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A retomada das aulas e o futuro das escolas

Com a volta às aulas presenciais, a grande pergunta é se as escolas vão retroceder ou avançar rumo ao futuro da educação. E que futuro será esse?

texto Paulo de Camargo

O Colégio Águia, na cidade de Belo Jardim, a 50 km de Caruaru, abriu suas portas há 38 anos. Quando a pandemia obrigou o fechamento da escola para as aulas presenciais, sua terceira unidade tinha acabado de ser inaugurada. Como se tivesse sido planejada para os protocolos que meses depois seriam adotados, a instituição tinha as salas abertas, ventiladas, com novas salas de aula, laboratórios e área externa. Por isso, os espaços não foram o principal desafio para a retomada das aulas presenciais. “Não foram necessárias novas obras físicas, nem subir paredes, porque nossos espaços já comportavam as necessidades”, diz o diretor Davi Henrique Veloso, que nasceu apenas 18 dias depois da criação da escola e sempre teve sua vida ligada ao projeto educativo. 

De resto, tapetes sanitizantes, álcool em gel 70º, distanciamento mínimo e suspensão de atividades físicas com contato compuseram o protocolo. 

O foco principal foi trabalhar pelo equilíbrio da equipe. Para fazer frente ao medo, à ansiedade, à tristeza dos educadores que voltavam para a escola, o Colégio Águia investiu em atividades com psicólogos, formações no campo socioemocional e em práticas recreativas. O passo transformador foi o esforço necessário no uso de tecnologia. “Sabíamos antes que precisávamos avançar nesse campo, mas fizemos planos para que isso acontecesse ao longo de cinco anos. Com a pandemia, tudo se tornou muito urgente”, diz Davi Veloso. 

A partir da compra de equipamentos, da melhoria da infraestrutura de rede e do treinamento das equipes, a escola pôs em prática um projeto de aulas remotas, que ainda está em funcionamento. Como também realiza consultoria para outras escolas, Veloso sabe bem como havia grandes defasagens. “Vi muita gente gravando aulas pelo WhatsApp”, lembra. Esse legado colocou sua escola em outro patamar e abriu espaço para novas práticas no pós-pandemia, conforme a expectativa de Davi.

Cecília Chiari, gestora educacional da Escola Axis Mundi, em Campinas (SP), tem uma percepção parecida. Seu ano começou com um intenso planejamento para a retomada, com providências materiais como a separação dos portões de entrada e saída, a redivisão de turmas para o uso alternado dos espaços, a abertura de novas salas com divisórias flexíveis e mais aberturas para a ventilação. Todavia, há algo novo na experiência da Axis Mundi: assim como perdeu muitos alunos no início da pandemia, agora a instituição cresce rapidamente com a chegada de egressos da rede pública, que buscam uma educação com mais recursos para enfrentar as limitações impostas pelo vírus.

Cecília, que viajou por diferentes países para conhecer propostas educativas inovadoras, trouxe diversas práticas que, agora, se mostram muito relevantes. Por exemplo, incluir a comunicação com a família como parte do processo avaliativo. A aferição da aprendizagem não se resume a avaliações quantitativas, mas inclui um olhar compartilhado por meio do diálogo com o aluno e com seus pais — que, afinal, participaram diretamente no período das aulas remotas. “Olhei muito para o que mundo estava fazendo e trouxe para as nossas práticas. Precisamos ser conscientes de que não houve só perdas pedagógicas. Foi um momento em que todos nos reavaliamos, os pais também se reavaliaram. A educação se humanizou, ficou mais real”, afirma a diretora.

Um olhar para o futuro

Há muitos pontos em comum no que as escolas viveram ao longo de dois anos de inédita dificuldade nas escolas. De um lado, todos viveram as dores da perda, do distanciamento, da incerteza angustiante e da necessidade de recompor a aprendizagem. De outro, ouve-se dos diretores o relato dos legados, do esforço feito para manter a educação viva, o que implicou colocar em pé projetos de educação baseados em tecnologia, bem como rever as relações com a família. Nesse período intenso e de de grande esforço na formação, comparado por muitos especialistas ao avanço de uma década em um ano, no ponto de vista da proficiência dos professores, foi possível dar o primeiro passo para uma educação híbrida, em que a tecnologia estará mais ativa no cotidiano pedagógico.

Por um lado, é consenso entre os diretores que as equipes pedagógicas se sentiram mais potentes para encarar novos projetos. Essa é a percepção da diretora Roberta Mardegam, Diretora Executiva da RRA Associação Educacional, que reúne escolas na Zona Norte de São Paulo, como o Cermac e a bilíngue High Line. “Aumentou muito a velocidade com que os professores abraçam todas as mudanças para vivenciar novas formas e a experiência de aprendizagem, e não apenas pela tecnologia. Se antes eu tinha um professor animado para cada dez resistentes, hoje é o inverso. Isso acaba sendo positivo para a experiência do aluno”, conta Roberta. Além disso, o fato de os alunos ficarem menos em sala de aula e mais em outros espaços abertos, para seguir os protocolos estabelecidos pela gestão, também vem trazendo resultado positivo. “A aula sai do giz e lousa, traz mais práticas, mais vivências”, explica.

Por outro lado, quem esperava uma arrancada rápida em direção ao futuro pode estar decepcionado. Havia, por exemplo, a aposta em uma evolução rápida das aulas remotas para um redesenho curricular em direção ao modelo híbrido — em que os alunos podem estar trabalhando em diferentes projetos, por exemplo, em estações, de forma concomitante em ambientes virtuais e físicos. Contudo, a arrancada inicial parece estar arrefecendo.

Pistas nesse sentido vêm do Christensen Institute, dos Estados Unidos, que ao longo da pandemia publicou diversos estudos sobre a adoção de estratégias denominadas blended, como é o caso do híbrido e da aula invertida. Se os dados iniciais, colhidos entre 2020 e 2021, indicavam o crescente uso dessas estratégias, os dados mais recentes mostram o contrário. Ouvindo mais de mil professores estadunidenses, o levantamento feito mostrou que, se um quinto dos professores trabalhavam com o método da sala de aula invertida, no primeiro semestre de 2021, menos da metade esperava usá-lo no pós-pandemia.

Com base nos resultados, o pesquisador Thomas Arnett, autor do artigo Is blended learning in decline?, escreveu: “Eu esperava que a ampla exposição ao aprendizado on-line levasse pelo menos alguns professores que experimentaram benefícios com sua implementação a continuar usando as ferramentas que descobriram durante a pandemia. Esse uso contínuo, portanto, levaria a um aumento geral na adoção do blended learning pós-pandemia quando comparado à adoção pré-pandemia”. Para sua decepção, os dados apontaram para o sentido inverso. “O uso planejado pelos professores dos vários modelos de aprendizagem combinada pós-pandemia foi muito menor se comparado com os dados da pesquisa da primavera de 2021”, informou. 

Entre as hipóteses que apresenta, é possível que o movimento ainda represente uma tendência pequena para aparecer nas estatísticas norte-americanas, que incluem 13 mil sistemas escolares. Da mesma forma, pode ser preciso avançar na compreensão, pelos entrevistados, da definição dos conceitos utilizados no estudo.

Para a diretora do Colégio Rio Branco, Esther Carvalho, autora de pesquisas e livros sobre gestão de processos inovadores, é uma ilusão esperar movimentos disruptivos nas escolas, como muitos pensaram ao longo da pandemia. “Inovação na escola tem natureza incremental. Envolve o estabelecimento de uma cultura organizacional que valoriza a atitude de fazer boas perguntas e de buscar novos caminhos”, explica. 

Espera-se que as novas práticas surjam de recursos tecnológicos adquiridos, como foi o caso de muitas escolas e redes que investiram em novos equipamentos ao longo do período de isolamento, especialmente para a transmissão de aulas on-line. “Muitas vezes recursos tecnológicos são trazidos e implementados, mas não necessariamente impactam em inovação. São o que chamo de vitrines de modernidade”, analisa a gestora. Para ela, o processo de inovação deve contemplar o olhar do aluno e deve trazer a família para perto. 

Da mesma forma, Esther Carvalho acredita que os pais precisam ser envolvidos. “As grandes mudanças demandam comunicação, reflexão e acolhimento das angústias e receios das famílias, assim como a atitude de viver, positivamente, a experiência da construção e do novo”, reflete.

Os 4 cenários da OCDE

Outros estudos sobre a educação do futuro buscam tratar um cenário estrutural mais amplo, que parte do conjunto de transformações sociais, econômicas e tecnológicas que vêm ocorrendo no planeta. É o caso de uma edição publicada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no final de 2020. Analisando dados das 38 nações que integram a organização, a maior parte composta por países ricos, a OCDE traçou quatro cenários possíveis para a Educação no estudo De volta para o futuro da Educação: 4 cenários para a escolaridade.

Evitando previsões futuristas, o trabalho busca apoiar as discussões sobre as visões de longo prazo dos sistemas educativos, sem fechar questão sobre nenhuma hipótese. Parte de questões-chave, como: para enxergar o devir da Educação, até que ponto nossas estruturas atuais ajudam ou atrapalham nossa visão? “Dito de outra forma, se hoje nos encontrássemos com um marciano, procurando dicas sobre como projetar seu próprio sistema educacional, o que sugeriríamos? Começamos com as escolas e o ensino como os conhecemos agora e aconselhamos a modernizar e afinar o sistema? Ou seria preferível recomendar uma maneira totalmente diferente de usar as pessoas, os espaços, o tempo e a tecnologia?”, pergunta o diretor de Educação da OCDE, Andreas Schleicher.

Para responder a essas indagações e ajudar a organizar o pensamento estratégico sobre o futuro da educação, a OCDE partiu de megatendências para agrupar quatro linhas principais de possível evolução da escolaridade, da mais conservadora à mais radical. Em nenhuma delas as coisas continuam como estão.

O primeiro cenário traçado pelo estudo, denominado Escolaridade Ampliada, é um aprofundamento do modelo de escola que conhecemos, ou seja, sistemas massivos, marcados pela uniformidade curricular e com objetivo de assegurar direitos educacionais para as populações. Reconhecidos como fundamentais para o mundo produtivo, os sistemas de ensino continuam a ter um caráter de governança oficial, burocrática, baseada em currículos nacionais e apoiado no monopólio da certificação formal de conhecimentos, como caminho para incluir parcelas cada vez mais amplas do conjunto da população. Ao mesmo tempo, a colaboração internacional e os avanços tecnológicos apoiam a aprendizagem. 

O segundo cenário desenhado pela OCDE vê a educação com mais influências de fora das redes oficiais, como se contasse agora com aportes externos ao sistema — daí o nome Education outsourced (educação terceirizada). Por essa perspectiva, já há um abalo significativo na estrutura que conhecemos hoje. 

“Os sistemas escolares tradicionais desmoronam à medida que a sociedade se empenha na educação e busca complementar a formação oferecida na escola. Nesse caso, a aprendizagem se dá por meio de formas mais diversificadas, acordos privatizados e flexíveis, sendo a tecnologia digital um fator-chave”, define o estudo. A previsão é uma redução da presença dos padrões burocráticos de governança oficial. Ou seja, parte da responsabilidade continua a ser das escolas, mas há cada vez mais diversidade na formação, em uma espécie de mix de escolha dos pais, da compra de serviços privados complementares e a escola oficial, em arranjos mais flexíveis.

O terceiro cenário, denominado Escolas como hubs de aprendizagem, parte da permanência institucional da escola, mas modificada. As escolas se tornam mais fortes e mantêm parte substancial de suas funções, como centros de gestão do conhecimento. A diversidade e a experimentação, em busca de uma educação mais personalizada, se tornam regra. Nesse desenho, diz o estudo, a abertura dos “muros da escola” conecta as instituições às suas comunidades, favorecendo a mudança constante das formas de aprendizagem, engajamento na vida coletiva e na inovação social. Por isso, os arranjos locais, como ecossistemas de aprendizagem, ganham força, uma vez que o sistema não é baseado na uniformidade da formação, como no caso dos sistemas atuais.

Por fim, no modelo mais disruptivo, denominado Learn-as-you-go, que pode ser livremente traduzido como “aprenda na jornada”, a escola perde a centralidade no processo da educação, demolida por um contexto dominado pela inteligência artificial e outras tecnologias, como a realidade aumentada e a internet das coisas. As fronteiras entre o formal e o informal, bem como entre educação, trabalho e lazer, se tornam tênues. Nessa perspectiva, o processo acontece em todos os lugares, a qualquer hora.

Escolhas éticas

Evidentemente, os cenários não são estanques e podem conter, em si, elementos de cada um dos outros. Trazem em si, também, questionamentos, riscos e contradições sobre as quais as sociedades precisarão discutir. Daí a importância de se considerar tendências já em curso, sobre as quais existem evidências: os cenários permitem pensar sobre esses temas complexos, que demandam bem mais do que intuição e achismo. Com paradigmas em transformação, torna-se necessário apoiar a opinião na análise de dimensões de fato estruturais, inclusive para lutar pela visão na qual cada gestor acredita.

Na verdade, trata-se de um exercício cada vez mais central, do qual os educadores, mergulhados nos desafios diários, muitas vezes não se dão conta: pensar no futuro não como ficção científica, mas como uma aventura da qual somos parte. Pensar estrategicamente sobre o que vem por aí ajuda a tomar as melhores decisões no presente, especialmente em cenários de incerteza, como o que vivemos. “A previsão estratégica baseia-se no princípio de que a nossa capacidade de prever o futuro é sempre limitada, mas que é possível tomar decisões sábias de qualquer maneira imaginando e usando múltiplos futuros”, explicam os autores do estudo.

Esse pensamento traz vantagens como antecipar a identificação do que está mudando e como se preparar para isso, evitando pontos cegos. Além disso, quem pensa sobre o futuro encontra opções mais claras de ação participativa — e, assim, entende melhor as novas circunstâncias. Por fim, pode fazer testes de planos e estratégias, já antevendo diferentes possíveis cenários.

Alguns pares de opostos ajudam a entender o que está em jogo: há visões que acreditam no movimento incremental, de aprimoramento, a aqueles que apostam na quebra radical de paradigmas. É fácil encontrar exemplos nas evoluções recentes da tecnologia: negócios como Uber e Airbnb e a chegada dos carros autônomos (sem motoristas) mostram que ninguém está livre de um dia acordar e descobrir que o mundo mudou. Porém ainda existem táxis e hotéis, mostrando que o mundo comporta mais diversidade de formas e funções, que oferecem experiências mais personalizadas para uma sociedade cada vez mais diversa.

Há outros paradigmas em xeque. As diferenças entre as demandas atuais por educação e as estruturas hoje existentes, modelos ainda da era industrial, com salas de aula em que cresce a percepção de que aquilo que ensinamos não é o que os alunos deveriam estar aprendendo. Ou sobre a medida em que a educação deve deixar a perspectiva local para buscar a global, e vice-versa.

Vale refletir sobre uma das maiores preocupações para quem teme a extinção da escola: onde seres humanos vão se encontrar para aprender a conviver? Quanto podemos abdicar do contato físico, coletivo, comunitário, para focar em uma vida virtual, individualista, que parece mesmo caminhar para a dimensão do chamado metaverso? Boas perguntas, não é? Pois refletir sobre isso, e agir pelas escolhas, compete agora a cada diretor de escola pública ou privada. 

Não se trata de uma discussão neutra, sobre as pressões que são exercidas pelo mundo econômico ou pela tecnologia. Falar sobre a escola é discutir que mundo queremos, com quais relações entre as pessoas sonhamos, que modelo de equilíbrio com o planeta desejamos. Enfim, que futuro queremos ter? Modelos educativos, seja de sistemas, seja dessa instituição denominada escola, são funções de escolhas éticas de cada ser humano, individualmente, mas também como coletivos — grupos sociais, comunidades, sociedade e, por que não, como humanidade. Qual é o futuro da educação pelo qual você se dispõe a lutar?


Para saber mais
OCDE. Back to the Future of Education:Four OECD Scenarios for Schooling.
[s.l.] OCDE, 2020. Disponível em: mod.lk/ges22. Acesso em: 2 mar. 2022.

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