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Experiências na pandemia: propósitos e novos rumos para a escola

Instituições de ensino começam a revisitar sua proposta pedagógica e seu currículo para oferecer experiências formativas condizentes com o futuro que se desenha.

texto  Lara Silbiger

No retorno ao presencial, a oportunidade de viver t que haviam se perdido no ensino híbrido e outras que sequer imaginávamos antes da pandemia, começa a despertar nas escolas um novo olhar sobre si mesmas.

Os aprendizados da comunidade escolar na pandemia, os ganhos, as perdas e, principalmente, as descobertas contribuem para a autorreflexão sobre a instituição que desejam ser nos próximos anos. “Quero voltar a ser como antes? Ou tenho a chance de reformar o espaço, informatizar a escola e repensar percursos formativos? É hora de dialetizar o trauma, integrar e simbolizar”, afirma Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP e psicanalista.    

Questionamentos como esses são, na prática, um convite para as escolas revisitarem os valores que compõem sua identidade, a proposta pedagógica e o currículo. “Neste terceiro ano de pandemia, vale investir mais em pesquisa e em processos evolutivos e questionar o status quo? Continuo no processo passivo ou já tenho um processo estruturado de aprendizagem ativa? Essa é a melhor prática que posso oferecer? Ela reflete a intencionalidade da instituição? A proposta pedagógica permanece a mesma?” — essas são perguntas sugeridas por Eny Muniz, diretora pedagógica da Santillana Educação. 

Diante de tantas perguntas e de um cenário ainda pandêmico, há quem possa se sentir perdido, sem saber por onde começar. “O ponto de partida é o PPP (Projeto Político-Pedagógico), que não deve ser tratado apenas de forma administrativa, mas como um instrumento pedagógico e comunitário”, recomenda Christian. 

Para ele, é fundamental que alunos, pais, professores e funcionários tenham plena ciência do que está escrito no PPP, a fim de contar com ferramentas para discuti-lo e avaliar se ainda os representa. “O PPP é a palavra que deve valer como plataforma de futuro da escola, expressa por seus valores e reflexões”, afirma o professor do Instituto de Psicologia da USP. 

Por isso, é tão importante que gestores deem visibilidade ao documento, promovam mediação constante em torno dele e o coloquem, de fato, no centro da tomada de decisão na escola. “Novos processos de ensino, aprendizagem e avaliação, entre outros, precisam sempre ser intencionais e refletir o pensamento pedagógico da escola”, diz Eny. 

Não menos importante é olhar para o currículo. “Ele jamais pode ser considerado estático. Tem que ser revisado e questionado a partir do avanço acadêmico dos estudantes e das práticas que a escola adota. Deve levar em conta também o desenvolvimento socioemocional deles, além do cognitivo”, explica a diretora pedagógica da Santillana Educação.  

Segundo ela, é um exercício que abre novas possibilidades. “Por exemplo, pensar o conteúdo de forma mais lúdica, criar ambientes diferenciados, valorizar a experimentação e a colaboração e buscar formas mais prazerosas de aprender, criando memórias afetivas e imprimindo significado ao aprendizado.” 

Eny reconhece, porém, que não se trata de um movimento rápido; tudo demandará tempo e atenção por parte da comunidade escolar para identificar as experiências que a pandemia a impediu de viver e outras que foram catalisadas nesse cenário.  

Para conhecer mais de perto como as escolas estão lidando com a nova realidade, confira os depoimentos de quatro gestores que já abraçaram o desafio de repensar suas propostas e práticas pedagógicas.  

Estudamos sozinhos, mas aprendemos juntos

{Ana Cristina Dunker, mantenedora e diretora-geral da Escola Carandá Vivavida, São Paulo, SP}

“Ainda que a pandemia tenha nos mantido afastados, a escola é por excelência um espaço de produção de encontros. É onde ocorre a experiência do coletivo, do compartilhamento. E como já dizia Paulo Freire: o aprendizado se dá nesses encontros.

Para materializar tais conceitos, que estão no cerne da identidade da Carandá Vivavida, idealizamos uma nova sede que fosse o retrato do nosso PPP. A conversa com os arquitetos foi feita pela própria comunidade escolar, em um movimento de pensar juntos a escola que queríamos que virasse concreto.  

O prédio — construído durante a pandemia — conta com um vão central estrategicamente posicionado para funcionar como praça no andar térreo. Todos os demais ambientes da escola levam para esse pátio, que, inspirado nas ágoras da Grécia Antiga, tem o propósito de abrigar os encontros em que se decidirão os rumos da instituição. No caso, uma escola participativa. 

No início de 2022, chegamos todos juntos ao novo prédio e entendemos que o que nos manteve vivos na pandemia foi esse lugar simbólico — muito bem consolidado — do que é a escola. Podemos ter estudado sozinhos, sim, mas aprendemos juntos. 

É nesse contexto que temos revisitado o PPP — nosso grande lastro na pandemia — para ver se ele se reafirma e para onde caminha diante de tudo o que vivemos e dos desafios que estão a caminho. Sua atualização levará em conta o novo espaço, o uso das tecnologias no mundo contemporâneo, o protagonismo dos alunos no aprendizado para orientar a construção do currículo e, claro, a relação com o momento histórico que vivemos. 

A partir daí, surgem duas grandes perguntas: O que perdemos? Como isso se transforma em currículo? Tais reflexões, seguidas de observações e intervenções, já vinham acontecendo de forma contínua. Agora, o que vamos fazer é olhar para estas últimas e colocá-las no currículo — um documento vivo e passível de alterações, acompanhando as mudanças pelas quais nós também passamos na pandemia.”

Em busca do elo perdido

{Sônia Bernardo Pieri, diretora da E. E. Infante Dom Henrique, São Paulo, SP}

Na volta ao presencial, o maior desafio é reconstruir a conexão entre os alunos e a escola. Era nítida a ansiedade deles por retornar, mas agora estão em pleno processo de readaptação aos contatos relacionais — tanto entre eles mesmos como com professores, funcionários, gestores e famílias da comunidade escolar. E, claro, isso ainda precisa ser feito de máscara e respeitando o distanciamento mínimo.  

Cabe destacar também a importância de os estudantes voltarem a enxergar a escola como espaço coletivo de experiências e de recobrar o senso de pertencimento a ela. Isso fica ainda mais desafiador quando se tem em conta os alunos que vêm de longe, de outros bairros, e que mesmo antes da pandemia já tinham dificuldade de se apropriar do espaço. 

Hoje, eles e os demais enfrentam o desafio de voltar para a escola mudados — atravessados pela pandemia, cada qual do seu jeito — e encontrar um ambiente de aprendizado que também está diferente. Por exemplo, mais equipado e digitalizado.  

Entre encontros e desencontros — permeados por rotinas de estudo que se estabeleceram no ensino remoto e que conferiram mais autonomia ao estudante para decidir quando fazer as tarefas escolares, fica evidente a quebra de elos. Apesar de todo o esforço que fizemos para que o aluno não perdesse o contato com a escola. 

Mas o que pode soar como dificuldade nem de longe nos afasta do propósito de restabelecer tudo isso. Para a volta às aulas de 2022, planejamos uma avaliação diagnóstica dos conteúdos que eles, de fato, absorveram desde o início da pandemia. As sondagens, realizadas em todas as séries e disciplinas, contou com rodas de conversa promovidas pelos professores, de forma que pudessem ter subsídios para avaliar a necessidade de ações que ajudem a sanar eventual defasagem.

O próximo passo será revisar o PPP à luz dos aprendizados que a pandemia trouxe e do que precisamos considerar para que ele reconheça a escola como espaço de conhecimento e formação. Não quer dizer que iremos nos transformar em uma nova escola, mas é provável que adotemos um novo jeito de olhar para ela. 

Nesse processo, queremos contar cada vez mais com as famílias, restabelecendo também a relação com elas e conscientizando-as da importância de participar do aprendizado dos filhos. As portas estão abertas para que participem do Conselho de Escola — seja como representantes, seja como ouvintes — e das reuniões de pais e mestres. O mesmo vale para os alunos, cuja participação nos grêmios estudantis favorece a gestão participativa e a valorização da escola como espaço de experiências formativas.”

Chegamos todos juntos ao novo prédio e entendemos que o que nos manteve vivos na pandemia foi esse lugar simbólico – muito bem consolidado – do que é a escola.

Reflexões sobre a nova matriz curricular

{Leandro Lamano, diretor pedagógico da Escola Castanheiras, Santana de Parnaíba, SP}

Os dois últimos anos, marcados pelo ensino remoto, nos impuseram o desafio de ser escola fora da escola. Tivemos de nos distanciar de um jeito de ser e funcionar que nos fez ver a Castanheiras sob outra perspectiva — a de quem se reinventava dentro de casa para entrar virtualmente na casa dos outros. 

Por um período, tivemos de adotar outras formas de trabalhar, de fomentar experiências, de experimentar relações. Não havia uma lógica definitiva e estávamos em busca de novas possibilidades. Como norte, nos apoiamos na identidade da escola, sua história e valores.

Ainda assim, até entender o que não funcionava e o que sim, vivemos um tanto de erros e acertos, provocando uma série de reflexões, novas demandas e movimentos.

Entre eles, está a reafirmação do nosso PPP — construído entre 2017 e 2019 com envolvimento de toda a comunidade
escolar — que tem como tônica a formação de um sujeito que faça a diferença no mundo. Ele permanece absolutamente atual.

Já do ponto de vista curricular, entendemos que efetivar o currículo por competências se faz mais necessário do que nunca. Para tanto, em 2021, iniciamos as discussões com os professores para redesenhar nossa matriz curricular até 2024, com vistas à personalização da aprendizagem — desde o Fundamental II, o aluno terá papel ativo na sua trajetória escolar, podendo definir caminhos curriculares de acordo com os seus interesses; à diversificação de metodologias — menos centradas no professor; e ao enfoque globalizador, com conteúdos e práticas pedagógicas que imprimam para o aluno sentido na aprendizagem. 

Neste ano, a meta é revisitar o que vamos entender por competências, como as propostas pedagógicas contribuem para esse processo e para a construção do produto final, os conteúdos que precisam ser cobertos, os tempos de aula e o volume de aulas por componente.  

Em linha com tudo isso, no retorno ao presencial, já estamos retomando alguns fatores que são estruturantes da nossa proposta pedagógica e que tinham sido inviabilizados no virtual. É o caso das saídas pedagógicas e dos trabalhos em campo, fundamentais para o aluno coletar dados in loco (entrevistas, áudios, materiais, croquis de observação etc.), apropriar-se do contexto, elaborar a compreensão do problema e propor uma solução. 

Isso está diretamente ligado ao nosso objetivo de provocar a comunidade escolar a olhar para o entorno e se questionar: qual é a nossa ação para o mundo?”

A partir desses encontros, um grupo de pais formou o coletivo sementes — famílias em rede, cujo objetivo é criar uma rede de apoio comunitário às famílias da escola.

De portas abertas para as famílias

{Maria Claudia Poletto, diretora-geral do Colégio Rainha da Paz, São Paulo, SP}

A pandemia pegou todas as escolas de surpresa. Não tivemos outra alternativa a não ser nos abrir para novas experiências e aprendizados — alguns, a duras penas. Nesse percurso, sempre nos perguntávamos o que levar do presencial para o remoto, de forma a nos manter coerentes com a prática pedagógica do colégio. 

Agora, nos vemos fazendo o caminho inverso e perguntando o que trazer do remoto para o presencial. E uma das respostas é o diálogo que se abriu com a comunidade escolar.  

No início da pandemia, os pais trouxeram críticas contundentes e pertinentes para a escola, o que nos levou a ampliar os canais de comunicação e também as possibilidades de participarem mais ativamente da nova rotina do colégio.  

Um exemplo foi a comissão especial criada em 2020 — e formada por gestores, professores e pais (de tantos inscritos, tivemos de fazer um sorteio para definir os representantes) — para discutir como seria a volta ao presencial. Ao todo, foram seis encontros remotos, com facilitação, de modo que todos pudessem pensar juntos sobre o contexto e os aspectos positivos e negativos do retorno. O resultado foi uma carta de recomendação, que destacou a importância do acolhimento, do reaprender a se relacionar no coletivo e do respeito aos protocolos sanitários.

Para manter o diálogo vivo, no ano seguinte, iniciamos o Café com a Direção. Em rodas de conversa quinzenais e virtuais, os pais do Infantil ao Ensino Médio levavam diferentes temas para conversar com os gestores — por exemplo, depressão na adolescência, dúvidas sobre acompanhar ou não o filho nas aulas on-line e acerca de protocolos de saúde, programa de filantropia do colégio, entre outros. O plano para 2022 é reestruturar o Café com a Direção para ter rodas presenciais de conversa a cada trimestre.  

Foi também a partir desses encontros que um grupo de pais formou o coletivo Sementes — Famílias em Rede, cujo objetivo é criar uma rede de apoio comunitário às famílias da escola. Por exemplo, no acolhimento de quem está chegando à escola pela primeira vez, na arrecadação de fundos para fins beneficentes, nas trocas de uniformes e de livros, entre outros. 

Mas a participação da comunidade no dia a dia do colégio não é novidade no Rainha da Paz. Desde 2017, quando começamos a rever nosso PPP, demos um passo significativo para a gestão participativa ao promover um espaço de escuta de professores e de pais. Com a chegada da pandemia, o envolvimento dos alunos teve de ser adiado. Em 2021, só após a escuta deles no presencial o projeto foi finalmente concluído e publicado. Agora, estamos no momento de viver o PPP, buscando — em tudo o que fazemos — a coerência com o que escrevemos no papel.”


Para saber mais

  • GHANEM, E. (Coord.). Mudança educacional, inovação e reforma: relatório científico 2 final. v. 1. São Paulo: s.ed., 2006. 194 p.
  • LOPES, A. C.; MACEDO, E. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
  • MOREIRA, A. F. B. (Org.). Currículo: questões atuais. São Paulo: Papirus Editora, 2014.
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