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A educação não pode parar

A gestão da crise provocada pelo fechamento das escolas e dos demais impactos da pandemia na Educação, por Estados e Municípios, foi reprovada. Mas bons exemplos mostram que as escolas e redes de ensino aprenderam muito nos últimos meses.

Texto Paulo de Camargo

No dia 14 de março de 2020, acompanhando o movimento global, as 78 escolas municipais da cidade de Palmas (TO) foram obrigadas a fechar suas portas diante do agravamento da pandemia em decorrência da covid-19. A partir de então, cerca de 42,1 mil alunos e seus 2,6 mil professores passaram a viver a inédita experiência da educação remota. Nem de longe foi fácil. O processo teve sucessivas adequações, mas Palmas pode ser vista como exemplo do esforço feito pelas escolas públicas para manter a educação acontecendo de forma não presencial.

A experiência vivida pela capital do Tocantins mostrou, por exemplo, que, para um cenário tão complexo, não poderia haver uma única bala de prata na forma como mudar a escola para o mundo virtual. Assim, enquanto a maior parte das escolas privadas, com público de classes mais favorecidas, pôde optar por transpor suas atividades para as aulas on-line, as escolas públicas – onde estudam 4 em cada 5 crianças e jovens brasileiros – precisavam garantir a oferta educativa a alunos que, muitas vezes, não dispunham de internet ou acesso a outros recursos. Por essa razão, Palmas desenvolveu um projeto que conciliou ferramentas digitais na plataforma Palmas Home School, aulas on-line, teleaulas veiculadas na TV aberta e atividades impressas destinadas aos alunos de 1o a 9o ano do Ensino Fundamental que não dispunham de acesso à internet. Foi necessário desenhar um planejamento detalhado – que também diferenciou as melhores respostas à crise. Assim, o plano de Palmas incluiu recursos para os alunos que não tinham acesso à internet com as aulas produzidas por professores contratados pela Secretaria de Educação e transmitidas pela emissora aberta da cidade.

Garantir a oferta de aulas não foi o único desafio enfrentado por Estados e Municípios: afinal, de nada adiantaria todo o esforço se os alunos não estivessem acompanhando tudo, do outro lado da tela, sem a presença de um professor. Por isso, a Secretaria criou um sistema de monitoramento. Desde o mês de agosto de 2020, todas as atividades não presenciais propostas aos alunos foram contabilizadas como hora/aula para cumprimento da carga horária estabelecida pela legislação. 

Segundo Rosângela Ribeiro, superintendente de Gestão Escolar do município, a Secretaria intensificou o contato com as famílias – a quem coube, afinal de contas, garantir o estudo remoto. Além de reforçar o pedido aos pais, a gestão municipal criou um programa de busca ativa para encontrar os alunos que estavam desistindo dos estudos. 

Para aprofundar o trabalho, o planejamento do município de Palmas para 2021 apostou em um currículo focado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estruturado em torno das competências socioemocionais como eixo do ensino. A Secretaria adotou ferramentas de avaliação que permitirão aferir as defasagens dos alunos para adotar medidas específicas. Por fim, a rede iniciou a implementação do ensino híbrido, articulando educação presencial e virtual, síncrona e assíncrona. “Mas sempre atentos ao cenário epidemiológico na capital”, relata Rosângela.

Avaliando o impacto da pandemia

O Brasil foi um dos países que por mais tempo mantiveram suas escolas fechadas. Segundo cálculos da Unesco, as escolas do mundo estiveram sem aulas presenciais por aproximadamente dois terços do ano letivo de 2020, em função da pandemia, com uma média de 29 semanas. Já as brasileiras estiveram totalmente fechadas por 40 semanas no ano passado, e boa parte delas não retornou até o final do primeiro semestre de 2021.

Há efeitos esperados nas dimensões social e emocional e, claro, na aprendizagem, não apenas no Brasil. Estudos realizados mundo afora apontam também os limites da educação remota e, agora, calculam os impactos e o que deve ser feito para melhorar o cenário. No Brasil, especialmente pela grande desigualdade educacional, entidades importantes como a Unicef estimam um retrocesso em indicadores da educação nos quais o país vinha avançando, como acesso, fluxo e aprendizagem. 

As estatísticas oficiais ainda não são capazes de medir o tamanho do impacto da pandemia sobre a entrada dos alunos no sistema escolar (acesso e permanência), a passagem pelas diferentes séries (fluxo) e a efetiva aprendizagem. Aqui, isso não se deve apenas à mudança da modalidade de ensino, com o uso das atividades remotas, mas sobretudo ao não acesso a qualquer forma de conhecimento didático durante o período de fechamento das escolas. Segundo cálculos do IBGE, mais de 5 milhões de crianças e jovens ficaram sem aulas em 2020.

Recursos como a TV e o rádio, considerados mais inclusivos por estar ao alcance de um número maior de famílias, foram menos explorados

Os pesquisadores Lorena Barberia, Luiz G. R. Cantarelli e Pedro Henrique de Santana Schmalz, do Departamento de Ciências Sociais da USP, estão à frente de dois estudos sobre o tema: Uma avaliação dos programas de educação pública remota dos estados e capitais brasileiros durante a pandemia da covid-19 e o boletim Políticas Públicas e as Respostas da Sociedade, alertando sobre os protocolos necessários para a volta às aulas. Os estudos não trouxeram boas notícias. 

O primeiro fato ressaltado é a falta de dados públicos e, especialmente, de transparência das informações. “São problemas antigos, como atraso, padronização e acesso às informações, que foram agravados”, afirmam os pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária, formada por mais de uma centena de estudiosos de diversas universidades e centros de pesquisa. “Essa é a primeira lição para o futuro: em uma situação emergencial, só conseguiremos reagir com informação dinâmica e precisa. Não dá para esperar um ano para tomar decisões, e se queremos um 2022 melhor precisamos pensar agora”, diz Lorena Barberia, coordenadora do trabalho.

Essa foi uma das razões para a demora de reação das redes públicas, em especial. O estudo mostra que não havia projetos claros, previsão de infraestrutura ou planejamento integrado. Um exemplo é o recurso à solução digital via internet, opção feita por muitos Estados e prefeituras. “Isso requer grandes compras e contratação, mudanças maciças no serviço público, o que leva tempo, e ficou claro não haver estratégias para garantir o acesso a todos os alunos”, afirmam os pesquisadores.

Para avaliar a resposta dos agentes públicos à pandemia, os pesquisadores criaram um indicador de educação a distância, medindo a velocidade, a duração e os tipos de programas de educação remota adotadas nas escolas públicas, entre outros aspectos. O estudo levou em conta os meios utilizados e os investimentos feitos, como distribuir chips de celulares, tablets e apostilas. Foram coletados dados das 27 unidades federativas e em suas capitais entre março e outubro de 2020.

O indicador elaborado para o estudo, em uma escala de 0 a 10, atribui um índice médio de 2,38 pontos para os planos estaduais, e de 1,6 ponto aos das capitais. Com muitos dados, a pesquisa traz três grandes conclusões: a diversidade de planos, projetos mal desenhados, foco e falta de olhar para as famílias mais humildes. 

A primeira conclusão reflete a gestão compartilhada da educação definida pela Constituição Federal e a ausência de uma coordenação que deveria ter sido exercida pelo Ministério da Educação. Foram propostos planos por 26 das 27 unidades federativas e por 21 das 26 capitais. O estudo mostrou variação entre a velocidade e qualidade dos programas. Enquanto em alguns locais os planos resultaram em ações imediatas, outros levaram meses para oferecer um caminho. “Um dos Estados apresentou um programa de educação um dia após o fechamento das escolas para ensino presencial; outros demoraram mais de 100 dias”, anota o estudo.

A segunda conclusão do trabalho mostra que muitos dos programas apresentados não foram bem planejados. A maioria falhou em oferecer estratégias de interação com professores, supervisão e estímulo à presença. “Este é um elemento crucial para políticas de ensino remoto, por permitir interações que considerem as necessidades e dificuldades específicas de cada aluno, sobretudo em um contexto de elevadas taxas de abandono escolar”, assinalaram os pesquisadores.

Por fim, o estudo concluiu que poucos programas se dedicaram a mitigar os impactos do fechamento das escolas para os alunos das famílias mais pobres. Conforme o retrato do enfrentamento da pandemia pelos gestores públicos da Educação, em julho de 2020, 90% dos Estados ofereciam algum conteúdo pela internet. Contudo, recursos como a TV e o rádio, considerados mais inclusivos, por estar ao alcance de um número maior de famílias, foram menos explorados, chegando à metade dos Estados. Ao mesmo tempo, a opção pela internet não foi acompanhada da oferta de condições de acesso. Apenas 15% dos Estados distribuíram, no primeiro ano da pandemia, dispositivos digitais e menos de 10% subsidiaram o acesso. 

Outros recursos de apoio, como a distribuição de apostilas, foram adotados por metade dos Estados brasileiros. Este foi o caso, por exemplo, de Minas Gerais, que desenvolveu um plano de estudos tutorados. A Secretaria de Educação explica que materiais de apoio (apostilas mensais) foram utilizados pelos alunos com conteúdos e atividades propostas de acordo com a carga horária semanal prevista para cada disciplina. Os alunos que informaram não ter acesso à internet receberam os recursos impressos nas unidades escolares, com uma logística organizada pelos diretores das escolas.

Depois do primeiro estudo, os pesquisadores seguiram observando os planos apresentados para 2021 e para o retorno das aulas presenciais. Segundo os dados, não publicados até o fechamento desta edição, os planos para 2021 registraram avanços sensíveis, mas é preciso levar em consideração o tempo decorrido e os investimentos feitos. Os pesquisadores destacam o trabalho realizado pelo Distrito Federal, pelo Estado de São Paulo e pela Paraíba. Entre as capitais, receberam melhores pontuações Macapá (AP), Salvador (BA) e Palmas (TO), experiência citada no início da reportagem.

Nos últimos meses, diversos Estados e municípios avançaram em seus programas de democratização do acesso. Goiás, por exemplo, anunciou o investimento de R$ 4,2 milhões para que os alunos possam acessar a plataforma on-line da rede por meio de dados móveis. Na rede estadual do Espírito Santo, o programa Todos na Escola busca resgatar crianças e adolescentes que não estão matriculados e monitora a frequência escolar para atuar preventivamente na evasão escolar. Se um aluno falta dois dias seguidos ou quatro dias alternados em um mês, a escola entra em contato para saber os motivos e começa o trabalho, que envolve o acionamento do conselho tutelar e do Ministério Público. Mais iniciativas que vêm sendo adotadas pelos Estados podem ser conhecidas no site do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais.

No chão da Escola

Essenciais, os planos estabelecem diretrizes, antecipam demandas, mobilizam recursos, mas não determinam o que, de fato, acontece na escola. Na pandemia, milhares de instituições buscaram suas próprias soluções, mobilizando professores e diretores. Diferentes enquetes e relatos mostram o esforço dos educadores para engajar e manter a conexão com os alunos. Nesse sentido, ferramentas de comunicação como o WhatsApp foram fundamentais. Segundo um levantamento do Instituto Península, 83% dos professores se comunicam com os alunos e famílias por meio de aplicativos de mensagens. 

Esse cenário foi comum em muitos países justamente pela falta de recursos, como tablets e computadores. Os celulares estão disponíveis nas residências, mas não necessariamente como uma ferramenta dedicada ao estudo, sendo, muitas vezes, compartilhados por vários integrantes da família.

Bons exemplos do esforço das escolas podem ser vistos no Prêmio Gestão Escolar 2020, promovido pelo Consed, pela Undime e pela Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Entre mais de oito mil inscritas, cinco escolas públicas estaduais e municipais disputaram o título de Referência Nacional em Gestão Escolar com ações realizadas durante a pandemia, e o trabalho apresentado pelos finalistas ilustra o esforço feito por instituições de todo o país.

A Escola Classe 15 de Ceilândia (DF) está entre as que utilizaram o WhatsApp para se conectar com as famílias e realizar plantões de dúvidas. Os professores e a coordenação pedagógica produziram apostilas com conteúdos de revisão, que podiam ser retiradas na instituição. Para todas as ações integradas, que chegaram ao próprio currículo da escola, a diretora Mariângela de Oliveira considera fundamental o planejamento coletivo. Foram produzidos vídeos, jogos, formulários e até materiais adaptados em Libras para os alunos surdos. Entre os resultados, está o engajamento dos jovens. Cerca de 65% dos estudantes participam dos momentos síncronos e realizam as atividades na plataforma pedagógica virtual; 29% dos estudantes utilizam o material pedagógico impresso e sanam dúvidas pelo WhatsApp; 2% dos estudantes, entre estes aqueles com deficiência auditiva, têm atendimento presencial semanal (com intérprete de Libras); e participação da família.

A Escola Estadual Professora Maria de Menezes Guimarães, de Itacuruba (PE), recorreu aos recursos das redes sociais, como WhatsApp e Instagram, e imprimiu as atividades para os alunos sem condições de acesso à internet. Entre as ações de destaque, está a parceria com a emissora de rádio local, que disponibilizou um horário para a transmissão de aulas.

A Escola Municipal Dr. Sérgio Alfredo Pessoa Figueiredo, de Manaus (AM), se destacou pela tutoria familiar. Educadores e colaboradores da escola, bem como voluntários, apresentaram-se como tutores de grupos de alunos e suas famílias, para dar assistência emocional, afetiva e intelectual, seguindo protocolos para distribuir brindes e manter a moral alta. A escola liberou a internet para os alunos do bairro.

A tutoria foi uma das estratégias da Escola Orlando Maurício Zambotto, de Jarinu (SP). Desde o fechamento da escola, as equipes buscaram alternativas. Perto de 30 alunos-tutores foram nomeados para ajudar seus colegas a organizar sua rotina pedagógica e a utilizar dispositivos digitais. Para os que não tinham acesso, os gestores da escola prestaram atendimento semanal às famílias, imprimindo roteiros de estudo. 

Por fim, o Colégio Estadual do Patrimônio Regina, de Londrina (PR), partiu de um levantamento para saber quantos alunos estavam conectados à internet e quantos não tinham acesso para desenhar seu plano. A escola teve a mesma preocupação com relação à proficiência dos professores no uso dos recursos. No início de abril de 2020, a escola criou uma rede para contornar os desafios, produzindo os Kit Tarefas, um material físico para distribuir para as famílias. Em maio, a escola identificou 65 alunos sem acesso às plataformas digitais e buscou soluções individuais. Para dar suporte pedagógico, os professores identificaram os alunos que necessitavam de atendimento contínuo para que não desistissem do ano letivo.  

Se a pandemia trouxe um conjunto inédito de desafios e o agravamento de problemas históricos não superados das escolas, também abriu oportunidades de rever prioridades do trabalho educativo. Os próximos anos dirão muito sobre a capacidade das redes públicas, das escolas e dos professores de aprender e se reinventar, aprimorando o planejamento, o foco em políticas inclusivas, o trabalho pedagógico em sala e o diálogo com a comunidade. É um desafio do tamanho de um país imenso e complexo como é o Brasil.

PARA SABER MAIS

  • BARBERIA, L.; CANTARELLI, L.; SCHMALZ, P. H. S. Uma avaliação dos programas de educação pública remota dos estados e capitais brasileiros durante a pandemia da covid-19. Disponível em: mod.lk/ed21_es1. Acesso em: 10 ago. 2021.
  • Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). Disponível em: www.consed.org.br. Acesso em: 13 ago. 2021.
  • União Nacional dos Dirigentes Municipais. Disponível em: www.undime.org.br. Acesso em: 23 jul. 2021.

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