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De portas abertas para a inclusão

À medida que avançam as matrículas da educação especial na escola regular, crescem também os desafios para criar um ambiente seguro de aprendizado, gerar sensação de pertencimento e desenvolver todos, sem que ninguém fique para trás.  

texto  Lara Silbiger

Dizem os mais antigos que contra fatos não há argumentos. Mas será que isso também se aplica aos alunos da educação especial quando o assunto é o direito a uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, tal como recomenda a Organização das Nações Unidas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sobre Educação de Qualidade?

Segundo o Censo Escolar 2022 do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o número de matrículas desses estudantes na educação básica cresceu 29,3% entre 2018 e 2022. “A população entendeu que lugar de qualquer criança é na escola. Isso é educação inclusiva e ela já está acontecendo”, comenta a mestre em Educação Liliane Garcez, idealizadora e articuladora do COLETIVXS, grupo que estuda, dialoga e executa intervenções em prol da inclusão educacional e social.

Os dados ainda revelam que o percentual de matrículas de alunos incluídos em classes comuns também vem aumentando gradativamente, passando de 92% em 2018 para 94,2% em 2022. “Até meados dos anos 1990, os estudantes da educação especial praticamente só estavam nas escolas especializadas”, lembra Liliane. Para ela, é um salto e tanto que aconteceu em pouco tempo e é fruto do movimento mundial em prol da educação inclusiva e das políticas brasileiras, o que mostra que o país está no caminho certo em relação à garantia de acesso a esses alunos. Contudo, a especialista acredita que a pergunta a ser feita é outra: “Como estamos nos organizando para dar conta desse direito? O que está acontecendo nas escolas?”, questiona ela. 

Para Augusto Galery, coordenador de Gestão Educacional no Instituto Rodrigo Mendes e professor de Psicologia na Fecap, estamos diante de um novo paradigma de educação. “Já não cabem remendos para atender estudantes com deficiência ou outras condições. Precisamos criar um modelo que vá além de ensinar o aluno médio — o que, por si só, é um mito —,
mas contemple todos.” Liliane Garcez concorda com Galery que o desafio não é dos mais simples. “Exige mobilizar as escolas para que, de fato, a inclusão se complete. Demanda mudar atitudes, estruturas”, afirma. 

Incluir é: valorizar, respeitar e fazer pertencer

“As escolas devem ser espaços educacionais protegidos, uma vez que apoiam a inclusão, a equidade e o bem-estar individual e coletivo”, recomenda a Unesco no documento Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação, de 2022. 

Para a neurocientista Carola Videira, fundadora da ONG Turma do Jiló, especializada em Educação Inclusiva, cabe à escola acolher o estudante e prover um ambiente seguro para o aprendizado tanto no âmbito físico e psicológico quanto emocional. “Em termos práticos, isso significa promover ações de respeito aos direitos humanos, combater a violência escolar, o preconceito e a discriminação e desenvolver nos alunos habilidades socioemocionais. Como alguém pode aprender, por exemplo, sentindo vergonha de sua própria condição?”

Ainda no documento da Unesco, “a inclusão na educação significa garantir que todos os estudantes se sintam valorizados e respeitados, e que possam desfrutar de um verdadeiro sentimento de pertencimento”. Por outro lado, a escola que se diz inclusiva mas deixa de fora ou para trás um único estudante acaba não sendo inclusiva para nenhum. É o que garante Carola, que foi mãe de uma criança com deficiência e hoje luta pela inclusão de tantas outras. 

Fonte: Inep/Censo Escolar 2022.

Incluir é: identificar potenciais, garantir as mesmas oportunidades e desenvolver

“A neurociência parte do princípio de que todos os cérebros aprendem”, explica Carola Videira. Sob essa perspectiva, a educação inclusiva é aquela que reconhece a individualidade das crianças e respeita os diferentes tempos e ritmos de aprendizagem. Demanda um olhar sistêmico e integral do indivíduo. “E aí está a beleza da educação inclusiva. Ela tira o holofote da dificuldade de aprendizagem e lança luz sobre os desafios da ensinagem”, comenta a neurocientista. 

Um dos desafios a ser transpassado é o de o professor ser capaz de ensinar a mesma coisa de diferentes maneiras, considerando as múltiplas inteligências. “O problema é que nosso sistema de educação ainda impõe barreiras, traça montanhas e define que todos têm de chegar a determinada altura – e, se possível, juntos. O conteúdo ainda é pensado para o coletivo, em detrimento do indivíduo”, lamenta Carola. 

Outro aspecto que contribui para limitar, de antemão, até onde o estudante pode chegar são as nomenclaturas, que rotulam e restringem possibilidades. “A escola que quer entender primeiro qual é o laudo ou o diagnóstico do aluno inevitavelmente acabará limitando as apostas que fará nele”, afirma Liliane Garcez, especialista do COLETIVXS. Não é à toa que são sempre os mesmos alunos que vão ficando para trás, que recebem menos oportunidades. “Acabam sendo vítimas do capacitismo, racismo, machismo e outras formas de discriminação”, completa.

Em busca de novos caminhos para a inclusão, no documento Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação, a Unesco faz um convite para as escolas: “Também há o que ‘desaprender’, como vieses, preconceitos e polarizações hostis. A avaliação deve refletir esses objetivos pedagógicos, de modo que promova crescimento e aprendizagem significativos para todos os estudantes”.

Inclusão à luz da BNCC

A inclusão, como caminho para alcançar a equidade, é tema de destaque na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Por exemplo, ela está presente nas competências gerais 9 e 10, que destacam respectivamente o “respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza” e o agir e a tomada de decisões com “base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”.

A BNCC ainda destaca o compromisso de reverter a exclusão histórica com grupos marginalizados, como povos originários e populações das comunidades remanescentes de quilombos e demais afrodescendentes, e alunos com deficiência. Reconhece, ainda, a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular.

O documento traz ainda as aprendizagens essenciais para todos os estudantes da educação básica. “Isso não quer dizer que seja um plano fechado. A educação vai além dos objetos de aprendizagem ali definidos, que não podem ser encarados como o objetivo final. Isso dificultaria – e muito – a inclusão sob a perspectiva da educação especial, pois levaria a uma rigidez da pedagogia nas escolas e iria justamente contra todo o esforço que a BNCC fez de pensar a inclusão”, alerta Augusto, do Instituto Rodrigo Mendes.

Incluir é: incentivar a colaboração, empatia e compaixão

Na busca de caminhos para garantir sociedades mais justas e pacíficas, a Unesco reconhece que um dos maiores desafios da atualidade é a forma como educamos. Ao convidar as escolas para lançar um novo olhar para a aprendizagem e as relações entre os estudantes, os professores, o conhecimento e o mundo, ela sugere que “a pedagogia deve ser organizada com base nos princípios de cooperação, colaboração e solidariedade. Deve promover as capacidades intelectuais, sociais e morais dos estudantes, para que trabalhem juntos e transformem o mundo com empatia e compaixão”, preceitos no documento Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação.

E os benefícios são para todos. “A educação inclusiva não é sobre ‘ou’ — ele ‘ou’ eu. É sobre ‘e’ — ele ‘e’ eu. Uma criança que convive com outra diferente dela é uma criança que desenvolve uma mente flexível e com mais capacidade de achar soluções para problemas complexos”, garante a neurocientista Carola. 

Considerando que a educação inclusiva pressupõe um processo coletivo de aprendizagem, a Unesco ainda recomenda que as escolas sejam “lugares que reúnam grupos diversos de pessoas e os exponham a desafios e possibilidades que não estão disponíveis em outros lugares. As arquiteturas, os espaços, os horários, os cronogramas de aulas e os agrupamentos de estudantes nas escolas devem ser reelaborados para incentivar e permitir que os indivíduos trabalhem juntos”.

Segundo Augusto Galery, a educação no mundo vive um momento de transição, em que estão sendo repensadas as práticas, os objetivos e os papéis. “A escola ganha cada vez mais força como espaço coletivo. Formado por todos e para todos – inclusive por e para os educadores. De um espaço físico onde diversas teorias convergem, passaremos a um espaço pedagógico onde elas conversam entre si para atender a todas as pessoas.”

Até então, segundo ele, estávamos acostumados com o professor no centro da educação. Agora tudo caminha para que o aluno esteja no centro, e os professores, ao redor, discutindo o que fazer em prol dele. 

No contexto da inclusão na escola, o olhar individualizado ganha ainda mais importância. “Só é possível ver todos se antes eu olhar cada estudante”, completa ele.


Para saber mais

  • UNESCO. Relatório de monitoramento global da educação: Inclusão e educação: todos, sem exceção. Disponível em: mod.lk/ed24_ge1. Acesso em: 13 abr. 2023.  
  • UNESCO e Fundação SM. Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação. Disponível em: mod.lk/ed24_ge9. Acesso em: 13 abr. 2023.
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