados nos mostram é que tais habilidades não vêm sendo desenvolvidas ao longo da Educação Básica. Desse modo, o que está em jogo não é apenas o desempenho escolar, mas também a formação de sujeitos que consigam agir com autonomia, discernimento e consciência crítica na vida social.
Por que apostar nos leitores críticos no Ensino Médio? Porque leitores que sabem identificar opinião, tese, conflito ou manipulação construída no texto se tornam cidadãos capazes de refletir sobre discursos políticos, sociais e midiáticos. Porque essa capacidade crítica é elemento central da educação libertadora: o leitor crítico transforma-se em agente de mudança, e não mero receptor. Porque leitores que se encantam com o romance ou o poema desejam ler mais, compreendem o mundo em múltiplas camadas e fortalecem sua autonomia intelectual. E porque práticas pedagógicas que reconhecem a diversidade social e cultural dos estudantes ampliam as possibilidades de que todos possam praticar pensamento crítico a partir de seus contextos e suas vivências.
Para isso, é preciso investir em práticas pedagógicas que articulem a leitura ao contexto dos estudantes. A seleção de textos literários e não literários que dialoguem com temas atuais e relevantes da juventude é essencial: histórias de identidades, territórios e desigualdades podem abrir caminhos para discussões profundas e significativas. Além disso, confrontar reportagens, memes, músicas e poemas permite desenvolver a habilidade de enxergar diferentes olhares sobre o mesmo tema, estimulando a argumentação e o posicionamento. Já o trabalho com variações linguísticas e expressões culturais fortalece a autoestima e aproxima a escola das realidades dos estudantes.
Fica aqui, então, um convite à leitura e à formação de leitores críticos. Ler criticamente é uma prática de liberdade. Formar leitores críticos é formar sujeitos capazes de compreender o mundo em sua complexidade, de questionar estruturas e intervir sobre elas, desenhando novos futuros possíveis. É, portanto, apostar em uma escola que reconhece a potência da leitura como ferramenta de cidadania. Que cada sala de aula seja esse espaço de encontro entre palavra e mundo, entre leitura e ação.
Damaris Silva
É diretora comercial e pedagógica em Soluções Moderna, liderando equipes de vendas, conteúdo, assessoria pedagógica, marketing, tecnologia educacional e atendimento. Desde 2020 escreve a coluna “Transformação”, na Revista Educação, em que aborda diversidade, políticas públicas e gestão educacional.
Para Saber Mais
- FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
- HOOKS, bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. Tradução: Bhuvi Libanio. São Paulo: Elefante, 2020.
- PENNAC, Daniel. Como um romance. Tradução: Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
