fbpx

2021: uma odisseia aos novos velhos desafios na educação

Chegou a hora de retomar as rédeas e iniciar uma nova jornada rumo ao ensino híbrido de qualidade. Vamos nessa?

Texto Carla Arena, Giselle Santos e Samara Brito

Quando 2020 chegou, imaginou-se que seria mais um ano marcado pelas conhecidas rotinas de novos tempos: as promessas de Ano-Novo, os lançamentos imperdíveis das grandes feiras, o sonho de novas aquisições para as salas dos professores, a busca por mais espaço na memória dos dispositivos eletrônicos, o Carnaval, os debates climáticos, as eleições e os memes do momento. Já parou e pensou em quem era você no início de 2020? 

Que tal partir em uma retrospectiva rápida até o início do ano letivo de 2020? 

Janeiro. A sua instituição devia estar em período de planejamento, semana pedagógica ou no período de férias dos professores. O calendário letivo já estava aprovado, bastava seguir o planejado. 

Fevereiro. Início das aulas. A escola começava a ficar cheia de vida. Famílias circulando com materiais escolares, fazendo matrícula, estudantes pelos corredores e o barulho do sinal de início e final das aulas. Chegou o Carnaval, paramos um pouco e voltamos todos animados.

Até aí, tudo certo! Tudo dentro do planejado. A gente ouvia notícias sobre escolas suspendendo as aulas ao redor do mundo, sobre o número de casos de transmissão de Covid-19, mas, no nosso imaginário otimista, não havia a menor possibilidade de fechar a escola. Ainda mais no Brasil, “um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza” (Jorge Ben Jor, 1969). Nem nos nossos mais longos devaneios imaginamos a dimensão do que viria pela frente.

Março. A notícia que todos temiam: escolas precisavam ser fechadas. No gráfico a seguir é possível observar que as buscas pelo termo “escolas fechadas”, no Brasil, tiveram um pico entre os dias 15 e 21.

Gráfico 1: Buscas pela palavra-chave “escolas fechadas”.
Disponível no Google Trends: bit.ly/3juhXFa. Acesso em: fev. 2021.

Os primeiros decretos previam uma suspensão de, no máximo, uma semana. Cada instituição se organizou como deu. Algumas suspenderam as atividades escolares e outras enviaram atividades para casa. Vale recorrer ao que determina a Lei de Diretrizes e Bases: o Ensino Fundamental deve ser presencial, o que proibia a modalidade de educação a distância. Isso já ligou o sinal amarelo para a extensão do tempo da quarentena. Quando a população e os órgãos reguladores da educação se deram conta de que não seria possível ter aulas presenciais, houve um movimento do Conselho Nacional de Educação, em 31 de março, esclarecendo dúvidas e liberando o ensino a distância para todas as modalidades educacionais de estados e municípios.  

A UNESCO, órgão da ONU para educação e cultura, acompanha de perto o processo de fechamento e abertura das escolas. Nos quadros a seguir, é possível observar e comparar quais países tiveram suas escolas fechadas, abertas ou parcialmente abertas. Para comparar, destacamos três datas específicas:

16 fev. 2020: Início do monitoramento.

Quadro 1: Monitoramento mundial do fechamento de escolas devido à Covid-19 em 16/02/2020. Disponível em: bit.ly/3tDCagw. Acesso em: fev. 2021.

16 abr. 2020: Período com maior número de escolas fechadas.

Quadro 2: Monitoramento mundial do fechamento de escolas devido à Covid-19 em 16/04/2020. Disponível em: bit.ly/3tDCagw. Acesso em: fev. 2021.

1o fev. 2021: Período comum para o início do ano letivo brasileiro.

Quadro 3: Monitoramento mundial do fechamento de escolas devido à Covid-19 em 01/02/2021. Disponível em: bit.ly/3tDCagw. Acesso em: fev. 2021.

O Brasil está entre os países que fecharam escolas por mais tempo. Do início do monitoramento até fevereiro de 2021, um ano após o início da pandemia da Covid-19, milhares de estudantes no mundo ainda enfrentam interrupções significativas, que vão desde o fechamento de escolas até os horários acadêmicos reduzidos ou de meio-período. De acordo com a unesco, em média, dois terços de um ano acadêmico foram perdidos em todo o mundo devido à Covid-19. Ainda é difícil mensurar o impacto do fechamento das escolas. Segundo Audrey Azoulay, Diretora-Geral do órgão, “os fechamentos prolongados e repetidos de instituições de ensino estão causando um impacto psicossocial cada vez maior nos estudantes, e estão aumentando as perdas de aprendizagem e os riscos de abandono escolar, além de afetarem os mais vulneráveis de maneira desproporcional. O fechamento total das escolas deve ser o último recurso, e reabri-las com segurança, uma prioridade”. 

Para entender o processo no Brasil, vamos comparar dados de pesquisas realizadas com os termos “aula online” e “escolas fechadas”.

Gráfico 2: Comparação entre os termos de pesquisa “aula online” e “escolas fechadas”. Disponível no Google Trends: bit.ly/2LvnTBg. Acesso em: fev. 2021.

Simultaneamente ao fechamento das escolas, o termo de pesquisa “aula online” cresceu vertiginosamente. Estava claro que, naquele momento, aconteceria uma migração do ensino presencial para o ensino remoto de forma emergencial, com aulas on-line. Num primeiro momento, as instituições de ensino migraram para plataformas que permitiam aulas síncronas (ao vivo) com os estudantes — é importante ressaltar que, devido à falta de equidade digital no Brasil, nem todas as escolas e nem todos os alunos participaram de aulas on-line.  A seguir, confira os dados do Google Trends com pesquisas sobre plataformas de streaming para aulas on-line (Google Meet, Zoom e Microsoft Teams).

Gráfico 3: Comparação de buscas entre os termos “aula online”, “escolas fechadas”, “Google Meet”, “Microsoft Teams” e “Zoom”.  Disponível no Google Trends: bit.ly/3rxONrE. Acesso em: fev. 2021.

Se 2020 foi o ano do ensino remoto emergencial, em 2021, é preciso avançar dentro de circunstâncias desafiadoras e ter um olhar mais estratégico e intencional para as práticas pedagógicas. Se ficou claro que a aprendizagem rompe as barreiras de espaço e de tempo para além do período de aula e das paredes da classe, quais são as implicações para o que se entende como aula e o processo ensino-aprendizagem? Algumas revelações, antes vistas como indícios e estratégias educacionais adjacentes, agora tomam uma nova proporção:

01 – O papel das comunidades virtuais de aprendizagem.

É essencial fortalecer a aprendizagem por pares em que a mediação pedagógica está nos nós relacionais entre os alunos. O papel do professor se diluiu em várias dimensões de espaço-tempo e as comunidades de aprendizagem vieram para dar a liga e o suporte de que os alunos precisam. Esse conceito não é novo e já vem sendo discutido há décadas com o advento do digital nos contextos educacionais. Thomas e Brown (2011) nos lembram de que o crescimento digital em todas as esferas sociais e nos contextos educacionais traz oportunidades para promovermos novas culturas de aprendizagem baseadas em comunidades, que estimulam a investigação, com mais perguntas do que respostas, e capitaneiam interesses e paixões dos alunos como catalisadores para o aprendizado contínuo. 

02 – Mentalidade ágil, adaptativa e coerente com o processo pedagógico.

De tempos em tempos, vivenciamos profundas mudanças na forma como as pessoas convivem, aprendem ou, simplesmente, existem dentro de um todo. Paralelamente, pesquisas de todos os campos sinalizam que a Educação, uma instituição com um enorme potencial de resultados em futuros, ainda é forjada por modelos pouco flexíveis, acessíveis ou escaláveis. Por que a gente não presta atenção nesses sinais?  É preciso desapegar do “foi sempre assim”. Qualquer tipo de solução fixa, intangível ou intocável, em tempos de tantas inconstâncias, não se sustenta. Muitos protocolos emergenciais foram úteis em 2020, mas agora apresentam lacunas que devem ser abordadas a fim de garantir acesso ao aprender diante de situações de recalibragem contínua, mobilidades multidimensionais e contextos plurais.

Então, como responder à urgência da migração para ambientes de convivência e aprendizado que transitam entre o digital e o físico de forma fluida e ágil? 

Uma solução possível é estabelecer a cultura de test and learn no planejamento de ações. Essas estratégias de testagem e descoberta giram em torno da adoção de comportamentos, processos e metodologias ágeis e permitem interações rápidas, escaláveis, orientadas para as pessoas e ricas em dados, permitindo a desestruturação de procedimentos ineficazes para a reconstrução rápida de processos. Na prática, representa a autonomia para arriscar novos caminhos, a liberdade para errar, as decisões baseadas em dados e a colaboração e sensação de pertencimento, em outras palavras, ações direcionadas.

03- Criando novos mundos.

John Seely-Brown, além de enfatizar a necessidade de repensar a educação por meio da imaginação, provoca: “Não é sobre memorizar coisas, e não é sobre repetir as coisas. É sobre a habilidade da mente de criar um mundo”. A pandemia trouxe mais clareza sobre discussões antigas e recorrentes como relevância, conteúdos conectados com os alunos e desenvolvimento de habilidades para a vida, dimensões que no tradicionalismo educacional acabam se perdendo em esferas conteudistas, mas que demonstram fragilidades na preparação de jovens cidadãos conectados, críticos, criativos, pensadores e fazedores. É preciso torná-los capazes de criar e vislumbrar novos mundos e futuros desejáveis. Fica aqui o desafio para você, educador, de entrar em uma jornada de criação pós-pandêmica, dentro dessa perspectiva de saberes transversais em que nossos alunos são criadores de novos mundos com uma condução pensada pelo educador John Spencer e traduzida e adaptada em uma parceria do Amplifica e da Casa Thomas Jefferson, dentro do projeto Simplifica (conheça mais sobre a abordagem baseada em projetos em:
bit.ly/desafiosimplificapospandemia; acesso em: 20 mar. 2021)

04 – O digital e seus novos contornos.

Com a expansão das inovações tecnológicas emergentes em tecnologias da informação e comunicação (TICs) e de modelos práticos de design de aprendizagem, surgem novos cenários e interfaces de interação, trocas, colaboração e construção de inteligências coletivas. É preciso enfatizar que toda tecnologia é humana. Dessa forma, nenhum movimento de virtualização de espaços de aprendizagem deve estar descolado das essências do ser, do saber, do fazer e do conviver e do bem-estar.

Para Pierre Levy (2020), escolas, universidades, bibliotecas públicas, museus e outros devem tirar maior proveito da internet e descentralizar seus bancos de dados. Segundo o autor, devemos oportunizar um novo tipo de esfera pública, em que os dados e metadados sejam o nosso bem comum. Nesse novo ambiente de registro e exploração colaborativa das memórias, os valores centrais são abertura, transparência e comunhão. É fundamental incorporar o pensamento sistêmico para a concepção de novos caminhos na educação. Mas como fazer isso partindo de ausências importantes?

No atual contexto do Brasil, de acordo com a pesquisa “Juventudes e a pandemia do Coronavírus”, os principais desafios para os jovens não estão na falta de tempo ou no aparato tecnológico disponível, mas sim na ausência de redes de apoio emocional, na falta de um ambiente favorável à aprendizagem remota e na dificuldade de interagir com professores sem contato presencial. 

A ressignificação do conhecimento para novos contextos é uma das formas mais naturais de inovação em tempos de escassez. Os últimos meses, com seus requisitos de protocolos sanitários, arranjos econômicos e distanciamento físico, trouxeram a urgência de criação de ambientes que ofereçam uma reorganização das maneiras como pensamos e cocriamos espaços de aprendizagem, a partir do convívio, da colaboração, da criatividade e do fazer. 

O projeto Civic Signals (New Public), dedicado a construir espaços on-line mais saudáveis, elencou premissas importantes para a gestão da comunicação digital na criação desses espaços virtuais e imersivos: 

  • estimular a humanização;
  • cultivar o pertencimento;
  • construir pontes entre grupos;
  • fortalecer laços locais;
  • escalar preocupações compartilhadas;
  • amplificar a resiliência da comunidade;
  • promover o diálogo;
  • fomentar o engajamento cívico e a amplificação de vozes.

Não basta apenas olhar para as próprias comunidades e instituições, é necessário pensar e explorar futuros de forma planetária. Não é olhar para onde estávamos em 2019 e esperar voltar à normalidade. É preciso se preparar para outro lugar educacional, que será o dia a dia normal nos próximos anos. Para que isso aconteça de forma estratégica e intencional, e menos reativa, é essencial olhar para dentro, para fora, olhar junto, como já alertava o pesquisador e pensador John Hagel, sobre a necessidade de navegar de um período industrial para a era contextual.

CARLA ARENA E SAMARA BRITO são educadoras e cofundadoras do AMPLIFICA, empresa focada em criação de experiências de aprendizagem para educadores, líderes educacionais e corporativos. Educadoras Inovadoras certificadas pelo Google. Atuam na formação de profissionais para desenvolverem fluência digital e um mindset para a inovação. Carla e Samara têm projetos com parceiros como Google, Nova Escola, Fundação Lemann, Oi Futuro, Telefônica Vivo, makerspaces, editoras e universidades. Samara é Mestre no ensino de Física e pós-graduada em Matemática pela UnB. Carla é formada em Relações Internacionais, com especialização em ensino on-line e Inovação em Tecnologias Educacionais. Carla e Samara blogam no http://amplifica.me/blog e são ativas no Twitter como @carlaarena e @samarameira. 

GISELLE SANTOS é Google Innovator, Consultora de Inovação e fundadora da Human:ia, startup fundamentada na intenção de criar, por meio da Educação, acessos descomplicados para o entendimento e uso combinado das inteligências artificiais e humanas. Giselle Santos é geek assumida, curiosa por natureza e investigadora de temas como futurismo, gamificação, tecnologias disruptivas e aplicação de realidade virtual e aumentada na aprendizagem. Diariamente, troca dicas de Educação e práticas inovadoras no seu perfil no Twitter, @feedtheteacher. Em suas horas vagas, liberta brinquedos e hackeia a vida.

PARA SABER MAIS

  • ARENA, C.; BRITO, S.; SANTOS, G. Da reação ao amadurecimento: Educação on-line de longo prazo. Educatrix, São Paulo, ano 10, n. 20, 1o out. 2020. Seção Por dentro, p. 82-87. Disponível em: mod.lk/educ19. Acesso em: 17 fev. 2021.
  • BROWN, J. S.; THOMAS, D. A new culture of learning: cultivating the imagination in a world of constant change. Createspace, 2011.
  • HAGEL, J. Navigating from the Industrial Age to the Contextual Age. Blog Edge Perspectives, 15 ago. 2018. Disponível em: bit.ly/3aQmcqX. Acesso em: 17 fev. 2021.
  • LEVY, Pierre. Coroação. Pierre Levy’s Blog, [S. l.], 15 abr. 2020. Categoria Collective Intelligence. Disponível em: bit.ly/3a25NR0. Acesso em: 17 fev. 2021.
  • MEC (Brasil). Conselho Nacional de Educação esclarece principais dúvidas sobre o ensino no país durante pandemia do coronavírus. Site Ministério da Educação, Brasil, 31 mar. 2020. Seção Perguntas e Respostas. Disponível em: bit.ly/3aKYoEJ. Acesso em: 17 fev. 2021.
  • Pesquisa Juventudes e a pandemia do Coronavírus. 2020. Disponível em: bit.ly/3p5WDaq. Acesso em: 17 fev. 2021.
  • Portal New Public – For Better Digital Public Spaces: newpublic.org.
  • Projeto Simplifica: bit.ly/desafiosimplificapospandemia.
Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com