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De olho no NEM: flexibilidade a favor do protagonismo do aluno

Qual a relação entre o protagonismo do aluno e as mudanças do Novo Ensino Médio?

texto  Solange Petrosino

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) do Ensino Médio, homologada em 2018, e o Novo Ensino Médio (nem), regulamentado pela Lei 13.415, de 2017, que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), têm seus documentos permeados pelo objetivo de desenvolver o protagonismo nos alunos, reforçando a formação integral que o instrumentalize para sua inserção social e profissional.

A BNCC é uma referência para que estados, municípios e escolas elaborem seus currículos. O documento traz as aprendizagens essenciais que os alunos devem desenvolver nas etapas escolares. Na BNCC do Ensino Médio, a estrutura é apresentada por áreas do conhecimento e as habilidades e competências devem ser desenvolvidas a partir de estratégias diversificadas que promovam a autonomia e o autoconhecimento para que os alunos se tornem cidadãos atuantes em seu contexto, saibam resolver demandas complexas da realidade e contribuam para uma sociedade mais justa e igualitária. 

Alinhada com a BNCC está a Reforma do Ensino Médio — ou Novo Ensino Médio (NEM) — que orienta uma nova organização curricular mais integrada e com foco na preparação para a vida e no exercício da cidadania. E, claro, no protagonismo do aluno.

Na Reforma do Ensino Médio, a lei prevê dois grandes blocos do currículo: Formação Geral Básica (fgb) e os Itinerários Formativos (if) — veja quadro ao lado. Além deles, prenuncia também o Projeto de Vida, que pode ser parte da FGB ou dos IF, apoiando um processo reflexivo do aluno sobre qual o seu papel no mundo. Essa organização visa desenvolver a autonomia e incentivar a participação coletiva, a cooperação, a mediação e a intervenção sociocultural, elementos essenciais ao protagonismo do aluno. 

O que é promover o protagonismo?

Promover o protagonismo é uma questão de concepção de educação: quais fatores levam à autonomia do aluno e sua atuação mais efetiva dentro e fora da escola? Trabalhar por áreas, diminuindo a fragmentação curricular, personalizar o ensino, propor um desenvolvimento integral, trazer demandas complexas da realidade para contextualizar o ensino, entre outras, contribuem para formar alunos protagonistas. Esse posicionamento impacta a prática educativa, transforma o planejamento, as estratégias e as metodologias, a avaliação e, claro, como o professor organiza as decisões pedagógicas, visando ao protagonismo. 

Cada educador, com base na sua experiência e formação, deve encontrar as melhores práticas para que o aluno assuma o papel principal e desenvolva competências para ser atuante em qualquer ambiente do qual ele faça parte. Isso pode ser feito com atividades diversas, com a promoção de construções coletivas de saberes e de produtos, tarefas com foco na empatia, que permitam conhecer dificuldades e facilidades suas e dos outros e intervenções cooperativas. O professor deve apresentar os objetos do conhecimento vinculados ao desenvolvimento de competências em um processo de experimentação, reflexão, compreensão e conceituação. A seguir, são apresentadas algumas propostas de metodologias e abordagens para esse processo: 

  1. Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP): do inglês Problem Based Learning (PBL), é uma metodologia que sugere apresentar uma situação sem resolução imediata para refletir, pesquisar, levantar hipóteses, discutir caminhos de trabalho e de solução, além de compartilhar os saberes. A escolha do tema pode ter por base o contexto ou ser de acordo com o interesse da turma. É uma possibilidade para educadores que têm a concepção de educação como fruto da construção do conhecimento dentro de uma aprendizagem significativa.
  2. Trabalho em grupo: excelente estratégia que, para ser efetiva e permitir o exercício de autonomia, demanda um bom planejamento que considere clareza nos objetivos, boas orientações e mediação adequada para que todos tenham a oportunidade de se desenvolver. Uma dica é agrupar alunos com competências complementares para que todos tenham proatividade e atitude e possam contribuir de maneira efetiva durante a execução do trabalho.
  3. Visão interdisciplinar: o conceito de interdisciplinaridade não exclui as disciplinas; o que diferencia é a organização e a proposta didática. O mundo é complexo e interdisciplinar, e quando trazemos a realidade para estudar e refletir sobre ela, precisamos entender a parte e o todo, o local e o global, o genérico e o específico. Não fragmentar significa estudar as partes com vistas ao todo. 
  4. Assembleias: soluções em conjunto tornam os alunos corresponsáveis pelas escolhas e participantes do processo de organização, seja da escola, da turma ou das atividades.
  5. Autoavaliação: a avaliação nasce a partir dos objetivos e intenções no planejamento. Deve trazer dados sobre o atingimento ou não dos objetivos, e o acompanhamento permite intervenções para ampliar a aprendizagem. Se o professor tem clareza do que está avaliando, o porquê e o como, fica fácil compartilhar os critérios e incentivar que os alunos se autoavaliem. Ao comparar sua autoavaliação com a avaliação do professor, ambos refletem sobre os resultados e analisam se eles refletem fielmente a aprendizagem. Todos ganham: o professor, com a clareza para intervenções adequadas, e o aluno, que desenvolve a capacidade de autogestão.

Organização da escola e implantação

As mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio exigem a composição de um novo currículo que revisite temas como: formação de professores, matriz curricular, tempos e espaços escolares e o envolvimento da comunidade.

Os professores em suas formações iniciais não tiveram essa perspectiva educacional como foco, por isso é necessário pensar na formação docente contínua dentro de seu espaço de atuação. Vale ressaltar a importância do professor nesse papel de transformador, o que reforça a necessidade de ressignificar a sua prática.

No portal do Ministério da Educação (MEC), o documento “Diretrizes para formação docente com os fundamentos e dimensões: do conhecimento profissional, da prática profissional e do engajamento profissional” serve como orientador para organizar as etapas da formação dos professores. Essas formações não devem ser momentos isolados, mas sim um projeto de desenvolvimento docente que considere o contexto do professor e estabeleça tempos e movimentos.

A construção da matriz curricular deve considerar o currículo existente e quais serão as principais mudanças para atender às exigências legais e às necessidades locais. Para 2022, a escola deve ter 3.000 horas de carga horária e vislumbrar um horizonte de tempo integral com 4.200 horas. Algumas escolas já possuem essa carga horária ampliada. Dessas 3.000 horas, 1.800 são dedicadas à Formação Geral Básica, independentemente da carga horária total, e devem ser destinadas ao desenvolvimento das competências e habilidades propostas na BNCC. As demais horas são para organização dos Itinerários Formativos, divididos em Unidades Curriculares Comuns, Específicas e Eletivas. Cabe às instituições decidir como utilizar e em que proporção as três modalidades na parte flexível do currículo, considerando o perfil dos estudantes. Há a obrigatoriedade de ter a parte flexível para o aluno direcionar seus estudos de acordo com seus interesses de forma interdisciplinar.

Em relação aos tempos e espaços, o Novo Ensino Médio traz ao debate tudo o que acontece dentro e fora da escola, seja no virtual ou no presencial, na sala de aula e no mundo. É preciso pensar em uma educação para o desenvolvimento de competências e o protagonismo. Essa nova forma de pensar demanda opções diferentes de espaços, que devem ser escolhidos de acordo com o objetivo de aprendizagem, entendendo o que atende ao propósito do planejamento do professor. Por exemplo, debate em sala de aula ou fórum na internet? O objetivo é ampliar repertório e visões sobre um tema? Talvez o fórum seja melhor. O objetivo é desenvolver argumentação? A sala de aula pode ser melhor, já que permite falas mais profundas e espaço para intervenções. É essencial prever momentos do aluno longe do professor, em uma ideia de sala de aula invertida, no ritmo do estudante. Isso pode e deve ser devidamente orientado para que a turma consiga superar desafios propostos nas atividades.

Uma questão pertinente é o envolvimento da comunidade. Trazê-la para decisões e orientá-la deve fazer parte da implementação das mudanças. É tudo novo para todos. Por isso, famílias, alunos e colaboradores da escola precisam ser envolvidos e contribuir para que as mudanças foquem no protagonismo do estudante. 

Outro aspecto a ser considerado é o processo de transformação. Deve-se considerar os alunos cursantes e os ingressantes. Para os Anos Finais do Ensino Fundamental, há objetos do conhecimento associados às habilidades que foram antecipados, outros postergados, além dos acrescidos e os eliminados. Vale montar uma planilha e elaborar um currículo de transição. O currículo de 2022 não precisa ser igual ao de 2023, 2024 e assim por diante. Para o Ensino Médio, não há progressão de competências, mas uma transição responsável deve considerar os alunos das diferentes séries e como serão impactados pelo Enem, pelos processos seletivos e pelo mercado de trabalho.


SOLANGE PETROSINO é graduada em Biologia e Pedagogia, com especialização em Saúde Pública com ênfase em Educação pela USP, pós-graduada pela Faculdade de Saúde Pública da USP e extensão universitária em Formação de professores. Com 30 anos de vivência profissional na área de educação, hoje é Diretora Acadêmica da Editora Moderna.

Para saber mais

  • Cenpec. Novas diretrizes para formação inicial de professores. Blog Cenpec. Disponível em: mod.lk/ed21_cn1. Acesso em: 3 jul. 2021.

Imprensa Jovem: educação midiática aproxima escola e comunidade

texto  Carlos Lira

O programa Imprensa Jovem é uma política pública de educação na cidade de São Paulo, instituída em 2016 como programa pela Portaria 7.991/2016, que determinou a prática em toda a rede. O programa já alcançou 416 escolas com projetos na Educação Infantil (Imprensa Mirim), no Fundamental, no Médio e até em três aldeias indígenas da cidade.

A iniciativa foi criada em 2005 por um grupo de estudantes da EMEF Pedro Teixeira, em São Paulo. A sugestão era integrar os estudantes da EJA, que estudavam à noite, ao programa Radioescola (desenvolvido pelos alunos), expandindo as notícias para além dos muros da escola. Assim nasceu o projeto Agência de Notícias Imprensa Jovem, que, além de outros prêmios, foi reconhecido em 2019 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts como prática de educação criativa e, em 2020, pela Unesco, como referência mundial de Educação Midiática (Prêmio Aliança Global pela Educação Midiática). 

O projeto incentiva o protagonismo infantojuvenil a partir de rotinas de comunicação, promove a comunicação livre e democrática na comunidade escolar, desenvolve ações pedagógicas a favor da interdisciplinaridade, da autonomia, da cultura digital e da colaboração, e forma os alunos para uma leitura crítica da mídia, além de promover a autoria.

Na prática, o projeto potencializa a expressão comunicativa e criativa e estimula o diálogo e a participação. É um projeto de Educomunicação que educa para comunicação. A coparticipação, a produção multimídia em diversas linguagens comunicativas, a intervenção social na comunidade e a alfabetização midiática garantem aos estudantes espaço para um posicionamento crítico e reflexivo sobre as mídias que consomem. A experiência como produtores de mídia colabora na leitura e compreensão das fake news espalhadas nas redes sociais, por exemplo. Nos mais de 15 anos de existência nas escolas municipais de São Paulo, os alunos participaram de coberturas jornalísticas de eventos, entrevistas, campanhas informativas com foco na intervenção social e a criação de canais de comunicação comunitária nas escolas. 

Como criar uma Agência de Notícias Imprensa Jovem

  1. Convide um professor para ser mediador do projeto. Pode ser de qualquer área, desde que esteja aberto a ouvir as demandas dos alunos para criação dos conteúdos.
  2. Reúna um grupo de, no mínimo, dez estudantes diversos entre si: meninas e meninos, crianças e adolescentes, culturas e etnias diferentes. 
  3. Elabore um projeto de, preferencialmente, um ano letivo de duração. Redija um documento com objetivos, etapas, responsáveis etc.
  4. Submeta a proposta para aprovação do Conselho da escola e integre ao PPP da unidade educacional, o que ajuda a garantir viabilidade pedagógica e validação coletiva da comunidade.
  5. Utilize o laboratório de informática para produção de conteúdos. Os computadores com acesso à internet têm o necessário para o desenvolvimento do projeto.
  6. Crie canais de comunicação digital para integrar as redes sociais: blog, site, canal de vídeo, revista digital, jornal on-line, podcast. Os recursos digitais on-line permitem a socialização dos conteúdos com a comunidade.
  7. Use o celular. Há muitos recursos que garantem o desenvolvimento das ações.
  8. Certifique-se de que os alunos menores tenham autorização de uso de imagens para a divulgação nos canais da escola.
  9. Faça formações com os alunos sobre linguagem de comunicação, tecnologia e leitura crítica da mídia. Incentive os professores a realizarem uma formação com especialistas em Educomunicação. 
  10. Divulgue o Imprensa Jovem aos professores para que eles conheçam o trabalho pedagógico. O reconhecimento pode gerar projetos interdisciplinares e de ação educativa. 

Imprensa Jovem no Ensino Médio 

O potencial do projeto na formação de adolescentes é ilimitado. A produção de mídia em diversas linguagens (rádio, audiovisual, fotografia, HQs, mídias sociais, jornal) pode ser desenvolvida na sala de aula. O aluno muda de um estado passivo, em que recebe a informação, para um estado de sujeito participativo, com o professor como mediador do processo. Assim, a aula se torna mais atraente. 

O Ensino Médio sofre com a evasão escolar. Torná-lo atrativo para o estudante é torná-lo atrativo para a sociedade. Processos educomunicativos contribuem na construção dos projetos de vida dos estudantes. Produzir comunicação inclui todos, independentemente de sua condição. Temos histórias de pessoas com deficiência, com dificuldades para aprendizagens, imigrantes ou refugiados, tímidos ou em situação de vulnerabilidade social que desenvolveram habilidades significativas. Há lugar para todos na Educomunicação.


CARLOS LIRA é professor, radialista, especialista em Educomunicação. Atualmente coordena o Núcleo Técnico de Currículo em Educomunicação na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Criador do Programa Imprensa Jovem é fellow do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ganhador do Prêmio Aprendizagem Criativa do MIT e do prêmio Aliança Global de Educação Midiática da Unesco.

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