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A hora e a vez do steam na sala de aula

Projetos inovadores e em grupo vão além de investimentos: são uma mudança de atitude.

Texto Débora Garofalo

A metodologia steam (do inglês Science, Technology, Engineering, Arts e Mathematics) foi criada nos Estados Unidos na década de 90, a partir de pesquisas e avaliações que registravam um desinteresse dos alunos pelas ciências exatas. A metodologia ou abordagem pedagógica, baseada em projetos, integra áreas e tem por objetivo formar pessoas com diversos conhecimentos e diferentes habilidades. Por isso, casa perfeitamente com as exigências da Base Nacional Comum Curricular (bncc), ao desenvolver competências e habilidades socioemocionais que preparam os alunos para os desafios futuros. 

As atividades guiadas na metodologia steam permitem resolver problemas ao conectar ideias que parecem desconectadas, ajudando a “pensar fora da caixa”, beneficiando o aprendizado interdisciplinar e trazendo os estudantes para o centro do processo cognitivo. O professor atua como responsável pela mediação e apoio às equipes, exercendo a colaboração para que a turma aprenda durante todo o processo de forma integrada e coletiva.

A adoção do steam prevê um conjunto de conhecimentos técnicos essenciais para despertar a criatividade, a empatia, o humanismo e o desenvolvimento de tendências como o pensamento computacional e a cultura maker. Nas escolas brasileiras, o steam tem potencial transformador ao aumentar o protagonismo do aluno, incentivar a inovação e a colaboração, fortalecendo o processo de ensino e aprendizado. Segundo os dados do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (pisa), 2015, entre os 70 participantes, o Brasil é o 63o colocado em Ciências e o 66o em Matemática, sendo emergencial que sejam revistos o processo de aprendizagem e as práticas docentes para reverter essa situação.

A chave para o sucesso de uma educação inovadora é criar um ambiente que permita a participação dos atores envolvidos, para que conheçam e que contribuam, dando-lhes a sensação de pertencimento e autoria. Não existe um modelo pronto para aplicar e a mudança de atitude deve partir de todos para alcançar uma aprendizagem significativa e envolvente, quebrando velhos paradigmas e ambientes pouco propícios.

As diferenças entre steam e stem

Além da diferença na nomenclatura — pela inclusão de Arte, que tem a concepção de melhorar o desempenho escolar, o senso estético e crítico, tornando a lógica matemática mais humana —, podemos dizer que o termo stem trata de como fazer e o steam incentiva a descoberta do porquê realizar em cinco etapas: 1 Investigar; 2 Descobrir;
3 Conectar; 4 Criar; 5 Refletir.

Ambas metodologias permitem aos alunos vivenciar e experienciar o pensamento científico e crítico de maneira interpretativa e reflexiva, por meio da ludicidade e ou projetos interdisciplinares que podem ser aplicados desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, em todas áreas do conhecimento.

A importância do steam no contexto escolar

O steam, em consonância com a bncc, tem foco no desenvolvimento de habilidades essenciais ao século xxi. As atividades baseadas na metodologia devem ser planejadas para que os alunos se sintam desafiados e trabalhem de forma colaborativa, compreendendo o seu projeto e buscando alcançar conhecimentos e habilidades de forma interativa e autônoma. Dessa forma, o steam dialoga e facilita o desenvolvimento das 10 competências da bncc.

A abordagem steam favorece a aprendizagem por experimentação por meio de metodologias ativas, em que o aluno tem a oportunidade de lidar com situações e problemas de forma criativa, sem perder o foco investigativo. O ambiente é fundamental e deve ser inspirador e facilitador, porém, não é suficiente para proporcionar a aprendizagem. O professor deve estabelecer objetivos claros e integrar as áreas para que a aprendizagem ocorra.

É necessário também que os projetos contemplem a educação ambiental pautada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a fim desenvolver colaboração, reflexão, ética e empatia, trazendo esses pontos para o centro da discussão. Os ODS são uma coleção de 17 metas globais estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O steam permite viabilizar, por exemplo, projetos a baixo custo com materiais alternativos, como sucata, de maneira sustentável e dentro da sala de aula.

Aplicando o steam na prática

Por ser baseada na aprendizagem criativa e em tendências educacionais como programação, robótica, inteligência artificial etc., a metodologia steam pressupõe a investigação científica, o trabalho por projetos e o movimento maker. Assim, a adoção do modelo deve partir inicialmente da intencionalidade do professor, mas deve-se ouvir os estudantes e sistematizar essa escuta para aplicar o steam nas aulas. 

  • 01 – Valorize o espaço de aprendizagem. O espaço de aprendizagem é o lugar para aceitar o desconhecido, reconhecer o erro e trabalhar colaborativamente. Deve ser regulado por dois valores: segurança e respeito. Os alunos e professores devem priorizar uma convivência harmoniosa e produtiva, cuidando uns dos outros, do espaço e de si mesmo. Ao saber qual a atitude necessária para o trabalho no ambiente, as intervenções docentes fazem sentido para o aluno. O professor deve ser um mediador que permita aos alunos aprender pela experiência, prezando a relação humana e a horizontalidade. A hierarquia se dá por reconhecimento e não por autoridade. Busca-se a autonomia a partir da empatia, criando vínculo com os alunos, reconhecendo o contexto de cada um, descobrindo o que tem sentido e significado para eles. Ao ampliar seu horizonte de conhecimento, o estudante ganha autoconfiança e segurança para ousar e propor novas soluções.
  • 02 – Transforme conceitos em aulas práticas. O professor deve olhar para o currículo e possibilitar aos alunos, por meio da resolução de problemas, trabalhar de forma prática, permitindo que testem suas hipóteses com ações mão-na-massa (learning by doing), unindo os conceitos das diversas áreas do conhecimento para resolver o desafio proposto.
  • 03 – Crie oficinas. Para iniciar essa abordagem em sala de aula, realize uma oficina com a turma dividida em grupos. Leve um problema relacionado ao conteúdo trabalhado e proponha que viabilizem a solução de maneira prática. Vale manusear materiais simples de sucata e fazer questões norteadoras e provocativas para que os alunos se envolvam nas atividades.
  • 04 – Problematize. As perguntas são essenciais para avançar nas hipóteses e para o docente mediar a aprendizagem. Esse momento pode gerar debates e intervenções para instigar os grupos a encontrarem caminhos diversos. O desafio tem de ser interessante, sem respostas prontas, permitindo espaço para imaginação e criatividade para produzir, testar e refazer. Ao final, sistematize os conhecimentos para que os alunos se sintam motivados a compartilhar aprendizados com um debate ou apresentação. 
  • 05 – Planejamento. Estabeleça roteiros e parcerias com a turma já que a proposta é realizar um projeto integrado, com etapas definidas, pesquisa e produção e testes de aplicação.
  • 06 – Foque na integração de conhecimentos e traga problemas reais. Na hora da prática, é essencial equilibrar conhecimentos das cincos áreas. Defina o contexto e parta de desafios reais para que os alunos possam atuar na sociedade ou se envolverem com problemas do entorno da escola, aplicando conceitos ao propor soluções. 
  • 07 – Trabalhe com habilidades socioemocionais. O steam é um propulsor para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais por permitir que atividades sejam desenvolvidas em grupos, em que os papéis podem e devem ser revisados. As atividades devem ter objetivos claros e abordar novas maneiras de articular o currículo proposto para desenvolver competências como empatia, colaboração e criatividade.

Atitudes que transformam

Convidamos Andrea Barreto, professora da rede municipal do Rio de Janeiro e coordenadora do Núcleo do Rio de Janeiro da Conectando Saberes, para contar duas experiências práticas que mostram como a metodologia steam pode ressignificar de forma simples e coletiva a aprendizagem. 

Steam no Fundamental 1. Certa vez, quando eu lecionava para o 9o ano de uma escola, a professora do 4o ano me procurou com uma preocupação. Os alunos dela perguntavam se a borboleta “nascia da lagarta ou da minhoca”. Pergunta fantástica! Ela esclarecia que era da lagarta, mas um grupo jurava que viu uma “minhoca se transformar em borboleta”. Chegamos à conclusão de que seria ótimo realizar uma experiência com as crianças. Para ajudá-la, coletei algumas lagartas, que se transformariam em casulos, e coloquei, com algumas folhas, em uma caixa de sapatos sem o tampo, que substituí por uma rede de filó. Pedi para ela levar as minhocas com a terra. Orientei-a para não fazer grandes comentários e falar que queria ver se alguma “minhoca” se transformaria em borboleta. Ao mostrar para a turma, um dos meninos falou logo que “aquelas minhocas não eram do tipo certo” e ela pediu que eles trouxessem o tipo certo. Assim foi feito. 

Nos dias seguintes, a turma fazia e anotava as observações e colocavam mais folhas para as lagartas. “Por que mais folhas?” — se perguntavam. “Pode ser qualquer folha?”; “E a minhoca não come?”. Com o incentivo da professora, pesquisas, anotações e compartilhamentos comprovaram que as minhocas não comem terra. Passamos a pesar o pote semanalmente. “Tem mais terra?”; “Não é cocô de minhoca?”. Vejam o quanto está sendo trabalhado: observação, linguagens, matemática, competências socioemocionais como respeito, resiliência, liderança, tudo a partir de um desafio teimoso de um grupo de alunos. 

Um dia, os casulos apareceram e a turma ficou eufórica. Os alunos não paravam de perguntar e fui até a sala para responder algumas perguntas. “Está tudo morto, professora?”; “Acabou”? A essa altura, a escola toda sabia do nosso projeto. Alguns dias depois, as borboletas apareceram. Soltamos em uma manhã de risadas, pulos e lágrimas. “Nossas lagartas irão embora!”. No fim, anotaram as conclusões e nós atingimos vários objetivos, entre eles o de vivenciar o steam na prática. 

Steam no Fundamental 2. Em uma turma do 7o ano, os alunos entraram na sala falando sobre o livro Cem dias entre Céu e Mar (Amyr Klink), que a professora de Língua Portuguesa estava lendo com eles. Eu só ouvia: “O cara remou muito!” – dizia um. “Nada, foram as correntes marinhas!” – retrucava outro. Daí se seguiu a discussão sobre o que eram as tais correntes marinhas. Eu tentava começar a minha aula – que seria sobre célula –, mas a turma estava alheia e logo percebi que era melhor seguir a maré e abordar as tais “correntes marinhas”. 

Pedi para tentarem me explicar como se formavam as correntes e anotei no quadro. “São os ventos!”; “É a rotação da Terra!”; “É a Lua!”; “É a inclinação da Terra!” – eles me diziam. Anotei tudo. Dividi a turma em equipes e pedi para cada equipe provar sua teoria. Eles anotaram a hipótese escolhida e foram em busca das respostas. Na aula seguinte, cada equipe apresentou o que tinha coletado e o que ficou na cabeça de todos foi a diferença de temperatura.

Usei animações feitas na internet para explicar a diferença dos movimentos das moléculas na água quente e fria: algo muito pouco palpável e complicado de se explicar. Eles me diziam que na água quente as moléculas se “movimentam mais” que na fria, porém não se convenciam. Lancei o desafio: “Vocês têm certeza do que estão falando? Provem!”

Estimulei que montassem uma experiência para provar a diferença entre o movimento das moléculas. Pedi para trazer o passo a passo por escrito e reunimos o material: água quente e gelada, copos de vidros iguais, anilina azul e vermelha (as cores foram escolhidas por eles). Na aula seguinte, montamos a experiência. Falei para observarem. Eu enchi os copos de água quente e o restante cada equipe fez.

Um copo com água quente e outro com água gelada na mesma quantidade, duas gotas de anilina em cada copo – na água quente, a vermelha e na fria, a azul –, colocadas ao mesmo tempo, e silêncio absoluto na sala. Eles não sabiam se riam ou se falavam ao mesmo tempo. Pedi para cada equipe relatar o que aconteceu. Na água quente, a anilina se misturou rápido. Na fria, não. Mostrei as animações. Conversamos, interagimos e concluímos a experiência. 

Nesses dois casos, percebemos que não foram necessários altos recursos para aplicar o steam. Em ambos, levantou-se perguntas feitas pelos estudantes que poderiam ser respondidas rapidamente pelo professor. Ressignificar o processo é levar em conta que aprender só faz sentido se encantar o aluno. Deixe-os errar e questione com eles o que deu errado. Faça a mediação, mas não deixe que eles parem de perguntar. Se o aluno pergunta, é o momento de ensinar. 

É preciso explorar novas abordagens na educação, mediando o espaço entre o aluno e a informação, de forma participativa, envolvente e interativa, próxima da realidade no processo de construção e reconstrução do seu conhecimento ao trabalhar com as diversas facetas do processo de aprendizagem. Com soluções criativas, é possível reinventar a educação.


Débora Garofalo 

é professora da rede pública de Ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação, colunista de Educação inovadora no blog Redes Moderna e finalista do Prêmio Global Teacher Prize.

Para saber mais

  • Agenda 2030 — Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
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