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Unidos pela educação, cada um em sua casa!

A educadora Lilian Bacich mostra caminhos para deixar as próximas semanas menos traumáticas, e até motivadoras, para as crianças e jovens em quarentena.

Por Ricardo Prado

A irrupção da pandemia do coronavírus pegou educadores, escolas e estudantes de surpresa. Sem aviso prévio, a expansão do vírus pelo planeta desde o final de 2019, em uma velocidade de propagação até então inédita, obrigou os sistemas de ensino a dispensarem suas turmas massivamente, como forma de minimizar a expansão da epidemia. Tal como já aconteceu em diversos países do mundo, também no Brasil as redes públicas e privadas de ensino de todos os níveis se encontram atualmente pulverizadas em milhares de residências. Todos recolhidos em suas casas, como permanecer estudando e avançar na aprendizagem sem perder o ritmo, nem a sensação de pertencimento a um determinado grupo? Para o professor que até agora esteve pouco habituado às tecnologias de comunicação e informação, este pode ser um período especialmente desafiador. E, além das questões de conteúdo, diversos sentimentos de incerteza afloraram com a pandemia.

Em busca de indicações de aplicativos e orientações sobre como manter a turma motivada, Educatrix entrevistou a educadora e autora de materiais didáticos Lilian Bacich, especializada em metodologias ativas e coordenadora do curso de pós-graduação nessa especialidade no Instituto Singularidades, sobre as ferramentas proporcionadas pelo ensino híbrido – ou seja, a modalidade que usa, de forma complementar ao ensino presencial, as ferramentas digitais de aprendizagem e as plataformas de compartilhamento de conteúdos.

EDUCATRIX A súbita interrupção das aulas pode ser vista como uma janela de oportunidades para aqueles professores até agora distantes das tecnologias digitais de aprendizagem?

LILIAN BACICH Acho que sim. A gente precisa tirar algum lado positivo do que está acontecendo, por mais trágico que essa pandemia possa ser. E esse lado positivo pode ser o de que, dessa vez, as pessoas consigam entender melhor o potencial do digital. Quando houve a pandemia do H1N1, em 2009, eu trabalhava como coordenadora pedagógica em uma escola particular e precisamos suspender as aulas por uns tempos. Naquela época, a gente só conseguia entregar para as famílias uma série de arquivos em word e alguns em PDF, que nada mais eram que uma lista de exercícios. E muitos pais passavam na escola para pegar a lição impressa; ou seja, tudo permanecia analógico, não digital. Hoje, com o que temos de ferramentas disponíveis, conseguimos oferecer coisas muito melhores.

EDUCATRIX E quais seriam os papéis da família e da escola nesse momento tão atípico da educação no país?

LILIAN BACICH As famílias não precisam se preocupar em dar aulas para seus filhos porque os alunos já dão conta de fazer muita coisa no meio digital. O que as escolas podem oferecer, no caso daquelas cujos alunos tenham possibilidade de acesso à internet em suas casas, são situações de aprendizagem que podem até ser mais mobilizadoras do que as ações costumeiras na sala de aula. Tais como produzirem um vídeo, ou um material com um conteúdo específico a partir de algumas indicações do professor, ou criarem mapas conceituais, ou ainda salas virtuais para discussão, de forma que, dessa vez, a aprendizagem pelo ambiente virtual possa acontecer.

O potencial que essa situação nova traz é o de mostrar para a comunidade escolar que o ambiente digital traz muitas oportunidades de aprendizagem, às vezes mais estimulantes até do que o formato tradicional. O ideal seria aproveitar esse período não para sobrecarregar os alunos com lições, mas para que eles consigam aproveitar essa imersão no digital para exercitarem a criatividade, a colaboração online, a comunicação etc.

EDUCATRIX Quais seriam algumas ferramentas boas, e básicas, para aquele docente até então pouco habituado ao ambiente virtual?

LILIAN BACICH Diversos recursos estão agora disponíveis para uso gratuito, diante dessa situação emergencial. Há, por exemplo, o Google Meet, que é um hangout (plataforma de comunicação) que tem bastante estabilidade de conexão e permite um número grande de participantes. Antes era restrita a empresas e assinantes e está com uso liberado nos próximos meses. Há também o Zoom, o Whereby, o Skype, que são todas plataformas de fácil acesso.

Outro recurso interessante é o da WebQuest. Há, por exemplo, uma plataforma gratuita de aprendizagem coletiva chamada WebQuest Fácil, que não é nova e cabe perfeitamente nesses tempos de agora. Na WebQuest, o professor propõe uma tarefa aos alunos e faz uma curadoria dos sites em que a turma irá pesquisar. Ele cria um passo a passo, como em uma aula presencial, e a curadoria de sites vai facilitar o retorno da atividade, pois dessa forma o professor não precisa ficar checando se as informações provêm de sites confiáveis, pois ele já fez essa pesquisa previamente. A partir disso, os alunos podem criar um cartaz, um vídeo, ou qualquer outra forma de produção, que não necessariamente precisa ser digital: pode ser um desenho, por exemplo, que depois os alunos sobem para a plataforma.

EDUCATRIX A WebQuest é um recurso bastante acessível, então?

LILIAN BACICH O formato da WebQuest é possível de se criar até em um PowerPoint. É só seguir os seguintes passos: criar uma tarefa ou um desafio, fazer uma curadoria de sites para pesquisa e avaliar a partir do que foi pesquisado previamente pelo professor. Muitas vezes, professores que têm mais dificuldade com tecnologia se viram muito bem ao se depararem com o desafio de criar propostas pedagógicas. E ele pode ficar tranquilo que os alunos vão descobrir as melhores formas para produzirem seus trabalhos, porque eles têm mais condições de fazer isso do que o próprio professor. Tudo o que o professor precisa é criar uma tarefa estimulante para a turma.

EDUCATRIX A Sra. poderia dar um exemplo de como conduzir uma aula virtualmente?

LILIAN BACICH Fiz uma aula online na segunda-feira à noite com meus alunos da pós-graduação. Em vez de preparar uma videoaula, resolvi propor algo mais voltado à proposta do curso, que é justamente sobre o uso de metodologias ativas. Tenho 50 alunos nessa turma e 48 deles se conectaram naquela noite, o que achei uma presença excelente. Fiz a primeira parte expositiva, que durou uns 40 minutos, mostrando meus slides para eles usando o Google Meet; isso também pode funcionar com qualquer PowerPoint que o professor tenha preparado. Depois, pedi para que eles se organizassem em sete grupos, e que cada grupo pegasse um dos desafios propostos e produzisse um vídeo, no período que restava da aula. Disponibilizei um espaço na Flipgrid [plataforma para postar vídeos criada pela Microsoft] para a postagem dos vídeos e, aí, meus alunos ficaram durante uma hora e meia trabalhando entre eles. Montaram seus próprios grupos, alguns hangouts abriram só para texto, outros também usaram voz ou vídeo para se comunicarem. Depois de discutirem o texto que embasava aquela aula, eles dividiram as tarefas entre eles: alguém cuidou mais dos aspectos tecnológicos da produção do vídeo, outro, do roteiro, outro era o gestor do tempo, outro, o narrador, e em pouco tempo cada grupo estava postando seu vídeo. Ou seja, para além do conteúdo específico da aula, houve também um exercício de colaboração entre os alunos. O mais difícil é romper a resistência, a barreira da motivação.

Foto Lilian Bacich

EDUCATRIX Um grande desafio no ensino à distância é lidar com a dispersão natural da atenção dos alunos. As aulas devem ter a mesma duração ou é melhor deixá-las mais curtas?

LILIAN BACICH Um ponto importante é o professor, se houver possibilidade de conexão, é importante estabelecer alguns momentos síncronos, ou seja, em que a turma toda esteja conectada a ele. Então, por meia hora, por exemplo, o professor conversa com seus alunos. Isso é fundamental para que a sensação de pertencimento a uma turma não se perca. Quando todos se encontram apenas assincronamente, corre-se esse risco. A escola pode controlar o acesso, mas se perde a sensação do grupo. Com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, às vezes, há o coordenador de turma, ou de disciplina, que pode fazer uma ação importante no sentido de criar esses momentos de conexão, em que todos possam se encontrar, compartilhar as dificuldades e as escolhas na execução das propostas.

Quanto à duração da aula, não adianta criar vídeos de 50 minutos para suprir uma aula dessa mesma duração. Há dados de vídeos postados na internet que mostram que as pessoas permanecem, em média, por 5 ou 10 minutos no máximo diante de um vídeo. É importante que o professor entenda isso, até mesmo quando enviar vídeos não necessariamente produzidos por ele. Todos devem ser curtos.

EDUCATRIX Caso o professor não se sinta à vontade para gravar uma videoaula, ele pode optar por enviar algum vídeo relativo ao conteúdo que deseja trabalhar, é isso?

LILIAN BACICH Sim. Há, por exemplo, o Youtube Edu, que é uma plataforma de vídeos educacionais. As videoaulas que estão nessa plataforma foram analisadas por profissionais da educação bem reconhecidos, que confirmam que nos materiais disponibilizados pela plataforma não há erros conceituais nem factuais. Essa pode ser a saída para aquele professor que não tem conhecimento suficiente para produzir suas próprias videoaulas. Mas, lembrando: é importante que sejam vídeos de curta duração.

EDUCATRIX Mesmo assim, a dispersão em um ambiente fora da escola pode ser bem tentadora para um adolescente em casa, não?


LILIAN BACICH Sim, mas para ajudar os alunos também já existem alguns aplicativos, como o método Pomodoro, que é uma espécie de agenda digital gratuita, onde o aluno pode programar o tempo em que vai estudar, e o aplicativo anuncia quando o tempo de estudo ou de pausa se encerra. Ele vai dando esses avisos e você pode personalizar o conteúdo, definindo a cada dia o que estudar. Tem gente que não gosta, mas para outros esse aplicativo funciona; pra mim, por exemplo.

EDUCATRIX Situações de aprendizagem coletiva, como os trabalhos em grupo ou a metodologia de projetos, podem ficar comprometidas quando feitas de modo fragmentado, com cada integrante em sua casa?

LILIAN BACICH As escolas que têm um viés mais “conteudista”, que exploram menos propostas por meio de projetos, que é um tipo de ação que engaja muito mais os alunos, mas que também dá mais trabalho para o professor, tendem a usar mais videoaulas no ambiente virtual, o que, em si não é nenhum problema porque os alunos que estão matriculados ali entendem que esse é o perfil da escola. Mas se eles puderem promover essa investigação, o olhar curioso, por meio de atividades mais motivadoras, de forma que o digital surja como uma possibilidade de se aprender de forma diferente, talvez além dos muros da escola, será bem melhor.

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