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Como pensar a educação inclusiva no contexto da  recomposição das aprendizagens?

A inclusão precisa ser prioridade para as redes de ensino na retomada ao presencial para estruturar novos caminhos de diagnóstico e acompanhamento. 

texto  Ana Paula Patente

Evidências de estudos nacionais e internacionais recentes apontam para o que educadores brasileiros vivenciaram na prática: que a pandemia provocada pela covid-19 deixou significativas lacunas de aprendizagem na educação. 

Nesse sentido, não é suficiente pensarmos na escola daqui para frente, mas na situação de aprendizagem antes do fechamento das escolas, para planejamento do presente e futuro da educação. Por isso, precisamos trazer para a discussão o assunto sobre a recomposição das aprendizagens e não apenas propor a recuperação dos conteúdos. 

Recuperação da aprendizagem é o termo utilizado como referência ao resgate do que foi ensinado e não foi aprendido. Através da recuperação a escola monitora o aprendizado e avalia se o estudante desenvolveu ou não a habilidade requerida. 

Já a recomposição da aprendizagem surgiu devido às expressivas mudanças ocorridas no sistema educacional durante a pandemia. Ela é a resposta à forma com que o ensino remoto chegou para a maioria dos estudantes no território brasileiro. 

Os que não tiveram acesso às aulas remotas, principalmente nas redes públicas de ensino, estão vivenciando níveis muito aquém do necessário para a  garantia do direito à Educação para todos. Assim, se os desafios da educação já eram diversos e complexos antes da pandemia, eles se agravaram ainda mais no período pós-pandemia. 

A importância do percurso escolar na recomposição das aprendizagens

Alguns elementos que devemos considerar na recomposição das aprendizagens para um percurso escolar de qualidade são: o desenvolvimento de diferentes estratégias de intervenção e adaptação das práticas pedagógicas, o planejamento e a criação de estratégias para avaliar e monitorar os aprendizados, a usabilidade de recursos didáticos adaptados e a promoção de formação continuada. 

Essas estratégias devem estar alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ao currículo do sistema, às normas e legislações pertinentes, às competências gerais e socioemocionais. 

Nessa perspectiva, fica evidente o desafio pedagógico que temos pela frente. Não só porque é momento de repensar a eficácia do modelo atual de escola, mas também porque é urgente que ela seja inclusiva. Que desenvolva um repertório educativo que acolha as diferenças, fortaleça a diversidade e contribua para a redução das desigualdades. Isso porque a inclusão escolar não acontece no ato da matrícula, mas quando se promove um percurso escolar de qualidade que assegure oportunidades para a continuidade nos níveis mais elevados de ensino.  

Os responsáveis pela inclusão escolar 

É de suma importância para a organização do trabalho pedagógico a composição de uma equipe comprometida em zelar pelo percurso escolar. 

Assim, cada pessoa dessa equipe, com sua competência profissional, deve desenvolver ações norteadas por um trabalho colaborativo, que tenha como fim minimizar as iminências de fracasso escolar. 

A responsabilidade começa desde a entrada no portão da escola até a sua saída para casa. Enquanto o estudante permanece no ambiente escolar há  responsabilidade pelo ensino e aprendizagem dele, tenha deficiência ou não. Veja o que o artigo 6o da Resolução 2 de 2001 do Conselho Nacional de Educação preceitua sobre isso: 

“Para a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos e a tomada de decisões quanto ao atendimento necessário, a escola deve realizar, com assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, contando, para tal, com: 

  1. A experiência de seu corpo docente, seus diretores, coordenadores, orientadores e supervisores educacionais; 
  2. O setor responsável pela educação especial do respectivo sistema; 
  3. A colaboração da família e a cooperação dos serviços de Saúde, Assistência Social, Trabalho, Justiça e Esporte,  bem como do Ministério Público, quando necessário.”. 

E para ilustrar este artigo veja a representação gráfica a seguir: 

Como (re)organizar a escola para a recomposição das aprendizagens

A pandemia evidenciou não só a fragilidade da educação como também revelou a necessidade de nos reorganizarmos em torno de ações estratégicas que gerem mudanças. Nesse sentido, acreditamos ser o momento de repensar a educação, reimaginar os espaços de aprendizagem e reorganizar a escola. 

Para isso, propomos que a escola se organize em torno de dois desafios: 

Desafio 1 • Implantação do Modelo de Resposta à Intervenção (RTI)

O RTI é um modelo de programa educacional criado para a identificação precoce e intervenção em estudantes que apresentem probabilidade de desenvolver transtornos de aprendizagem. Sua proposta é agir antes de o estudante falhar ou de não haver mais tempo hábil no ano letivo. 

O modelo pode ser organizado a partir de três camadas, conforme descrito a seguir: 

{CAMADA 1} Tem início na sala de aula, com todos os estudantes. O objetivo é oferecer uma escolarização de alta qualidade, pensada para todos, pautada nos princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA). 

Devem ser oferecidas práticas escolares com melhor evidência para o ensino e a aplicação de avaliações sistemáticas para identificação precoce das dificuldades de aprendizagem. 

Estudantes que não alcançam o rendimento escolar esperado são encaminhados para a segunda camada. 

{CAMADA 2} É organizada para os estudantes que apresentaram baixo desempenho na camada anterior. Tem um caráter intensivo e se assemelha a uma proposta de intervenção pedagógica organizada em pequenos grupos. 

As atividades a serem desenvolvidas, a intensidade da intervenção e a organização dos grupos têm como ponto de partida o trabalho realizado na camada 1. 

Os estudantes que não alcançarem os objetivos propostos são encaminhados para atendimento educacional individualizado, na camada 3.

{CAMADA 3} Essa camada está vinculada à oferta do atendimento educacional especial. A diferença está na intensidade e precisão das intervenções, que são individualizadas. 

O estudante pode ingressar nesta camada a partir do diagnóstico ou quando a intervenção da camada anterior não foi suficiente. 

Aqui se realiza uma avaliação individualizada para identificar com exatidão as necessidades educativas não consolidadas. Com base nessa avaliação, é momento de pensar no planejamento das atividades individualizadas através do PDI. 

PDI é o Plano de Desenvolvimento Individual, um documento que deve ser elaborado para a garantia do percurso escolar de qualidade por meio de um programa de ensino adaptado e acessível ao currículo. 

É por isso que ele é o segundo desafio que queremos propor para o desenvolvimento de ações práticas na recomposição das aprendizagens no AEE. 

Desafio 2 • Elaborar o PDI 

Embora não seja novidade na educação inclusiva, a elaboração do PDI ainda é permeada por dúvidas e inseguranças. Pensando nisso, elaboramos uma metodologia chamada de Indicadores de Qualidade do PDI. Seu caráter prático a habilita para ser utilizada por qualquer rede de ensino e ainda atender estudantes com qualquer tipo de deficiência. 

Os Indicadores de Qualidade do PDI são uma excelente ferramenta para garantir a recomposição da aprendizagem dos estudantes do AEE. O gráfico a seguir exemplifica sua estrutura. Na sequência, veja como ele pode ser elaborado na prática: 

  1. HISTÓRIA DE VIDA | Conhecer o estudante é fundamental para a individualização do atendimento escolar uma vez que se relaciona com o reconhecimento da identidade, com a observação do caráter humano antes da deficiência. 
  2. DIAGNÓSTICO MÉDICO | O diagnóstico é necessário porque ajuda a escola a identificar os impedimentos do estudante na estrutura e função do corpo. Porém, não pode ser o norteador das atividades pedagógicas.  Por esse motivo, a Nota Técnica 04/2014 / MEC / SECADI / DPEE informa que ele não pode ser considerado imprescindível para a garantia do acesso à escolarização. No entanto, se a escola julgar necessário, pode solicitá-lo como documento complementar. 
  3. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA INICIAL | Ela reúne informações do percurso escolar anterior e do conhecimento prévio. Seu objetivo não deve ser o de julgar o que o estudante não sabe, mas obter o ponto de partida para o planejamento pedagógico. Por meio dela é possível levantar os melhores recursos, estratégias e metodologias para a recomposição das aprendizagens. Essa avaliação pode ser utilizada no início do ano letivo, no momento de introdução de cada conteúdo e ao final de cada período escolar. 
  4. PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO | Seu foco está em organizar intencionalmente espaço, tempo, materiais, atividades e estratégias de trabalho, propor novas ações com base na reflexão do trabalho diário e do desenvolvimento das habilidades e competências. Trabalhar de forma intencional é deixar de lado as atividades soltas e sem propósito e colocar no lugar tudo o que favorece o desenvolvimento das dificuldades de cada estudante. 
  5. MONITORAMENTO DO APRENDIZADO | Esse é um importante instrumento no acompanhamento sistemático dos avanços, progressos, identificação das dificuldades e retomada do conteúdo. Assim, é possível planejar diferentes ações para o que não foi consolidado, novas formas de ensinar o que não foi aprendido e buscar novas metodologias de ensino. Sabendo que cada estudante apresenta diferentes graus de desenvolvimento, o monitoramento contínuo impede que as lacunas no aprendizado só sejam identificadas ao final de longos períodos, quando não há mais tempo hábil para intervenções.  
  6. FLEXIBILIZAÇÕES CURRICULARES | As flexibilizações têm por objetivo trazer um equilíbrio entre a necessidade educacional, a proposta curricular e as habilidades que precisam ser priorizadas. Elas favorecem a participação da maioria, senão de todas, as atividades comuns à turma, ou seja, contribuem para eliminar as barreiras que impedem a plena participação do estudante. Enfim, a pretexto da recomposição das aprendizagens é tempo de aproveitarmos as oportunidades educativas para transformar nossas escolas em locais educativos mais justos, equitativos e sustentáveis, e proporcionar aos nossos estudantes que se tornem pessoas autônomas, solidárias e competentes.  
Ana Paula Patente 

atua na Educação Inclusiva há mais de 15 anos na capacitação de profissionais do AEE e na implantação de Salas de Recursos da rede pública de Minas Gerais. É autora do livro Guia definitivo para elaborar o PDI e fundadora da Comunidade Educadores Inclusivos, que reúne on-line educadores de todo o Brasil. 

Para saber mais

  • ANDRADE, O. V. C. A; ANDRADE, P. E.; CAPELLINI, S. A. Modelo de resposta à intervenção: RTI: como identificar e intervir com crianças de risco para os transtornos de aprendizagem. São José dos Campos (SP): Pulso, 2014. 
  • PATENTE, Ana Paula. Guia definitivo para elaborar o PDI. 4. ed. Belo Horizonte: Ed. da Autora, 2017. 
  • Instagram: @inclusaonapratica.
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