fbpx

A geração ansiosa à luz das neurociências

Desenvolver e adequar o funcionamento humano para o mundo atual fazem parte do papel da escola, mas estimular o uso funcional e racional dos recursos eletrônicos, desenvolvendo de forma equilibrada atividades educacionais, sociais e lúdicas, também deve fazer parte do dia a dia da educação escolar.

Texto: Telma Pantano

O livro A Geração Ansiosa, escrito por Jonathan Haidt em 2023, trata de questões muito importantes para a educação e a sociedade, por trazer reflexões bastante atuais sobre a entrada de recursos tecnológicos no desenvolvimento humano, em especial na infância e na adolescência.

Com base na perspectiva da psicologia social, as mudanças comportamentais são descritas como reflexo do funcionamento cerebral. Atualmente, as neurociências têm contribuído muito para que a educação possa receber a fundamentação científica necessária para embasar seus campos teóricos e, principalmente, sua prática educacional.

Ao contrário do que vinha sendo utilizado nos estudos que tentavam explicar o funcionamento cerebral até a década de 1990 e o início dos anos 2000, o comportamento de uma pessoa não pode ser utilizado para entender ou explicar o funcionamento cerebral, uma vez que temos a possibilidade de controlar e planejar os nossos comportamentos, adequando-os (ou não) ao ambiente.

Refletir sobre a entrada e os novos recursos tecnológicos e suas influências no desenvolvimento humano sob uma perspectiva das neurociências é de extrema importância para a educação. Para contribuir nessa reflexão, vamos começar com alguns princípios básicos do funcionamento cerebral e o que diferencia essa postura reflexiva de estudos anteriores.

Uma das primeiras áreas cerebrais que as neurociências ajudaram a compreender, o funcionamento refere-se justamente à área pré-frontal, responsável por funções até então atribuídas às emoções e à personalidade e distanciadas do funcionamento cerebral como um todo. Essa área permite a regulação e a modificação do nosso comportamento, se bem estimulada pelo ambiente.

Assim, podemos modificar o nosso comportamento de acordo com as nossas experiências e inter-relacioná-los com as emoções, permitindo ter comportamentos criativos, reflexivos, mentirosos e, finalmente, distintos do que se esperava em função das demandas do ambiente. No auge da maturidade cerebral, os processos ditos como emocionais podem, em função de estimulações e da mediação da linguagem, trazer consciência das integrações cognitivo-emocionais, que permitem a regulação dos nossos comportamentos.

Assim, nessa visão das neurociências, o comportamento não deve ser utilizado para explicar o processamento cerebral, uma vez que as áreas pré-frontais do nosso cérebro permitem que as respostas emitidas por uma pessoa sejam modificadas do processamento como um todo.

Para as neurociências, as emoções não podem em momento algum se distanciar da cognição. Separadas por uma visão dualista, que dividia o comportamento humano em emocional e cognitivo, as neurociências vêm reunir esses processamentos, tornando o comportamento humano resultante desses dois processos, que não podem ser distanciados. Estamos tristes por um motivo, alegres por uma razão, com raiva por uma situação, e, não chegar a essas nomeações traz consigo a impossibilidade
de controle e de organização dos comportamentos pelo ser humano.

Uma emoção é uma hiperativação de estruturas cerebrais, como a amígdala, que ocasionam respostas corporais e fisiológicas involuntárias. Uma emoção possui padrões corporais, faciais e de temperatura corporal que podem ser rapidamente medidos e detectados, ou seja, não somos capazes de esconder. Há um bloqueio importante de áreas pré-frontais, e, portanto, as nossas reações comportamentais não podem ser controladas. Uma emoção não pode durar mais do que alguns segundos, devido ao estresse corporal que ela causa, e, por isso esses contextos que a causaram devem ser rapidamente memorizados.

Modulada pelas memórias, a ativação dessas mesmas áreas permite respostas corporais e faciais intermediárias, que damos o nome de afetos e emoções, e, sob a possibilidade de regulação pré-frontal, é possível controlar e modificar as respostas, saindo, assim, de processos automáticos.

Nosso objetivo aqui é discutir, em especial, a ansiedade e como ela se associa ao uso de novos recursos tecnológicos. Para as neurociências, trata-se de uma emoção a partir do momento que envolve uma resposta integrada entre cérebro e corpo. É uma resposta corporal que envolve a percepção da ameaça e a preparação cerebral para esse enfrentamento. Como toda emoção – enquanto vem em pequenas doses –, é útil e permite que o cérebro se organize para enfrentar o ambiente.

Em situações regulares, as nossas memórias deveriam intervir nesse processamento, e as áreas pré-frontais deveriam reorganizar esses processos cerebrais e corporais a partir das percepções ambientais que reforçam que não há verdadeiramente uma ameaça. O problema é quando a ansiedade atinge um patamar excessivo, que bloqueia as áreas pré-frontais e a possibilidade de respostas controladas e organizadas ao ambiente. Nesse ponto, o cérebro automatiza as respostas e perdemos a chance de responder ao ambiente de forma organizada.

É sobre esse olhar que analisamos o livro de Jonathan Haidt, e, uma vez que a educação tem muito a se beneficiar com relação à multiplicidade de olhares e de visões, refletir os mesmos elementos, considerando as neurociências, pode tornar as nossas reflexões diferenciadas com relação a algumas premissas socialmente consideradas.

Desenvolvimento e Plasticidade Neuronal

As alterações que acontecem no nosso cérebro durante todo o desenvolvimento visam nos adaptar ao ambiente e às diversidades ambientais que acabam por resultar em mudanças e alterações mentais. Essas alterações que acabam por modificar a forma e a função neuronal em resposta às alterações do ambiente damos o nome de plasticidade neuronal (Kaas, 2001; Bernhardi et al, 2017). A plasticidade cerebral é o grande processo responsável pela aprendizagem e a aquisição de conhecimento de mundo, sejam eles de conteúdo cognitivo ou emocional. Porém, há períodos em que essas adaptações acontecem de forma mais intensa. Esses períodos são chamados de podas neurais. 

As podas neurais (Wayne e Cheng, 2006) são fundamentais para preparar nosso cérebro para a demanda ambiental na qual a pessoa está envolvida. O dois grandes períodos de aumento de conexões sinápticas e posterior seleção e refino dessas vias se dão durante a primeira infância e a adolescência.

As emoções não estão dissociadas desses processos juntamente com as cognições, e desenvolver a capacidade de reconhecer, nomear e resolver as situações-problemas associadas às nossas emoções, aos nossos afetos e aos nossos sentimentos permite cada vez mais o fortalecimento de vias que envolvem emoção e pensamentos. O fortalecimento dessas conexões permite selecionar e desenvolver as áreas pré-frontais e, consequentemente, com os estímulos adequados, o desenvolvimento de pessoas autônomas e conscientes de seus comportamentos.

De formas diferentes, com objetivos diferentes e em diferentes períodos do desenvolvimento, as podas neurais e a plasticidade cerebral são aliadas importantes na adaptação de crianças e de adolescentes ao mundo atual. O grande questionamento deve ser quais os estímulos que estamos selecionando nessas podas e quais as estimulações ambientais que estão reforçando essas conexões.

Efeitos das Novas Tecnologias no Cérebro e no Comportamento Humano

As novas tecnologias têm modificado a forma como crianças e adolescentes compreendem e processam o mundo, já que possuem características de estímulos e exigem respostas bastante específicas. Antes de pensar por meio de uma dualidade (bom ou ruim), precisamos pensar que estímulos são esses e quais são as suas características.

Quando pensamos em recursos que envolvem estímulos visuais com cores fortes, movimento, elementos que surgem e desaparecem, estes elementos acabam por exigir respostas automatizadas e com pouca elaboração cognitiva. Muitas vezes as respostas são dadas de forma automática. Quando perguntamos para uma criança e/ou um adolescente como respondeu a um estímulo de um jogo ou mesmo por que deu uma determinada resposta numa situação envolvendo mídia digital, normalmente recebemos como respostas um “porque sim” ou “porque era para dar essa resposta”.

Nesses momentos, temos claro o processamento envolvido em jogos, em redes sociais: a estimulação de processos automáticos, como a atenção e a ausência de elaborações cognitivas que exigem planejamento e organização por meio de recursos verbais.

O cérebro não se reorganiza de forma fácil, casual ou arbitrária. São necessários processos de atenção e de entradas sensoriais significativas, que são utilizados de forma repetitiva e intensa, para que as modificações possam ocorrer. Dessa forma, o uso eventual e lúdico não é condenado, porém, como está, o uso atual envolve prioritariamente esses estímulos de forma desordenada e constante.

Não é por acaso que os recursos tecnológicos que envolvem respostas automatizadas nos atraiam tanto. Eles mexem com o nosso processo atencional sem gastar muita energia do nosso cérebro, o que os torna ainda mais atrativos. Porém, nos cérebros dos bebês, das crianças e dos adolescentes, isso não é diferente. Esses recursos tecnológicos atraem imediatamente a atenção, tornando difícil a competição com outros recursos do ambiente. Afinal, a tecnologia preparada e utilizada dessa forma tem tudo o que provoca reações automáticas e intensas no processamento cerebral. 

Estamos falando de um cérebro em desenvolvimento que precisa aprender a desenvolver recursos de espera para as gratificações cerebrais (que podem envolver recursos com pouco processamento e energia), encontrar atrativos em estímulos que não sejam tão intensos, tão súbitos, tão em movimento, tão significativos… E é aí que pesquisadores atuais têm tanto receio na apresentação de recursos tecnológicos lúdicos, imediatistas e sem elaboração cognitiva em crianças e em adolescentes.

A apresentação precoce e constante dos recursos tecnológicos, como jogos e redes sociais, em função das podas neuronais e da alta plasticidade cerebral nesses períodos, provoca a seleção prioritária de rotas e de processamentos automatizados, e, sem a mediação da linguagem, tornam-se cada vez mais distantes do contexto educacional e do funcionamento cerebral ativo e organizado.

Juntando tudo: Novas Tecnologias, Neurociências, Emoção e Ansiedade

Ao observamos o comportamento de crianças e de adolescentes com o uso de telas, simplificamos um debate importante no campo da ciência, olhando somente o comportamento externo e deixando de refletir no que se passa no cérebro.

Em uma visão embasada nas neurociências, devemos buscar os impactos que o uso das telas provoca no cérebro para justificar os comportamentos observados. Não estamos falando das telas, mas mais profundamente do que elas causam. Os estudos que tentam verificar os efeitos diferem muito em resultados, em função do tipo de estímulo que é fornecido pela tela.

Esta deveria ser a verdadeira discussão: o que estamos buscando quando fazemos uso de uma tela e um eletrônico? Há uma diferença enorme entre um estímulo que envolva respostas automáticas e/ou passivas, como vídeos, joguinhos eletrônicos e redes sociais, e o uso dos mesmos instrumentos em ações que envolvam planejamento, organização e controle de estímulos externos, como jogos educativos e programas específicos que visam à criação e às elaborações cognitivas e emocionais.

Fazer uso de programas e recursos que envolvam busca, pesquisa, ganho de conhecimentos, meios para a resolução de problemas e, principalmente, objetivo são extremamente benéficos para o cérebro e para o indivíduo. Por outro lado, são recursos que envolvem uma maior ativação cerebral, que fazem o cérebro sair do automático e que, consequentemente, cansam. Dificilmente somos capazes de passar longas horas nessas atividades de forma contínua.

Quantas vezes você restringiu o uso de um eletrônico pelo seu filho e, ao final do tempo, ele insiste com você de que “não passou tudo isso”? Quantas vezes você foi fazer uso do Instagram e/ou do TikTok por alguns minutos e, quando você se dá conta, já se passou mais de uma hora? É isto que é um cérebro automático: um cérebro que desliga áreas pré-frontais e para de assumir o controle dos processos cognitivos e emocionais. Parafraseando Einstein em uma visão neurocientífica, o tempo é relativo ao que provocamos ao nosso cérebro.

Os jogos e as redes sociais provocam processos automáticos que liberam dopamina, que faz com que o sistema de recompensas do nosso cérebro seja hiperestimulado. Isso faz com que o cérebro busque por mais recompensas, reduzindo a tolerância à frustração e aumentando a ansiedade, por não ter a previsão de continuidade desses estímulos.

A redução da atuação dessas áreas pré-frontais fica evidente com a observação de comportamentos automatizados, a perda da noção de tempo, a impulsividade e as respostas inadequadas ao ambiente. O pior é que, com o tempo, a plasticidade neuronal vai atuando, deixando esse processos cada vez mais selecionados e procurados pelo cérebro em detrimento de processos que envolvam ação pré-frontal.

A ansiedade começa a tomar proporções cada vez maiores, uma vez que as áreas pré-frontais que precisam ser estimuladas para processos não automatizados passam a ser cada vez menos requisitadas. Processos como autocontrole e regulação emocional acabam por ser menos estimulados em detrimento dos automatismos. Isso impede o cérebro de criar recursos efetivos e cada vez mais elaborados para lidar com o tédio, a frustração e o estresse, aumentando ainda mais a ansiedade para o uso desses recursos nos eletrônicos.

O comportamento é o mesmo: vemos alguém em frente a uma tela, porém, a grande diferença é o que se passa em nosso cérebro. As escolas e os processos educacionais buscam a todo o momento cérebros ativos, que possam de forma organizada e sequencial planejar, resolver problemas, encontrar e criar respostas e soluções. Os eletrônicos podem ser uma alternativa educacional importante, desde que haja uma previsão clara do que esteja sendo estimulado e de que forma é feita essa estimulação.

Jogos, atividades e programas que ativem a organização, o planejamento e a resolução de problemas são úteis e benéficos. Usos coletivos que envolvam a interação consciente e organizada e o trabalho compartilhado e criativo podem e devem fazer parte da rotina educacional, até para que o uso de eletrônicos deixe de ser puramente recreativo e possa passar a ser consciente e com uma finalidade específica. Isso deve ser ensinado, e o ambiente educacional pode ser uma porta de entrada importante para desenvolver esses recursos. Enquanto ainda encontrarmos famílias que entregam o tablete e/ou celular para acalmar os filhos em casa ou no restaurante, não acredito que o uso para um bom funcionamento cerebral de crianças possa ser destinado ao ambiente familiar.

Não podemos colocar as telas e os celulares como vilões de todo o processo sem refletir no que cada um desses processos provoca no cérebro. Estamos nos deparando com mais um papel fundamental ao contexto educacional e que deve ser uma base muito importante para a constituição de gerações futuras.

Escola e Educação Frente a essas Questões

O uso excessivo de recursos tecnológicos de forma automatizada e com pouca elaboração cognitiva associada a períodos de maior plasticidade e as podas neuronais estão associados a um aumento nos níveis de ansiedade em crianças e em adolescentes, porém é importante que essa observação social e ambiental possa atingir com maturidade os contextos escolar e educacional.

O papel da escola envolve desenvolver e adequar o funcionamento humano para o mundo atual e futuro. Isso vai muito além do conteúdo pedagógico. Apresentar, treinar e estimular o uso funcional e racional dos recursos eletrônicos, desenvolvendo de forma equilibrada atividades educacionais, sociais e lúdicas, devem fazer parte da rotina educacional.

Considerando as neurociências, principalmente durante a infância e a adolescência, em função das podas neuronais e da plasticidade neuronal, o uso equilibrado e a aprendizagem dessas habilidades são a base da integração desses recursos com o desenvolvimento humano, ainda mais com o desenvolvimento da inteligência artificial. Devemos, por meio da linguagem, tornar os nossos processos cerebrais que se constituem em emoções e pensamentos cada vez mais mediados pela linguagem e permitir que esses recursos pré-frontais sejam cada vez mais envolvidos em elementos como planejamento, organização, controle de impulsos e criatividade.

O fortalecimento desses recursos pré-frontais é muito importante para o controle e a organização das emoções e das habilidades cognitivas e sociais. A escola torna-se, assim, um espaço de equilíbrio que permite o desenvolvimento e as experiências presenciais ricas, as relações afetivas estáveis e seguras, os limites, a previsibilidade e as possibilidades para desenvolver resiliência e autonomia. Essas aquisições e esses desenvolvimentos devem estar associados ao uso consciente de recursos tecnológicos e a uma educação que envolva crianças, adolescentes e familiares.


Telma Pantano
É fonoaudióloga e psicopedagoga, master em Neurociência e pós-doutora em Psiquiatria. Atualmente, é coordenadora da equipe Multi do Hospital Dia Infantil – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Para Saber Mais

  • BHAIDT, Jonathan. A geração ansiosa. São Paulo: HarperCollins, 2024.
  • PANTANO, Telma. Neurociência aplicada à aprendizagem. São Paulo: Pulso Editorial, 2019.
  • SIEGEL, Daniel. O cérebro da criança. Porto Alegre: Artmed, 2012.
Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com