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É possível aprender a pensar em que mundo queremos viver

Como ensinar alguém a imaginar futuros possíveis? Por que isso é importante? Quais são as estratégias? Imaginar futuros não é realizar o trabalho de um vidente, mas sim usar a imaginação coletiva para tomar decisões e realizar atos que ajudam a criar o mundo em que desejamos viver.

texto Betina von Staa

Diante de um mundo com desafios cada vez mais complexos, criados pelos seres humanos ou não, e que precisam ser resolvidos, qual é o nosso foco como sociedade? Educar os jovens para serem bem-sucedidos no planeta como o conhecemos? Preparar os jovens para enfrentar qualquer situação, até as mais imprevisíveis, do ponto de vista individual? Ou será que deveríamos ajudá-los a compreender desafios complexos e instrumentalizá-los para que encontrem soluções coletivas para a construção de um mundo melhor, seja lá o que tenha de ser consertado, aprimorado ou criado?

A educação de hoje prepara para um futuro incerto, que inclui o fato de que os desafios a serem enfrentados individual e coletivamente serão desconhecidos. Podemos trabalhar com a certeza de que as soluções tecnológicas e sociais para resolver as situações que nos forem colocadas também serão cada vez mais complexas, e que será cada vez mais necessário trabalhar de maneira colaborativa e multidisciplinar. Sem dúvida, todos — absolutamente todos — terão de continuar aprendendo sempre.

O que é preparar para o futuro?

Preparar para o futuro não é conhecer a última tecnologia, pois ela ficará obsoleta mais rápido do que o tempo que leva para um aluno se formar no Ensino Fundamental, Médio ou Superior; não é conhecer a solução para a dengue ou para a covid-19, pois, quando os jovens estiverem prontos para lidar com os desafios que a saúde nos impõe hoje, já deverão lidar com outras questões nessa área; não é se preparar para as profissões que garantiram subsistência aos seus pais e avós, porque o mundo muda rapidamente e é bem provável que essas profissões não serão mais executadas como antigamente.

Tampouco é prever os fatos que vão acontecer, como um vidente. Não conseguimos saber onde vai ocorrer a próxima enchente; qual doença surgirá; onde estará o nosso próximo emprego; ou quando (e se) vamos nos casar algum dia. Preparar para o futuro não se resume a tentar acertar o melhor investimento na bolsa de valores.  

Mesmo que não seja possível prever situações muito específicas, conseguimos observar que os avanços tecnológicos estão mais rápidos, que o planeta está aquecendo, que novas doenças estão surgindo, que as desigualdades estão aumentando e que as populações estão envelhecendo. Em contrapartida, a humanidade impressiona com a sua capacidade de encontrar soluções para problemas complexos. 

Precisamos desenvolver a capacidade de lidar com a mudança e com o diferente para encarar os desafios que ainda não conhecemos. Isso exige de nós flexibilidade, inteligência emocional e abertura ao novo. Também envolve a capacidade de imaginar futuros bastante desagradáveis e não suprimir esses pensamentos ruins, mas desenvolver estratégias para combatê-los e enfrentá-los a fim de contribuir para a construção de um mundo melhor.

A boa notícia é que essas habilidades podem ser ensinadas e aprendidas, e já existem metodologias com esse objetivo.

O que é a alfabetização para o futuro?

A Unesco cunhou o termo Future’s Literacy, traduzido do inglês como alfabetização para o futuro, ou melhor, “para os futuros possíveis”. Entende-se que prever futuros possíveis é uma habilidade a ser aprendida. Trata-se da capacidade de imaginar o futuro e entender por que esse exercício é importante.

Prever futuros envolve entender a origem de nossas esperanças e dos nossos medos e ampliar nossa capacidade de imaginar diferentes possibilidades de futuros, levando em conta a diversidade que habita o planeta. Consequentemente, está relacionado a compreender o impacto das escolhas que fazemos para pessoas e grupos distintos, não só para nós mesmos e para aqueles com quem nos relacionamos diretamente. Ao colocar em prática essa habilidade imaginativa, desenvolvemos a capacidade de planejamento e de improvisação e de aceitar melhor o que não nos é familiar. Para Duncan Cass-Beggs, conselheiro da Organização de Previsão Estratégica da OCDE, promover o letramento para o futuro é essencial para viabilizar a elaboração de políticas públicas responsáveis. “Você precisa explorar diferentes futuros possíveis para ter os ingredientes para desenvolver políticas responsáveis”, afirma. 

Imaginando futuros a partir de histórias

Você pode apresentar uma ou mais histórias com temática futurista para seus alunos. Use histórias tradicionais e de ficção científica como ponto de partida. Essa atividade ajuda a promover uma visão mais ampla de futuro da humanidade. Depois, em grupos, coordene uma discussão sobre como os alunos se relacionaram com a história, como se sentiram, por que ela é verossímil ou não. É importante que eles escutem uns aos outros e depois criem sua própria visão de futuro.

Imaginando o futuro na sua área de conhecimento

Para o trabalho dentro das áreas de conhecimento, vale separar um tema atual, como a relação com o dinheiro, o meio ambiente, o consumo de energia, os valores democráticos ou a saúde pública, e pedir aos alunos que imaginem como será a situação desse tema no mundo, no país ou na cidade em que moram. Peça a eles que, em grupos, registrem suas ideias e as compartilhem, e depois as classifiquem a partir das seguintes categorias:

  1. futuros que me dão medo;
  2. futuros que me trazem esperança.

Por fim, solicite uma produção de texto individual com
o tema: Qual é o futuro que desejo ajudar a construir?

Imaginando o futuro com base em ações teatrais

Em uma atividade voltada ao desenvolvimento de Projetos de Vida, sugira que os alunos encenem, voluntariamente, um profissional do futuro. Os demais alunos devem interagir de forma improvisada na encenação. Por exemplo, se um aluno assume o papel de um médico
do futuro, outros podem assumir o papel de pacientes.

Após experimentar várias profissões, organize um debate em grupo com perguntas como: 

  • Que tipo de profissional eu desejo ser no futuro?
  • O que pretendo realizar?
  • Como pretendo me relacionar com os outros?
  • O que não desejo para mim – nem para os outros?

Por que é tão importante desenvolver habilidades entre os alunos de hoje? 

Imaginar o futuro diferente do mundo que conhecemos pode ser muito desagradável. Não que o mundo atual seja perfeito, mas a nossa mente tende a evitar o desconforto de enfrentar o desconhecido. Sendo assim, a escola tem o papel de educar nossas mentes para imaginar futuros – tanto os que desejamos com muita esperança, como os que nos dão pânico – e, de fato, entender as consequências dos nossos atos sobre o futuro que nós, nossos filhos e, talvez, nossos netos teremos de enfrentar.

O hábito de imaginar futuros dá significado ao empreendedorismo, ao consumo consciente, à sustentabilidade e às ações de preservação ambiental. Essas habilidades nos capacitam para enfrentar o novo e criar soluções complexas que ainda não foram experimentadas. Vale reforçar a liderança, a comunicação e a colaboração, visto que não será possível enfrentar qualquer desafio futuro de forma individual. As pessoas mais visionárias, aquelas que conseguem imaginar futuros e fazer algo para promover o mundo em que queremos viver ou evitar as tragédias pelas quais não pretendemos passar, precisam desenvolver a capacidade de liderar e de convencer pessoas a atuar de forma colaborativa.

Como a escola pode envolver a família? 

O envolvimento da família na alfabetização para o futuro pode acontecer naturalmente com sugestões de conversas entre os alunos e suas famílias, com o compartilhamento dos trabalhos e reflexões em sala de aula e até mesmo com atividades realizadas na escola em que as famílias sejam convidadas a imaginar futuros e a refletir sobre o mundo em que querem viver e ver seus filhos vivendo, e como construí-los.

Envolver as famílias em atividades e não só por meio de informativos deixará mais clara a importância de os jovens dedicarem tempo a temas subjetivos, que podem parecer pouco práticos ou focados nas necessidades imediatas de obter notas e passar no vestibular. Ao participar de atividades práticas, mesmo em casa com seus filhos, os responsáveis vão sentir que o papel da escola vai muito além das disciplinas. Formar para saber lidar com o que vem pela frente é essencial para a formação individual do jovem e para a nossa sociedade como um todo.

Como incluir alfabetização para o futuro na rotina escolar?

A alfabetização para o futuro pode ser estimulada pelos materiais didáticos e nos planejamentos de aulas em qualquer área do conhecimento. Em todos os conteúdos utilizados, é interessante incluir perguntas pessoais, como “O que VOCÊ faria se…?” ou “Por que VOCÊ acha que esse assunto é importante?”; ou sugerir o diálogo entre alunos em grupos diferentes: “Conte para seus colegas como você se sente em relação às mudanças climáticas, à polarização, ao uso frequente do celular…”; ou, ainda, estimular a  imaginação: “Imagine/desenhe/redija um poema que retrate como você acha que serão as casas, o comércio, o relacionamento, a alimentação das pessoas no futuro”.

Ouvir as reações das turmas a esses questiona-mentos traz ricos elementos norteadores sobre os seus sentimentos, as suas experiências e suas expectativas para o futuro. Imediatamente, os alunos começam a pensar, a entender que suas rotinas podem ser diferentes, que têm responsabilidade sobre seus atos, que são diferentes dos colegas (e que isso é bom). Esse feedback dos alunos é impagável, e é a prova de que esse tipo de abordagem faz toda a diferença no modo como vão lidar com suas próprias vidas e com o mundo que os cerca.

Imaginar futuros é uma atividade extremamente importante em qualquer processo educativo, pois gera motivação para seguir estudando e tentando construir um mundo melhor. Deixar a imaginação fluir e refletir sobre nossos atos gera autonomia, criatividade e resiliência. É ao imaginar como nossos atos têm consequências sobre futuros possíveis para diferentes indivíduos e grupos sociais que entendemos, concretamente, que todos nós estamos criando o mundo em que vivemos e viveremos a cada decisão que tomamos e a cada ação que realizamos.

Por que imaginar futuros é tão importante? 

As escolhas que fazemos hoje têm impacto sobre o mundo em que viveremos amanhã. Segundo o filósofo australiano Roman Krznaric, reconhecido mundialmente como referência em empatia, não podemos tratar o futuro “como um território distante sem pessoas, onde podemos despejar a degradação ecológica, o risco tecnológico, o lixo nuclear e a dívida pública livremente. O futuro não pode ser um espaço para largar tudo o que não nos interessa resolver hoje”.

Pupul Bishit, autora indiana e fundadora da iniciativa Descolonizando o Futuro, defende a importância de lembrar que temos a tendência de imaginar o futuro reproduzindo nossa própria visão de mundo e nossos valores. Essa preferência por nos mantermos em contextos conhecidos (mesmo que imaginários) gera uma visão limitada do futuro que marginaliza as pessoas, as visões de mundo, as ideias e os valores que não cabem em nossos próprios modelos de pensamento. Não podemos deixar a tarefa de imaginar futuros para poucos, ou para os líderes de sempre, ou para pessoas das mesmas classes sociais, gêneros, etnias ou dos mesmos grupos de amigos. É fundamental ampliar a representatividade das pessoas que participam dessa construção para que ela seja rica e diversa como a humanidade. Precisamos dar a todos a oportunidade de responder à pergunta: quais são os futuros que você deseja? Se é para envolver todos nessa prática, temos de desenvolver esse hábito desde o início da escolarização. 

Como formar professores e educadores para ensinar sobre
um futuro que ainda não chegou? 

A alfabetização para o futuro não envolve a previsão do futuro, mas o desenvolvimento da capacidade de todos imaginarem possíveis futuros. De forma alguma espera-se que um educador diga aos alunos como será o futuro. Seu papel é questionar como imaginam o futuro, incentivando que compartilhem seus medos e suas esperanças, e que explicitem em qual futuro eles desejam viver. É com base na troca de ideias entre diferentes indivíduos e grupos sociais que se pode pensar em como criar um mundo no qual queremos viver.

Isso pode ocorrer por meio de perguntas e debates coletivos, mas fica mais interessante ao estimular a imaginação com fotos, poemas, filmes, ou ao solicitar que os próprios alunos registrem suas ideias em diferentes formatos. Podem ser criadas situações de imaginação coletiva sobre qualquer assunto que esteja sendo trabalhado na escola. Se isso for feito regularmente, com diferentes professores, certamente os alunos desenvolverão o hábito de dar margem à sua imaginação e pensar soluções para problemas novos, imprevisíveis, complexos e que afetam diferentes pessoas de diversas maneiras. 

Betina Von Staa 
é doutora em Linguística Aplicada, fundadora da Betina von Staa Consultoria. Gestora de relações B2B para a RoboGarden. Localizadora do programa de formação de professores Star Lessons, da Finlândia. Coordenadora do relatório CensoEAD.BR, da ABED. Participou da criação das coleções didáticas Tecnológica Mente (Arco); TransFor.Me (MacMillan) e English And More (Richmond), aprovadas no PNLD.

Para saber mais

  • LARSEN, N. What Is ‘Futures Literacy’ and Why Is It Important? Disponível em: mod.lk/tend22_1. Acesso em: 20 fev. 2022.
  • DIB, C.; PARENTE, R. Como educar famílias para futuros desafiadores. Recife: Pipa Comunicação, 2021.
  • UNESCO. Global Futures Literacy Design Forum: catalogue of learning-by-doing labs. Paris: Unesco, 2019.
  • UNESCO. Futures Literacy. Disponível em: mod.lk/tend22_3. Acesso em: 20 fev. 2022.
  • WEIGEL, J. Alfabetização para o futuro. Disponível em: mod.lk/tend22_4. Acesso em: 20 fev. 2022.
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