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A experiência da aprendizagem no ambiente digital

Aprendizagem no ambiente digital ou como o ambiente digital deve ser para favorecer a aprendizagem?

texto Antoni Zabala | tradução Maria Alicia Manzone Rossi

Neste artigo, proponho analisar as características que o ambiente digital deve ter para que possa contribuir para a aprendizagem, em lugar de propor como a aprendizagem no meio digital deve ser. Como veremos, a tecnologia digital pode contribuir, de forma determinante, para melhorar o ensino e a aprendizagem. Mas isso somente será possível se sua incorporação ao sistema educativo e à escola for feita integralmente, em todos os seus aspectos, e não somente por meio de simples mudanças em alguma das variáveis que formam a prática educativa. Se examinarmos essas variáveis, veremos como cada uma delas precisa se questionar sobre as sequências de atividades de ensino e aprendizagem, as relações interativas (o papel do professor e do aluno), a organização social da sala de aula, a organização do espaço e do tempo, os recursos didáticos e a avaliação, que deverão ser revisadas em função das vantagens, mas levando em consideração os inconvenientes que a implementação da digitalização na escola traz.

A incorporação dos recursos digitais pode ser uma excelente ajuda para melhorar a prática educativa sempre que eles estejam ao serviço da aprendizagem e não o contrário, uma aprendizagem pelos meios digitais. Analisaremos aqui seu papel de acordo com a função que consideramos que o ensino tem, com as possibilidades e limitações da formação on-line e com as características das diferentes soluções no processo de ensino e aprendizagem.

Um ambiente digital para instruir ou para educar?

A tecnologia digital não determina o tipo de ensino, é somente um meio, mas suas características dependerão, em primeiro lugar e essencialmente, do papel que atribuirmos ao ensino. Sua função social, seu propósito, é determinante para estabelecer as funções que a tecnologia digital terá. Dessa forma, se o propósito do ensino for a instrução, entendida como a transmissão do conhecimento das diferentes matérias acadêmicas, o papel e as características do ambiente digital serão bem diferentes do papel que elas devem ter se a finalidade educativa da escola for a formação integral da pessoa em todos os seus aspectos. Logo, os ambientes digitais que são eficazes para instruir serão totalmente inapropriados, e até contraproducentes, se a finalidade da escola for educar. 

A educação, como sabemos, se fundamenta em decisões ideológicas (educar vs. instruir; formação acadêmica vs. formação integral; educação seletiva vs. educação orientadora; segregadora vs. inclusiva etc.). Atualmente, o Brasil, bem como a maioria dos países, decidiu, pelo menos em teoria, que a função da escola é educar, que essa formação deve ser integral, que não deve servir para selecionar e sim para orientar, e que deve incluir todos os alunos, quaisquer que sejam suas competências e características pessoais. Essa primeira decisão ideológica é definitória em relação ao papel dos meios digitais e à forma de utilizá-los na escola.

Uma das primeiras decisões que determinam a opção por educar e, consequentemente, o desenvolvimento e sentido dos diferentes componentes são as dez competências estabelecidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Se fizermos uma leitura atenta, perceberemos que, em consonância com a estrutura dos quatro pilares da educação – aprender a saber, aprender a saber fazer, aprender a ser e aprender a conviver –, as competências definidas na BNCC desenvolvem esses quatro pilares, preponderantemente os relacionados ao saber fazer, ao saber ser e ao saber conviver. Dessa forma, devemos nos perguntar como a tecnologia digital pode ajudar em uma escola que tenha uma finalidade educativa na qual os conhecimentos estão ao serviço do saber fazer, do saber ser e do saber conviver. É o que veremos agora.

No aprendizado dos conhecimentos, dos saberes, quando são factuais, como os nomes das capitais ou dos principais rios do Brasil, os nomes dos escritores e de suas obras, os elementos químicos da tabela periódica pura ou os fatos mais importantes da história do Brasil e suas datas, o trabalho a ser realizado são atividades de memorização. Para obter esse resultado, nem todos os alunos deverão realizar essas atividades na mesma quantidade ou da mesma forma. Nesse caso, os meios digitais poderão ser enormemente úteis ao oferecer atividades mais ou menos lúdicas, em função da competência de cada um dos alunos e com uma retroalimentação imediata.  

Se os conhecimentos a serem aprendidos forem de carácter abstrato, ou seja, os componentes conceituais das competências, a simples memorização não servirá se os alunos não os entenderem previamente. Dessa forma, os conceitos de capital ou de rio, as características das correntes literárias, o conceito de elemento químico ou as ideias de sociedade democrática, de revolução e de independência não serão aprendidos com competência pela simples memorização de suas definições, e exigirão um complexo processo de construção pessoal. Para ajudar nesse processo, as simples soluções digitais de memorização não serão úteis. No entanto, elas poderão oferecer, com grande eficácia, atividades mais complexas que ajudem no processo de conceitualização, aplicação e generalização.

Para que os componentes procedimentais (habilidades, técnicas, estratégias) sejam aprendidos, é necessária a compreensão de sua utilidade e a visualização de um modelo para redigir, dialogar, observar, analisar, experimentar, refletir ou trabalhar em equipe. Uma vez conhecido o modelo, será preciso realizar atividades de prática guiada quantas vezes forem necessárias, de acordo com as competências e características de cada aluno. Os aplicativos digitais podem ser muito úteis para aqueles procedimentos com lápis e papel e de caráter cognitivo, como escrever, ler, resolver problemas matemáticos, os quais permitem a adequação a diferentes ritmos de aprendizagem, mas dificilmente servirão para os procedimentos de caráter psicomotor, entre eles a expressão oral.    

Por outro lado, se olharmos os componentes atitudinais relacionados ao saber ser e ao saber conviver, os meios digitais somente poderão ajudar na apresentação e na análise de situações conflitivas geradoras dos processos de reflexão e conscientização, mas não serão úteis se não forem acompanhados de vivências nas quais os alunos participem e resolvam, levando em consideração os princípios éticos de solidariedade, compromisso, capacidade crítica, colaboração, responsabilidade, resiliência etc.

Desse rápido panorama, concluímos que, se o ensino consistir unicamente em uma simples transmissão do conhecimento, é possível aceitar que as tecnologias digitais chegariam a substituir o professor, já que a aplicação da inteligência artificial no desenvolvimento de aplicativos digitais adaptativos poderia — e, em alguns casos, já pode — adequar a aprendizagem às características individuais de forma mais efetiva do que um professor diante de 20 ou 30 alunos. No entanto, ao entender que o papel da educação é a formação integral das pessoas e, concretamente, o desenvolvimento de suas competências para a vida em todos os seus âmbitos — pessoal, interpessoal, social e profissional —, as tecnologias digitais serão extremamente limitadas, já que elas são, para a maioria das competências, ineficazes e, consequentemente, a figura do professor-educador é imprescindível. 

Educação presencial ou on-line?

Se estabelecer o propósito educativo é determinante para compreender as possibilidades que as tecnologias digitais nos oferecem em função dos aprendizados propostos, o conhecimento científico existente nos permite entender o que é possível fazer com tais aprendizados e suas limitações. Neste momento, temos à disposição diversas conclusões como resultado de milhares de estudos científicos. Trata-se de diferentes instituições que realizaram as meta-análises, entre outras Education Endowment Fundation, Hattie Educations Research e The OECD Handbook for Innovative Learning Environments.   

Vamos analisar quatro evidências científicas que podem ajudar a determinar o papel e as possibilidades das tecnologias digitais em relação à presencialidade e à educação on-line:

  • A aprendizagem é social. Não é possível aprender sem um ambiente que possibilite as múltiplas interações, tanto interpessoais quanto grupais.
  • A aprendizagem é emocional. Para poder aprender, o ambiente de aprendizagem deve promover o bem-estar emocional, como resultado dos diferentes laços afetivos desenvolvidos dentro do grupo. 
  • A aprendizagem é colaborativa. O trabalho em pequenos grupos, compartilhando tarefas nas quais todos possam participar, fomentando a aprendizagem entre iguais, gera aprendizados mais profundos e duradouros.
  • A tutoria entre iguais. A aprendizagem em duplas ou grupos reduzidos, seja com um aluno assumindo as funções de tutor, seja com uma tutoria recíproca entre iguais, na qual os alunos se revezam no papel de tutor, é uma estratégia que inclui as evidências anteriores e que, ao mesmo tempo, desenvolve as competências empáticas e as atitudes solidárias e cooperativas.

Se levarmos em consideração essas evidências no momento de valorizar as possibilidades de um ensino presencial versus um ensino on-line, podemos ver que, na distância, sem contato físico, sem as relações um do lado do outro que o trabalho em sala de aula facilita, a capacidade de oferecer as condições para que o aprendizado aconteça são extremamente difíceis, quando não impossíveis. Evidentemente, a situação que vivemos por conta da pandemia obrigou a escola a tomar providências para atender os alunos a distância e, graças aos meios digitais, foi possível diminuir, em alguma medida, os déficits relacionais e emocionais. No entanto, o conhecimento científico é conclusivo: a formação on-line não pode substituir as condições que a escola oferece.

Como devem ser as soluções digitais no processo de ensino e aprendizagem?

Até aqui, analisamos o possível papel das tecnologias digitais de acordo com o propósito da escola, seja ele instrutivo ou educador, e em relação às potencialidades da formação on-line em contraposição a uma formação presencial. Agora, analisaremos o papel que as soluções digitais podem ter para dar sempre uma resposta às necessidades dos professores, dos alunos e das famílias no processo de ensino e aprendizagem, mas a partir de uma escola que pretenda o desenvolvimento das competências para a vida, de acordo com o conhecimento científico de como a aprendizagem é favorecida e, concretamente, de sua capacidade de favorecer a personalização dos aprendizados.  

O êxito de qualquer solução digital é atingido quando esta dá resposta a uma necessidade real e, por sua vez, contribui para melhorar a solução analógica. Hoje, quase ninguém quer prescindir da solução digital para escrever, por exemplo, este artigo, porque o processador de texto é muito melhor do que a máquina de escrever, ou também, a utilização do PowerPoint melhora notavelmente as apresentações com slides que eram utilizadas três décadas atrás. Seguindo esse princípio, devemos nos perguntar como os meios digitais deverão ser para que possam contribuir e dar resposta às diferentes necessidades dos professores, dos alunos e das famílias, em cada um dos diferentes momentos do processo de ensino e aprendizagem.

Vamos ver quais são essas necessidades. Podemos fazer um esquema (figura 1) para estabelecer três fases no processo de ensino e aprendizagem — o planejamento, a aplicação/desenvolvimento das atividades de aprendizagem e a avaliação – em dois espaços de aprendizado — a escola e o lar. 

Na primeira fase, as necessidades de planejamento dos aprendizados, sua sequência e distribuição em unidades didáticas correspondem aos professores. A resposta analógica foi oferecida, na maioria dos casos, pelos livros didáticos. Levando em consideração os dois referentes para análise, podemos considerar que uma solução digital consiste em aplicativos específicos para planejamento, com recursos para sequenciar as competências e seus componentes, e que algumas ajudas para estabelecer as sequências didáticas poderiam melhorar o livro didático convencional que, logicamente, propõe sequências e atividades  únicas  para qualquer contexto educativo e, em geral, para um grupo de “alunos-padrão”.

Na segunda fase, de aplicação da sequência didática programada, participam, além do professor, os alunos e as famílias. Nessa fase, as necessidades do professor consistem em dispor dos meios que facilitem fazer suas exposições para os alunos, a distribuição de tarefas apropriadas às características singulares de cada um dos alunos e o controle das atividades realizadas com o correspondente feedback

Nessa fase, os alunos também realizam em sala de aula atividades de escuta ativa e de leitura no momento das exposições do professor e, posteriormente, realizam atividades de memorização, compreensão e prática adequadas aos ritmos e estilos de aprendizagem de cada aluno. Muitas dessas atividades podem ser feitas em casa e as famílias podem e devem participar para estimular e favorecer a realização das tarefas. Nessa fase, também, a solução analógica foi facilitada pelos livros de texto convencionais. Se analisarmos as necessidades, poderemos entender facilmente que as soluções digitais podem melhorar a solução analógica:

  • Apresentações atraentes e motivadoras para que o professor faça suas exposições.
  • Atividades sequenciadas progressivamente, das mais simples às mais complexas, para a memorização dos componentes factuais; para a construção,  aplicação e generalização dos componentes conceituais e para a prática dos componentes procedimentais. Seria um conjunto de aplicativos adaptativos com feedback imediato.
  • Para o acompanhamento, aplicativos que permitam o monitoramento do aprendizado dos alunos com recursos para a análise dos pontos fortes e a desenvolver de cada um e a proposta de atividades em função dessas análises, com instrumentos de acompanhamento também ao alcance das famílias. 

A terceira fase, a de avaliação, permite verificar os aprendizados obtidos por cada aluno e sua posterior avaliação em relação às possibilidades de cada um (avaliação criterial) e a avaliação em relação aos padrões da faixa etária (avaliação normativa). A solução analógica continua sendo a do livro didático, no qual cada capítulo, seja no próprio livro, seja no guia do professor, oferece atividades para a verificação dos aprendizados realizados. Evidentemente, nessa fase, podemos pensar em soluções digitais que melhorem as propostas analógicas, como aplicativos para:

  • escolha e elaboração de atividades múltiplas; 
  • revisão das atividades;
  • análise dos acertos e dos erros;
  • diagnóstico sobre o processo de aprendizagem e sobre a metodologia utilizada;
  • elaboração dos relatórios direcionados às famílias e à gestão escolar. 

Como podemos ver no quadro ao lado, há até 24 possíveis soluções que podem colaborar em cada fase do processo de ensino e aprendizagem para dar resposta às necessidades dos grupos nos quais elas são implementadas. Nelas, podemos ver que os livros didáticos podem cumprir, nesse ambiente digital, funções que a solução digital não melhora, caso tais livros sejam concebidos como meio para recolher e sistematizar, visual e graficamente, os componentes factuais e conceituais e a descrição dos componentes procedimentais das competências. 

A tecnologia digital a serviço da personalização da aprendizagem no desenvolvimento das competências

Sem a contribuição da tecnologia digital é praticamente impossível atender às necessidades de aprendizagem individual de alunos e alunas. O desafio dos professores é gerenciar a turma do ponto de vista do bem-estar emocional e fornecer meios para atingir, na maior medida possível, a personalização dos aprendizados. No entanto, para que isso seja possível, da mesma forma em que o médico tem à disposição uma boa e variada oferta de medicamentos na qual ele poderá encontrar os mais adequados para o tratamento de acordo com as condições de cada paciente, é necessária a existência de múltiplos materiais digitais e de materiais em suporte impresso, diversos e diversificáveis que permitam ao professor selecionar os que sejam mais apropriados ao itinerário pessoal de aprendizagem de suas turmas.

A resposta sobre o papel e a contribuição da tecnologia digital deve ser o resultado de uma análise reflexiva da capacidade de responder à formação integral da pessoa para o desenvolvimento das competências para a vida e do conhecimento fornecido pelas diferentes ciências da aprendizagem e da educação, nas quais as neurociências têm um papel relevante. Não realizar essa análise nos deixa reféns das dinâmicas de acompanhamento acrítico na pretendida modernidade e inovação da escola. 

Em matéria de educação, devemos ter uma postura proativa e de liderança que permita estabelecer as condições e características da introdução da tecnologia digital e do uso dos aplicativos informáticos de forma que o ambiente digital esteja ao serviço da educação e não o contrário.


ANTONI ZABALA VIDIELLA é formado em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Barcelona (Espanha). Referência internacional em pedagogia e educação, além de importante pesquisador dos fundamentos do construtivismo escolar. É diretor do Instituto de Recursos e Investigación para la Formación (IRIF), diretor do Campus Virtual de Educação da Universidade de Barcelona e professor dos Institutos de Ciências da Educação da Universidade de Barcelona e da Universidade Autônoma de Barcelona. Seu trabalho de pesquisa e publicação concentra-se na didática geral e específica. É autor de artigos e livros.


Para saber mais

  • Education Endowment Foundation. Disponível em: mod.lk/ed21_pac. Acesso em: 2 jul. 2021. 
  • KILLIAN, S. 10 Evidence-Based Teaching Strategies – The Core List. Disponível em: mod.lk/ed21_aca. Acesso em: 2 jul. 2021.
  • OECD. The OECD Handbook for Innovative Learning Environments. Disponível em: mod.lk/ed21_acd. Acesso em: 2 jul. 2021.
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