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Reputação

O que é ser confiável para a sociedade hoje? O segredo pode estar na escola.

Texto Ivan Aguirra | Ilustração Augusto Zambonato

Aos olhos de um viajante do tempo, os dias de um camponês do século XVIII pareceriam demorar a passar. A paisagem rural – predominante entre a população da época – pouco ou nada mudava. Apenas as árvores ganhavam corpo, viam suas folhas caírem uma a uma e voltavam a dar frutos, os animais cresciam, davam cria e eram abatidos, os roçais eram capinados, as pragas mudavam o ciclo, os senhores mantinham as atenções e ditavam as regras; fizesse chuva ou sol, a luz do dia regia a produtividade, assim sempre até se apagar. Pouco mais de algumas dezenas de pessoas eram conhecidas ao longo da vida, numa troca de ações e experiências estritamente oral. Nada mudava, seguindo as cartas de uma raiz familiar. Seu mundo pouco se alastrava além das fronteiras de sua vila.

Uma relação tão distante, tão distinta da nossa, que fica até difícil projetar. Diz-se que uma edição dominical de um jornal contemporâneo como o The New York Times nos expõe a mais informações do que esse camponês poderia ter acesso ao longo de toda sua vida. Realmente, vivemos numa época de poucas barreiras geográficas e, por vezes, éticas. Um ecossistema onde o acesso à informação se torna mais democrático e menos pessoal, no qual os interesses pelas notícias, pelas “verdades de última hora”, ganham escala exponencial, assim como os questionamentos e debates que se fazem dele. Um mundo no qual a percepção do tempo e das possibilidades parecem não dar conta dele próprio.

Sim, existia informação circulando no passado, mas sua maioria era restrita e controlada. Livres e vivos mesmo eram os boatos, os diz-que-diz, as intrigas, que sempre existiram, mas tinham o poder restrito ao boca a boca. Hoje, as chamadas fake news proliferam-se na sociedade numa verdadeira indústria da informação falsa, e se coincidem com as bolhas informacionais e com as pessoas que só replicam o que convém para vender suas “verdades absolutas”. Foi notícia (averiguada) um restaurante londrino fake que manipulou redes sociais de compartilhamento de avaliações até se tornar o restaurante no 1 da capital britânica. Isso sem precisar sequer de um endereço fixo, só com uma sequência de avaliações falsas num dos principais sites de avaliação turística do mundo. Outro caso que chamou muita atenção foi o dos jornalistas alemães que publicaram um artigo falso sobre a cura do câncer para chamar atenção para a falta de critério (e de escrúpulos) de revistas acadêmicas conhecidas como predadoras, que cobram pela publicação e sequer revisam as informações. Escancara também o caminho fácil que muitos pesquisadores percorrem para inflar seus currículos e suas reputações usando as novas tecnologias.

Segundo o Dicionário Latino-Português, de Francisco Santos Saraiva, a palavra reputação vem do latim reputatio, que remete a consideração, meditação, pensamento. Em outras palavras, “pensar cuidadosamente sobre alguma coisa”, em um processo de reflexão contínua, já que o prefixo re- indica repetição de uma ação.

Em um cenário em que a reputação de pessoas, obras e instituições é contabilizada pelo número de seguidores no Instagram, de recomendações no LinkedIn ou de estrelas no Google, o grau de confiança e reconhecimento se tornou um atributo líquido. Se há muito mais informações hoje, será artigo de primeira necessidade usar todo esse acesso para construir caminhos alternativos de leitura do mundo.

Daí vem a importância cada vez mais estratégica da escola e, sobretudo, das figuras do bibliotecário e do professor no processo de lapidação de dados, de pesquisa e questionamento constantes. Juntos, profissionais da informação e do conhecimento, se bem articulados, podem e devem ser tendência para formação de cidadãos que possam conviver bem em sociedade e navegar com segurança em um oceano escuro.

Acima de tudo, cada vez mais será necessário ter como premissa que a reputação é construída coletivamente e ao longo do tempo, monitorada através de trajetórias éticas e consistentes, de ações concretas averiguadas e de seu compromisso com o outro e com o meio ambiente.

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