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Convite para uma educação fora da caixa

O empreendedor Alex Bretas vem se tornando cada vez mais conhecido por sua defesa das comunidades de aprendizagem autodirigida. Nesta entrevista, ele explica o que são esses movimentos e como a escola acaba por tolher, no aluno, as iniciativas de autodireção do processo de descoberta.

texto Paulo de Camargo

O início da vida escolar do empreendedor Alex Bretas até que foi convencional. Natural de Governador Valadares (MG), estudou em um colégio tradicional católico, como aluno de sua própria mãe. Nascido em uma família em que as mulheres eram professoras, acostumou-se a ouvir reclamações características dos educadores sobre a indisciplina, o excesso de trabalho e outros temas de sala aula – e talvez tenha sido plantada aí uma semente para suas ideias futuras. Na época da faculdade, Bretas mudou-se para Belo Horizonte, onde cursou a Fundação João Pinheiro, que lhe daria acesso direto a um cargo de gestão pública. Terminou o curso, começou a trabalhar e… a vida de aprendizado convencional de Alex Bretas parou aí.

Veio para São Paulo, e até pensou em seguir os caminhos tradicionais, como ingressar no mestrado e no doutorado. Desistiu, quando viu que não era aquilo que queria. Em seguida, ganhando a vida como consultor e facilitador de grupos, tomou uma decisão radical. Em 2014, decidiu parar tudo para estudar. Abriu uma campanha de financiamento na internet, conseguiu arrecadar 16 mil reais, e foi fazer o que queria — ler, estudar, pesquisar, entrevistar pessoas, viajar para conhecer experiências inovadoras.

Desde então, iniciou uma jornada que lhe rendeu milhares de seguidores, em um caminho, no mínimo, muito pessoal – o da experiência da aprendizagem autodirigida, campo do qual se tornou um dos principais representantes no Brasil.

Da experiência nasceram dois de seus primeiros livros: Kit Educação fora da caixa e Doutorado Informal, nome que emprestou do amigo jornalista André Gravatá.

Em síntese, estava iniciada a construção de um movimento que convida pessoas comuns, como eu e você, a fazerem algo tão óbvio quanto desafiador: aprender, por si mesmas, com método e a profundidade escolhida, aquilo que bem entenderem, no tempo que desejarem — com consistência. 

Desde então, Bretas envolveu-se em diferentes projetos: dedicou-se a escrever, tornou-se um conferencista TEDx, criou, em 2020, o MoL Academy, curso que está em sua terceira edição, pelo qual já passaram centenas de alunos, tudo isso para se formar no que ele chama de arquitetura de aprendizagem autodirigida, multiplicando o sonho ao qual se dedicou. Para falar sobre o que essa experiência de aprendizagem autodirigida tem a dizer para a educação escolar formal, Alex Bretas recebeu a Educatrix para a seguinte entrevista. 

Educatrix Vamos começar por uma abordagem que é um dos temas centrais desta edição — a experiência do usuário, neste caso, a experiência do aluno, do aprendiz. Como você interliga o que faz com essa ideia?

Bretas Acho que o que fazemos está totalmente conectado com a ideia de experiência. Há um texto do autor catalão Jorge Larossa que, para mim, define bem o tema. É um texto pequeno, mas profundo. Lá, tem uma frase que me pegou: “experiência não é o que acontece, o que toca, o que afeta. É o que acontece a você; o que toca você; o que afeta você”. Isso é maravilhoso. Quando você aprende de forma autodirigida, aprende desse ponto de partida, liga a chavinha da descoberta. Existe uma distinção grande entre aprender sendo instruído pelo outro — e tudo bem, isso tem seu lugar, é importante — e o aprendizado pela descoberta, pelo empírico, tão natural desde o nosso nascimento. Aprender pela descoberta é uma experiência emocional profunda para nós, seres humanos. A biologia nos recompensa, pois nosso corpo foi configurado para fazer isso. 

Educatrix Como assim, a biologia nos recompensa?

Bretas Eu gosto de estudar sobre a química do cérebro. Entre os quatro principais neurotransmissores, três deles, relacionados com nosso bem-estar, nosso prazer, nosso desejo, são ativados quando aprendemos de forma autodirigida. Ocitocina é um neurotransmissor liberado quando você se sente pertencente, quando sente que faz parte de algo, quando se sente cuidado e quando cuida do outro. No aprendizado autodirigido isso acontece. A descarga de serotonina tem a ver com você se sentir especial, uma pessoa valorizada pelo que é, autêntica.
A aprendizagem autodirigida é o caminho da autenticidade, um aprendizado profundamente criativo. Você está criando o seu caminho, provavelmente ele vai ser único. A dopamina regula o desejo. Mais do que o prazer, ela tem a ver com o sistema de recompensa de quando deseja algo. Não é liberada apenas quando você está comendo o brigadeiro, mas principalmente quando o está desejando. O aprendizado heterodirigido, quando outra pessoa está coagindo, controlando, obrigando alguém a aprender, é um aprendizado que suprime o desejo. Ninguém lhe perguntou se era o que queria. O desejo precisa de espaço, tempo, ócio, tédio para germinar, e não temos espaço para isso no modelo escolarizado tradicional. Para mim, estas três substâncias estão conectadas com a visão de experiência: o que toca você, o que o afeta, o que acontece com você. O caminho da autodireção do aprendizado nos remunera biologicamente com substâncias que dizem respeito à fruição da vida.

Educatrix Vamos entender melhor o que é a aprendizagem autodirigida. Para conhecer o que você faz, podemos começar pelo seu MoL Academy.

Bretas O MoL Academy é uma comunidade de aprendizagem autodirigida que criei, no começo da pandemia. É um programa com início, meio e fim. Acontece em ambiente on-line, no formato de uma comunidade. Tem sido uma experiência muito legal. O MoL congrega pessoas que, de algum modo, já têm uma pegada autodidata, são inquietas em relação ao seu aprendizado, talvez nunca tenham se encaixado bem nas estruturas tradicionais. Vêm para o MoL pessoas que querem empreender sua aprendizagem de outra forma. Só que o dilema do autodidata é que ele gosta muito de fazer tudo do jeito dele, mas se sente muito só nesse percurso. Ele se pergunta com quem pode trocar, quem vai apoiá-lo no processo…

Educatrix Fala-se muito hoje na importância do aprendizado coletivo, na troca com o outro. Dessa forma, o estudo autodirigido também acontece em comunidade?

Bretas O autodirigido não é um solitário, pode buscar apoio, pode buscar mediações, conversações e múltiplos referenciais. A comunidade entra nesse aspecto. Assim, conseguimos preservar duas polaridades importantes. Por um lado, o MoL potencializa a autonomia do aprendiz, ou seja, ele não só escolhe em um cardápio disponível o que vai fazer para aprender, como cria o próprio processo. De outro, acontece tudo em comunidade, ele consegue se sentir visto, legitimado nessa busca. Nosso lema é: se joga que aqui tem rede. Dizemos: vai fundo, cara, para se aprofundar nas paradas que você curte. Mas saiba que, uma vez fazendo isso, aqui tem rede. Se você precisar de qualquer coisa, se quiser compartilhar o seu processo com a gente, se tiver dificuldades, vai ter aqui um oceano de apoio e de pessoas ao seu lado. 

Educatrix O MoL então é reflexo de todas as suas pesquisas anteriores sobre formas de aprendizagem autodirigida, correto?

Bretas Pode-se dizer que é o suprassumo do que eu faço e reflete a minha concepção de aprendizado. Eu batizei esse conceito de comunidade de “aprendizado autodirigido”, mas é importante dizer que isso já tem acontecido muito, com diferentes nomes. Uma escola democrática funciona como uma comunidade de aprendizagem autodirigida, assim como uma universidade livre e famílias que se juntam e se apoiam para desescolarizar os filhos, também. Esse padrão se repete em muitos lugares e organizações, e entendo que deveria ser a norma de nosso sistema educacional.

Educatrix Ouvindo sua fala, é perceptível que você também passou por autores da pedagogia. Como é o seu diálogo com o mundo dos pedagogos?

Bretas É difícil, porque a pedagogia é um campo ainda um pouco resistente a essas ideias. A autodireção colide com crenças muito arraigadas. Há um filósofo e pedagogo francês do século XIX, Joseph Jacotot — na verdade, mais um antipedagogo —, que dizia que toda pessoa é capaz de ensinar a si mesma. Ele criticava a lógica da explicação das escolas, baseada na premissa de que o aluno sempre precisará de um mediador para fazer a ponte com o objeto de conhecimento, com o mundo. Quase todos os espaços pedagógicos têm esse papel institucionalizado, e o recado que está sendo mandando é: você não é capaz de aprender de maneira autodirigida. Por isso, o que penso colide de maneira frontal com algumas crenças da pedagogia convencional. Mas existem alguns autores de referência, como Yaacov Hecht, da aprendizagem pluralista, o Ivan Illich (Sociedade sem escolas). São autores centrais, mas em faculdades de pedagogia são estudados de uma perspectiva muito crítica, se é que são estudados. Mas quem realmente leu Paulo Freire sabe que ele tem uma compreensão muito libertária do processo educacional. 

Eu gosto de estudar a química do cérebro. Entre os quatro principais neurotransmissores, três deles, relacionados com nosso bem-estar, nosso prazer, nosso desejo, são ativados quando aprendemos de forma autodirigida.

Alex Bretas

Educatrix E como esses autores ajudaram você a pensar a escola?

Bretas Se partir de uma compreensão freireana, ampliando o olhar dele, entendo que no sistema convencional escolarizado também existem opressores e oprimidos. E a opressão que se coloca ali é sobretudo epistemológica: da imposição de um saber específico, que também é imposição de uma cultura. Não somente somos introjetados por conteúdos alheios à nossa vontade, mas de uma certa forma de fazer as coisas, de pensar, de sentir. Isso entra na gente e depois, para tirar, é trabalho de uma vida inteira. No ano passado lancei um livro chamado Crenças escolarizantes, com frases sobre ideias que o sistema contribuiu para introjetar na gente. Tipo: “Eu só consigo aprender se for ensinado”.  Veja, não sou contra as escolas, não quero destruir as escolas. Como equipamento social, cultural, as escolas são muito importantes. Mas, não precisamos ser maniqueístas. Tem jeito de defender a escola e criticar radicalmente o que acontecer nela. Fico indignado porque há milhares de experiências importantes hoje no mundo, cada uma delas com características interessantes, próximas, advogando mais ou menos explicitamente a aprendizagem autodirigida. Precisamos nos inspirar nessas iniciativas e recriar o que acontece na escola. 

Educatrix O que você propõe vai além de reformar o ensino?

Bretas Há muitas tentativas de reformar a educação, como as metodologias ativas, as mudanças curriculares, como a própria BNCC.  Acho que a gente precisa de uma conversa mais profunda. A pergunta é: qual é o propósito disso aqui? Na educação básica, existem essas conversas de reformas. Veja, por exemplo, as referências da Unesco. Quando se chega na fase adulta, no mundo organizacional, fala-se muito hoje em lifelong learning (aprendizagem para a vida inteira). Existem os paradigmas do aprender a ser, conviver… Poxa, mas se esse é o ideal, se é aonde a gente quer chegar, o que a gente está fazendo na educação básica está tudo errado. 

Educatrix Há pessoas que conseguem cumprir esses objetivos?

Bretas Se queremos formar aprendizes ao longo da vida, pessoas capazes de cultivar relações, ativas politicamente, já tem gente fazendo isso. No final do livro Doutorado informal, entrevistei o canadense David Marshak, diretor do Self Design Graduate Institute, altamente não convencional. Ele disse que há um conjunto de características nítidas entre pessoas que passaram por experiências de aprendizagem não convencional, existentes há muito tempo, como é o caso de Summer Hill, na Inglaterra. São gerações que talvez nunca tenham sido obrigadas a aprender em sistemas de punição e recompensa. Essas pessoas têm maior nível de participação comunitária e política, estão mais preocupadas com seu entorno, são mais altruístas, querem contribuir mais com a sociedade, o planeta, têm capacidade crítica elevada, forte senso de autonomia, não vão se contentar com contexto de vida insatisfatório. Esse é o ponto pra mim. Está muito nítido que não devemos continuar fazendo o que está sendo feito. Não é um jogo, uma metodologia ativa que vai resolver.

Educatrix Por falar em metodologias, você desenvolveu um conjunto de recursos de aprendizagem para o trabalho que elas propõem?

Bretas Sim, para mim não é um problema desenvolver métodos, técnicas, abordagens, e compartilhar abertamente. Gosto muito de compartilhar, desde a minha campanha de financiamento coletivo. Com isso, consigo produzir melhor. Se eu não mostro nada do que faço — como o escritor que leva três anos para fazer o livro —, é fácil deixar na gaveta. Mas se você está ali, em interação constante com pessoas, isso não ocorre. No início, ninguém me seguia, hoje há quem espere para ler um texto meu. Existe um termo do mundo corporativo, que é o working out loud (trabalhando em voz alta), que eu adaptei para learning out loud, ou seja, aprendendo e compartilhando. Isso é benéfico em muitos níveis.

Educatrix Por desconhecimento, as pessoas podem pensar na educação autodirigida como algo mais espontaneísta, mas é mais complexo do que isso, não é?

Bretas Educação autodirigida não significa ausência de método, de técnicas, assim como não significa você fazer tudo por sua conta. Essa é uma das principais dúvidas: “por que eu vou aprender uma coisa que o Alex oferece se ele está falando de aprendizagem autodirigida? Isso faço eu mesmo”. Bem, o que acontece é que muitas vezes a pessoa não faz, ou faz sem a potência que deveria ter. Por que as pessoas vão a uma academia? Podemos fazer exercícios na rua, em casa, mas por que vamos a um local específico? Por que alguém contrata um personal trainer? Porque quer o apoio, o comprometimento, a personalização. Quer criar uma relação. O ser humano é focado em cultivar relacionamentos. O aspecto da comunidade ajuda nesse sentido, e aí há uma série de métodos, uma série de convites. Tenho também uma boa pesquisa em torno do tema convite, e precisamos resgatar muito isso em educação. O poder do convite, por uma pedagogia do convite. 

Educatrix E como seria essa pedagogia do convite?

Bretas Eu diferencio entre convocações, convites genuínos e convites constrangedores. Imposições, obrigatoriedades, convocações, está bem claro o que são. Se não fizer, vai acontecer alguma coisa ruim. Você está sendo coagido. Vai ter uma consequência negativa ou uma recompensa. Ou seja, você não se vê com escolha. Convite genuíno é como se eu falasse: “Você quer participar de um encontro do MoL, você topa? Acho legal por isso e aquilo. Você me responde: “sim, ótimo” ou “não tenho vontade”. Isso não gera nenhum problema em nossa relação. Agora, muito de nossa educação na escola, na universidade, nas empresas, é baseado no convite constrangedor. Nas empresas, quando há algum tipo de treinamento, aparece um e-mail com uma convocação. Pode não ir? Pode, mas vai ficar ruim… pode depois haver um feedback negativo no ciclo de avaliação, e vão dizer que você não está se desenvolvendo, não veste a camisa da empresa, ou seja, vão usar uma série de termos para dizer que a pessoa não está performando direito e ali vem uma ameaça implícita de ser demitido ou não conseguir promoções. Isso é um convite constrangedor. A sociedade está cheia deles, isso é uma erva-daninha na forma como nos relacionamos.

Educatrix Você disse que o MoL foca agora na formação de uma arquitetura da aprendizagem autodirigida. O que isso quer dizer?

bretas Chamo de arquiteturas as estratégias de que qualquer pessoa pode lançar mão para criar contextos de interação, favorecendo a aprendizagem autodirigida. Fui observando os projetos inovadores com foco em autodireção, e vendo que existiam alguns padrões. Chamo a uma delas, por exemplo, de Pedidos e Ofertas. Diz respeito a qualquer dispositivo digital, analógico, físico para facilitar e mapear o que se pede ou o que se pode oferecer para uma comunidade de aprendizagem. Podemos fazer isso no recorte de duas horas, em um evento, no espaço de uma semana ou em um contexto contínuo. Usamos a lei dos dois pés: se você não sente que está aprendendo ou contribuindo, se não está bem em qualquer um desses espaços, use os dois pés para ir para outro lugar. As pessoas são livres para transitar. O paradigma é a confiança, inclusive com as crianças. Você confia radicalmente que as pessoas são capazes de decidir, por si mesmas, o que querem fazer, a que dedicar seu tempo, e que sua decisão expressa, o que ela dá conta de fazer naquele momento. 

Educatrix O que fazer quando as pessoas acham que não são disciplinadas o suficiente para estudar sozinhas?

Bretas A autodisciplina é uma capacidade que qualquer pessoa pode desenvolver. Uma das principais crenças escolarizantes é que fomos acostumados a confundir disciplina com obediência, e isso dá um problema. No modelo escolarizado, não só o da escola, mas em todas as organizações, nós não abrimos espaço para a pessoa buscar a sua própria autodisciplina. Porque ela não tem espaço de escolha, de criação, de tentar e não ser capaz. Não damos a ela o direito de cair. Então, se ela faz algo é porque está sendo cobrada, coagida. Isso se repete por muitos anos e vamos perdendo essa musculatura. A autogestão, sua capacidade de se gerir como ser no mundo, não se desenvolve e acaba atrofiando. Só se aprende a tomar decisões, decidindo. Quando você permite, cria espaço, cria condições, não interfere ou interfere o mínimo possível, a pessoa vai tropeçar, pode perder o interesse ou retomar de onde parou, e de qualquer maneira está tudo bem… Isso leva ao desenvolvimento da autodisciplina. Só que vamos tolhendo a capacidade durante anos a fio. A escola diz: fulano, você não é disciplinado. Na verdade, quer dizer: você não é obediente. A sua autodisciplina foi roubada por uma cultura muito heterodirigida. É muito cruel, e a gente se acostuma.

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