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Os itinerários formativos e o novo Ensino Médio

Como algumas escolas privadas estão aproveitando a Reforma do Ensino Médio para inovar metodologias e tornar a escola mais moderna e atraente aos jovens
Texto Ricardo Prado

“História e cinema”. “Astronomia”. “Culinária, arte e nutrição”. “Anos 60: a contracultura”. “China e Rússia: aspectos geopolíticos”. “Probabilidade estatística: tomada de decisões”. “Corpo, cultura e movimento”. “Nanociência e nanotecnologia”. “Produção de vídeo para mídias digitais”. Que jovem de 15 ou 16 anos não adoraria ter algumas dessas experiências ao longo de sua passagem pelo Ensino Médio?

A partir da aprovação da Reforma do Ensino Médio, que deve ser implementada nas redes públicas e privadas até 2022, uma parte do currículo – até 40% da carga horária – passou a ser composta por disciplinas optativas: os chamados itinerários formativos. A despeito da crítica de diversos educadores ao fato da Reforma ter reduzido a Base Comum obrigatória para 1.800 horas, e das dificuldades de sua adoção pela rede pública, principalmente em relação à oferta diversificada de itinerários formativos, nas escolas privadas esse formato flexível vem permitindo que apareçam, na grade curricular, cursos que, de fato, têm o poder de deixar a escola mais atraente para os jovens.

Cursando uma disciplina de duração breve, em um formato diferente, muita coisa pode acontecer em termos pedagógicos. Vocações podem aflorar a partir dessa experiência, futuras decepções profissionais podem ser evitadas. Uma infinidade de novas possibilidades passa a compor a formação do estudante, que ganha um controle maior sobre sua formação. A seguir, mostraremos como algumas escolas estão ajudando a desenhar um novo currículo para um novo Ensino Médio.

De eletivas disciplinares ao projeto autoral

“O nosso currículo continua bastante exigente naquilo que entendemos como os direitos de aprendizagem dos estudantes. Esse foi o primeiro nó a ser resolvido porque era necessária alguma redução no currículo clássico para incluir os itinerários”, explica Débora Vaz, diretora do Colégio Santa Cruz. “O que aconteceu foi uma negociação entre a equipe docente no sentido de uma reorganização curricular que permitisse a mudança de alguns conteúdos escolares de ano para ano, e também nas sequências didáticas, para abrir espaço para as disciplinas eletivas, que respondem à seguinte pergunta: Como o currículo reconhece a importância de que os alunos escolham, por afinidade, alguns percursos dentro de sua formação?”.

No Colégio Santa Cruz, cada aluno escolhe quatro disciplinas eletivas por semestre. Neste leque, há aquelas que deixam bem claro o DNA de origem, mas propõem recortes novos: “África nos séculos XX e XXI”; “Filosofia: mais de vinte séculos de amizade”; “Midiologia: leitura crítica da mídia”; “Fisiologia e anatomia”. Há também disciplinas temáticas, como “Mitologia”, “Inteligência artificial” ou “História do cinema”, que trazem embutida nelas uma proposta de interdisciplinaridade. Há a Pesquisa Autoral, que tem um formato diferente. São formados grupos de até 20 alunos atraídos por um dos 12 temais gerais, que podem ir de “Centro de São Paulo”, “Comida, arte e nutrição” e “Design” à “Experiência matemática”, “Filosofia e cultura” ou “Neurociência”. Sob o guarda-chuva temático, cada aluno escolherá uma forma de estudar aquele tema sob uma perspectiva autoral. O resultado, explica Marina Nunes, diretora do Ensino Médio do Santa Cruz, “pode ser algo mais acadêmico, como um artigo de divulgação, um protótipo, curta-metragem ou uma entrevista em vídeo”. No fim do ano, a escola faz um grande seminário e cada aluno/grupo tem 20 minutos para apresentar sua visão daquele tema para os colegas.

“Os alunos têm reagido bem ao novo formato”, comenta Marina, que está à frente do Ensino Médio desde 2012 e acompanhou esse processo desde a gestação, em 2015. Na hora de escolher os itinerários, vê-se de tudo. “Alguns querem só fazer eletivas da área de Exatas porque é isso o que querem fazer como faculdade. Outros pensam justamente o contrário: já que eu gosto de Exatas, vou estudar Filosofia agora porque depois não vou ter mais essa chance. Outros escolhem um curso por afinidade ao estilo de aula de algum professor. Muitos gostam mesmo é do hibridismo, de experimentar várias coisas”, analisa. “É interessante observar que estamos começando a flexibilizar os projetos de futuro dos alunos, que não precisam mais ser tão pautados por carreiras tradicionalmente reconhecidas”, conclui a diretora da instituição, Débora Vaz.

Eletivas breves fazem sucesso

O Colégio Albert Sabin optou por um formato um pouco diferente, igualmente sem abrir mão das disciplinas tradicionais que compõem o núcleo duro do ensino médio. Ou seja, tanto do Sabin quanto no Santa Cruz, as disciplinas de Sociologia e Filosofia permanecem na grade curricular. “Estamos oferecendo um modelo que acrescenta disciplinas eletivas à matriz curricular num modelo de trajetória livre”, explica a diretora pedagógica Giselle Magnossão. “O aluno pode se inscrever em até quatro disciplinas eletivas por semana, de 1h30 cada, o que propicia até seis horas suplementares de estudo”.

O Colégio Albert Sabin trabalha com disciplinas eletivas de curta duração, oferecidas a cada mês. Em 2019, já houve a oferta de temas como “Biologia no cinema: Disney, Pixar e Marvel”, “Métodos físicos e químicos para a análise de aromas”, “Introdução ao design: modelagem e prototipação”, “História social da música no Brasil”, “Tragédias ambientais e naturais do Brasil”, “Da detecção de planetas aos buracos negros”, entre outras opções. Como não é possível saber antecipadamente quais serão os temais com maior procura, a direção optou por repetir aqueles cursos mais bem avaliados ou com mais procura. “Estamos no segundo ano de implementação e bastante satisfeitos com a adesão dos alunos. Temos percebido que os alunos estão apreciando tanto a possibilidade da escolha de temas mais próximos de seus interesses e afinidades, como a duração das temporadas, que permite que eles possam se manter motivados por meio da adesão a novos temas”, conclui Giselle.

Novas disciplinas para um novo ensino médio

Um vôo panorâmico por outras escolas privadas revela que ao menos esse aspecto da Reforma do Ensino Médio vem encontrando eco entre educadores e estudantes. Vale lembrar que muitas instituições da vanguarda pedagógica já haviam começado uma reforma, ainda que tímida, nesta que tem se revelado a faixa com maiores índices de evasão escolar, e também de questionamentos quanto à sua pertinência e sentido, em toda a Educação Básica. Com um caldo de cultura já fermentado de inquietações, tanto por parte de educadores quanto de educandos, o novo formato permitiu que se abrisse um baú de ousadias didáticas.

Assim, nesse ano os alunos do Lourenço Castanho podem escolher entre aulas de Astronomia, Teatro ou ingressarem no Clube de Química. Ou terem todas essas vivências ao longo do ensino médio. Dentre as eletivas oferecidas pelo Colégio Equipe, além de Astronomia, estão presentes no cardápio “História e cinema”, “Juventude e identidade”, “São Paulo: centro e periferia”, ‘Filosofia e religião” e “Arte contemporânea”. Mesmo instituições de menor porte e tradição, como o Colégio Pinheiro, localizado na zona sul da capital, já se mobilizam para se manterem antenadas aos novos tempos educacionais, que pedem olhos atentos ao que se passa dentro e fora das escolas. “Desvendando a Biologia através dos experimentos, “Edição de vídeo” ou “Mídias digitais em inglês” são exemplos de algumas das disciplinas eletivas oferecidas neste ano pela escola. Já para os alunos do Santa Maria há disciplinas optativas como “Produção em mídias digitais”, “Direito internacional” e “Astrofísica” – essa última parece estar se tornando uma das queridinhas dos alunos nesse novo formato, às vezes atendendo pelo nome de “Astronomia”. De uma forma ou de outra, trata-se de embalar o conhecimento em uma nova roupagem, mais moderna e atraente. E, principalmente, criar condições para que surjam habilidades e competências que façam sentido na vida de cada aluno, que passa a ter, ao menos em tese, algum poder de escolha na formação que levará para o resto de sua vida.


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