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O que as famílias esperam da escola?

Em meio às mudanças que delineiam novos horizontes para a educação, famílias refletem sobre suas expectativas quanto à influência dos professores sobre os alunos, formação integral, ensino de idiomas e religião, atividades extracurriculares, infraestrutura e classificação da escola no Enem e nos principais vestibulares.

Texto Lara SilbigerFoto Ricardo Davino

A volta às aulas teve um gostinho diferente em 2019. A expectativa não girou em torno apenas dos reencontros, do planejamento das aulas ou das primeiras reuniões com os pais e responsáveis. Dessa vez, o começo do ano letivo veio acompanhado de reformas estruturais, mudanças no cenário político e, principalmente, intensas discussões ideológicas.
Se o contexto já era complexo até para os profissionais da Educação, quem dirá para as famílias. De um lado, elas assistem à reformulação dos currículos e propostas pedagógicas de escolas e redes de ensino de todo o país para atender as exigências da bncc (Base Nacional Comum Curricular). De outro, tentam se familiarizar com os conceitos de competência, habilidade e formação integral e ainda se inteirar sobre a proposta da Escola sem Partido (PL 7180/14). A tudo isso, soma-se a polarização nos debates públicos, o que também obriga mães e pais a decidir de que lado ficar.

A tarefa, que não é das mais simples, exige que as famílias se aproximem das escolas para entender o que está em jogo com as novidades na Educação Básica, ou seja, quais são os riscos e as oportunidades. Nesse movimento, reelaborar as expectativas em relação aos espaços formais de ensino será inevitável.

Nesta edição, a educatrix percorreu todas as regiões do país para conversar com seis famílias que já mergulharam nessa reflexão. Todas elas foram desafiadas a imaginar como seria a escola ideal para seus filhos. Confira a seguir os principais trechos das entrevistas.

[NORDESTE] Natal (RN)

Andre Luchessi e Vivian Nogueira são docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Eles são pais de Yasmin, 5, que estuda no Colégio Bilíngue Marie Jost, e Erik, 3, que frequenta a New Generation Canadian Preschool.

Educatrix Você considera a formação integral uma premissa da educação no século XXI?
Vivian Se por um lado as crianças têm cada vez mais acesso à informação e a estímulos para o desenvolvimento cognitivo, de outro precisam aprender a lidar com tudo isso — da ansiedade e imediatismo da era touch à conexão permanente dos pais ao trabalho graças aos conceitos de mobilidade e conectividade. Por isso, já não dá para conceber uma escola que não contemple a dimensão socioemocional do desenvolvimento. Para aprender, o aluno precisa antes estar bem psicologicamente, fisicamente e socialmente.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?
Andre Cabe à escola formar cidadãos autônomos e com consciência política, o que não significa impor-lhes direcionamentos políticos, morais, ideológicos ou religiosos. Nesse sentido, estou de acordo com o projeto de lei quando este reconhece o aluno como sujeito vulnerável frente à influência do professor. Este precisa ter consciência do seu papel e não sair falando o que bem quiser na aula – há outros espaços para fazer isso. Não só como pai, mas também como docente, entendo que a liberdade de expressão deva caminhar lado a lado com a responsabilidade pelo que se diz e o que se faz. Outro ponto com o qual concordo é a possibilidade de a família decidir sobre expor ou não o filho a determinados assuntos na escola ou, pelo menos, de ser informada previamente de que aqueles temas serão abordados.

Educatrix Quais valores você espera que a escola transmita?
Vivian Em linhas gerais, valores que coincidam com os da minha família: o respeito às diferenças, a valorização dos estudos como meio de desenvolvimento pessoal e profissional, a observância de regras, uma alimentação saudável com cardápios alinhados a princípios de saúde e à promoção do bem-estar e uma oferta diversificada de modalidades esportivas.

Educatrix Qual a importância que você atribui ao ensino de idiomas?
Vivian Quero que meus filhos tenham a possibilidade de, no futuro, escolher o que quiserem ser e, sem dúvida, o inglês abrirá portas para eles. É fundamental que a escola valorize a globalização, reconheça que não existe só o Brasil como opção e apresente aos alunos outras culturas, línguas e formas de viver. É com vistas a esse contexto global que espero que a escola invista no ensino de idiomas.

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?
Vivian O mobiliário precisa estar adequado à idade e às especificidades dos alunos. É bom que haja áreas verdes para proporcionar o contato com a natureza. Outro pré-requisito é a segurança – no interior da escola, para a prevenção de acidentes, e no exterior, para afastar a criminalidade. Quero saber que posso estacionar o carro e levar ou buscar minhas crianças com tranquilidade.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?
Andre Por si só, a boa classificação não é determinante para afirmar que uma escola seja melhor que outra. No entanto, daqui uns anos, meus filhos não terão como escapar de fazer o Enem ou outros processos seletivos para ingressar na universidade. Por isso, é inevitável que ainda usemos os rankings como parâmetro na hora de escolher — mesmo sabendo que estes não dizem muito sobre a formação que a escola proporciona.

[NORDESTE] Salvador (BA)

Rosângela Accioly é pedagoga e mãe de Nicole, 14, que estuda no Colégio Estadual de Aplicação Anísio Teixeira.

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal?
Rosângela A proposta pedagógica deve contemplar questões conceituais como diversidade, pluralidade, alteridades civilizatórias e diferença da pessoa com deficiência, bem como conhecimentos científicos – inclusive de povos cujos saberes milenares ficaram de fora do currículo oficial – e novas tecnologias. É fundamental que preveja como desdobrar tudo isso em práticas pedagógicas para os professores.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?
Rosângela Uma escola direcionada ao Enem ou ao vestibular não tem como dar conta da pessoa humana. Antes, é preciso oferecer espaços de vazão à inventividade e à criatividade para o aluno entender sua própria vocação. Muito além do mercado de trabalho, precisamos reconhecer a escola como um fator de transformação social e afetiva, envolvimento emocional e entendimento de diversidades e pluralidades. Só assim a educação será assertiva e integral.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?
Rosângela Ao meu ver, é uma proposta ideológica de silenciamento político da escola. De silenciamento das diversidades em um lugar que é de debate, por excelência. Vale destacar também que política, na sua essência, quer dizer participação – o que não tem nada a ver com participação político-partidária. Por isso, a escola deve sempre estar disposta a contribuir com o desenvolvimento social e não pode aceitar essa mordaça à sua vocação de diálogo e pluralidade. As mazelas da sociedade e também as soluções precisam ser discutidas na escola: uma instituição libertária e cuja missão é incitar o aluno a perguntar e participar da democracia.

Educatrix A ideologia de gênero deve ser abordada em sala de aula? Em quais circunstâncias?
Rosângela Falar de ideologia de gênero é necessário quando o tema surge espontaneamente. O professor não precisa ser propositivo, mas ele e os demais profissionais precisam estar aptos a acolher o assunto e a turma, por exemplo, se um menino vier para a aula com roupas tidas como femininas. A escola do século XXI é desafiadora justamente porque grita pela diversidade e pela diferença, algo que não deve ser visto como negativo, mas como um elemento constituidor da nossa humanidade.


[FIQUE POR DENTRO]

ESCOLA SEM PARTIDO
Sem consenso para votação, a proposta da Escola sem Partido (PL 7180/14 e outros) foi arquivada no final da última legislatura. Agora cabe aos novos deputados retomar o assunto. Entre outras coisas, o projeto estabelece seis deveres do professor para apresentar de “forma justa” questões políticas, socioculturais e econômicas e para não se aproveitar da “audiência cativa dos estudantes” em temas relacionados a política, religião e moral. Também proíbe “o uso de técnicas de manipulação psicológica destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa” e estipula que não haja intromissão “no processo de amadurecimento sexual dos alunos”, nem tentativa de convertê-los no que tange a questões de gênero.


[NORTE] Macapá (AM)

Eunubia Rodrigues é licenciada em História e professora dos anos iniciais do Fundamental na rede pública de Macapá. É mãe de Gabriel, 16 anos, que estuda na E.E. Maria do Carmo Viana dos Anjos.

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal?
Eunubia Almejo uma escola que priorize não só o conhecimento sistemático, como também o acolhimento à diversidade e individualidade dos alunos. Espero isso em todos os sentidos para o meu filho – da religiosidade à sexualidade –, em uma escola que tenha como marca identitária o respeito ao livre arbítrio.

Educatrix O projeto de lei da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?
Eunubia Não vejo problema de o professor manifestar seu posicionamento se ele também respeita pontos de vista diferentes. Isso é diferente de influenciar deliberadamente os alunos ou de questionar as convicções deles. Por outro lado, também confio que meu filho seja um ser pensante e com capacidade de discernimento.

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?
Eunubia Na minha região, os laboratórios de Ciências, bibliotecas e salas de leitura são ambientes ainda escassos ou precários na rede pública. No entanto, a infraestrutura para a pesquisa, inclusive com recursos digitais, é essencial tanto para a formação do aluno quanto para o suporte ao professor.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?
Eunubia Uma única prova não estabelece parâmetros da qualidade da escola, nem a capacidade do aluno. Por isso, não priorizo resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), Olimpíadas, Enem ou vestibulares, mas valorizo o profissionalismo e o comprometimento da instituição com a formação integral do meu filho.

[CENTRO-OESTE] Campo Grande (MS)

Lucimar Mello é técnica de enfermagem na rede pública de Saúde. É mãe de Beatriz, 7, que estuda na Escola Municipal Elpídio Reis, Bruno, 14, que frequenta a Escola Municipal Danda Nunes, e Lucas, 19, já na faculdade.

Educatrix Qual é a proposta pedagógica da escola ideal?
Lucimar Em primeiro lugar, deve contemplar a formação em tempo integral para proporcionar aos alunos atividades que os tornem excelentes profissionais no futuro: aulas de informática, inglês e xadrez. Ocupar o dia de forma produtiva enquanto os pais trabalham. Na prática, a maioria não tem tempo de ficar com os filhos e “male-male” acompanha a lição de casa. Outro aspecto fundamental que a proposta pedagógica deveria prever é a capacitação dos professores, bem como a equiparação da qualidade de ensino e direitos de aprendizagem nas escolas públicas em relação às privadas. No ano passado, enquanto minha filha ainda estava aprendendo a ler na escola municipal, os alunos do 2o ano de instituições privadas já faziam até interpretação de texto.

Educatrix Que valores você deseja que a escola transmita?
Lucimar A formação de valores não é exclusiva da escola, mas não tem como negar que desempenhe papel importante nesse sentido. Por isso, espero que transmita valores cristãos, promova a empatia e valorize o respeito aos idosos, pais e professores. Gostaria inclusive que voltasse o ensino religioso, sem necessariamente pender para uma denominação ou outra, mas discutir o que é certo perante a Bíblia. É claro que os pais que não concordassem com tal abordagem precisariam ter o direito de autorizar seus filhos a não participar das aulas de Ensino Religioso.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?
Lucimar Entre outras coisas, concordo que a escola não deve incentivar relacionamentos homoafetivos e atividades sexuais precoces. Defendo inclusive que não haja aulas de educação sexual até o 5o ano do Fundamental. Já no Ensino Médio, o foco deve ser a prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

[SUL] Curitiba (PR)

Debora Menegusso é administradora de empresa e mãe de Danilo, 10, que estuda no Colégio Curitibano Adventista.

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal?
Debora O ideal é um ensino mais prático e que não se resuma a aulas expositivas. Gostaria de uma proposta em que meu filho passasse menos tempo em sala de aula, com currículo diversificado – incluindo disciplinas “mão na massa” – e acesso mais próximo ao professor. Definitivamente, estudar não pode ser maçante.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?
Debora Não adianta focar só no vestibular, sendo que a vida é muito mais complexa que isso. Escolas que se apoiam em disciplina rígida e preparação estrita para provas de ingresso em universidades acabam sendo inevitavelmente limitadoras. Até mesmo porque há profissões e vestibulares que sequer existirão daqui a alguns anos. Mais importante é proporcionar ao aluno o aprendizado de como chegar aonde se deseja.


[FIQUE POR DENTRO]

FORMAÇÃO INTEGRAL
Formação integral não é sinônimo de educação em tempo integral. Enquanto esta consiste na expansão do tempo que se passa na escola, aquela diz respeito à formação e ao desenvolvimento global dos alunos. De acordo com a BNCC, a formação integral tem como princípio norteador o acolhimento, o reconhecimento e o desenvolvimento pleno do aluno, nas suas singularidades e diversidades. Para isso, contempla o aprendizado em suas dimensões cognitiva, social, emocional e física. A Base sugere ainda que se promovam pontes entre o conhecimento e a vida. 

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
De acordo com a BNCC, as competências consistem na “mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo de trabalho”. Já as habilidades estão ligadas às aprendizagens essenciais de cada disciplina e ano escolar. Sempre começam com um verbo para explicitar o processo cognitivo envolvido no seu desenvolvimento – por exemplo, em História, “diferenciar escravidão, servidão e trabalho livre no mundo antigo”.


Educatrix Que valores você deseja que a escola transmita?
Debora Basicamente, os valores éticos, morais e religiosos que minha família já traz de geração em geração. Cabe, portanto, à escola apenas reforçá-los junto às crianças.

Educatrix As atividades extracurriculares são imprescindíveis?
Debora Elas não podem faltar, entre outras coisas, porque ajudam a desenvolver habilidades e autoconhecimento. Vale investir, por exemplo, em cursos de informática, matemática, profissionalizantes, idiomas e esportes.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?
Debora Não acho que seja de todo ruim o professor manifestar seu posicionamento em sala de aula, pois ainda assim caberá somente ao aluno tomar a sua própria direção. Vale lembrar também que este já chega à escola com certa carga de informações — da família, dos amigos, da religião etc. —, à qual o docente poderá somente somar pontos de vista.

[SUDESTE] São Paulo (SP)

Cristina Hassunuma é dentista e mãe de Augusto, 11 anos, que estuda no Colégio Vértice.

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal?
Cristina Deve prever conteúdos curriculares e extracurriculares e estimular o desenvolvimento da responsabilidade e autonomia nos estudos, sem nunca perder de vista os vínculos sociais. Almejo também uma escola que atente para a educação integral, com acompanhamento individualizado da aprendizagem do aluno enquanto cidadão. Destaco ainda a necessidade de promover a formação continuada dos professores, sua inclusão na cultura digital e o uso de novas tecnologias para avaliação institucional e educacional.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?
Cristina Figurar entre os primeiros lugares do Enem é sempre favorável aos olhos das famílias. Isso porque o resultado tende a ser consequência de um bom ensino e de métodos de avaliação adequados. Ainda assim, vale ponderar que a função da escola não pode se restringir a fazer o aluno passar no vestibular. Antes de mais nada, é preciso prepará-lo para a vida em sociedade, o que vai muito além dos muros da instituição.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?
Cristina Sou a favor do projeto porque vai além da Educação. Tem a ver com democracia e direito à liberdade de expressão e pensamento. Por isso, os professores devem agir com ética e bom senso no exercício da profissão – sem qualquer viés de doutrinação –, de forma que os alunos aprendam a pensar de forma autônoma e crítica.

Educatrix As atividades extracurriculares são imprescindíveis?
Cristina Elas são um diferencial para a formação porque têm o potencial de despertar habilidades, talentos e criatividade, o que tende a melhorar não só desempenho em sala de aula como a socialização da criança. O ideal seria que todas as escolas oferecessem oficinas de artes e informática, curso de língua estrangeira, esportes diversos, culinária e feiras culturais.

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?
Cristina Não restam dúvidas de que uma infraestrutura física adequada com biblioteca, laboratório de ciências, auditório e quadras de esportes contribui para a aprendizagem. Do ponto de vista tecnológico, a escola também precisa oferecer dispositivos para leitura de livros digitais e acesso a jogos educativos, simulados e plantão on-line para tirar dúvidas de casa. O objetivo é potencializar a pesquisa e a interação com grupos de estudo que transcendem os limites da escola.


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