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O que podemos aprender com as OSC?

Enquanto o conhecimento político não estiver ao alcance de todos, continuaremos em um Brasil desigual. Uma educação básica que prepare para o exercício da cidadania propicia uma sociedade mais participativa e um país mais justo e menos desigual para todos.

texto  Ricardo Prado

Educatrix entrevistou quatro Organizações da Sociedade Civil (OSC) que têm foco na educação e vêm trabalhando de forma consistente em escolas e redes públicas: Ação Educativa, Aprendiz, Cedac e Instituto Palavra Aberta. Veja adiante como essas organizações avaliam o próprio papel, o que elas podem e o que não podem trazer para o chão da escola, o papel estratégico da direção da escola para que os projetos funcionem e como veem a sustentabilidade de suas ações. Qual é, portanto, o legado que as organizações da sociedade civil podem deixar nas comunidades escolares onde atuam? 

Educatrix | O que as organizações da sociedade civil podem trazer para as escolas? 
  • Tereza Perez (CEDAC)

Eu acho que trazem uma cultura profissional. É um aprender a refletir sobre a prática, a utilizar as teorias para compreender melhor o que ocorre e identificar os problemas, buscar caminhos próprios. Isso acho que ajuda bastante mesmo. E a comunidade. Cada vez mais a gente tem clareza da necessidade de um trabalho intersetorial envolvendo a comunidade também. A relação da escola com a família tem sido intensificada, e tem ajudado bastante. Isso quer dizer que se forma um novo olhar para essa relação escola-família, identificando quais são os problemas da comunidade que podem ser debatidos dentro da escola, fazendo construções coletivas. Isso é bem bacana e a gente faz.  

  • Natacha Costa (aprendiz)

Acho que passa por aquela ideia de que é preciso toda uma aldeia para educar uma criança. Nesse sentido, uma escola que implementa uma gestão democrática, que constrói o seu projeto político pedagógico com a sua comunidade escolar, ou seja, com as famílias, com os estudantes, com os profissionais, e também em diálogo com organizações do território, é uma escola que acaba ganhando muito no sentido de fazer parte de uma rede que agrega para a escola conhecimentos, possibilidades de compreensão maior a respeito da realidade com os estudantes, a possibilidade de compor na sua oferta educacional linguagens e conhecimentos que os seus profissionais não têm. É o caso, por exemplo, quando as escolas fazem parcerias com os mestres de tradição das comunidades, como os mestres de capoeira. Em parte é o que aconteceu aqui em São Paulo, nas escolas da Vila Madalena, com Aprendiz. É o que acontece em Felipe Camarão, por exemplo, um bairro na periferia de Natal, com a Associação Terra Mar, que trabalha com os mestres de tradição daquele território em uma ação muito forte com as escolas, tanto no sentido de compartilhar essas aprendizagens, quanto de fortalecer o projeto político pedagógico delas. É o que acontece também na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, com o Redes da Maré. 

  • Patrícia Blanco (Instituto Palavra Aberta)

Eu vejo que o terceiro setor e as entidades não governamentais têm facilidade de apoiar políticas públicas de uma forma muito ampla. Nesse sentido, uma ação muito importante é a de suprir algumas carências do poder público, principalmente nas questões relacionadas à inovação, à melhoria de processos, fazendo com que a gestão pública tenha acesso a tecnologias mais avançadas. Não só as tecnologias da informação, no que diz respeito a equipamentos, mas a novas funcionalidades ou tendências da educação. Muitas vezes, o setor público é engessado e não consegue avançar, por questões de licitação, de pensamento político partidário ou por problemas de gestão mesmo. O terceiro setor tem, assim, esse papel de indutor de políticas públicas.    

  • Ednéia Gonçalves (Ação Educativa)

Entendo que é função social da escola articular os saberes produzidos ao longo da história e sistematizados pelas áreas do conhecimento, com outros saberes desenvolvidos pelas diferentes culturas. A articulação desses conhecimentos se encontra na base da construção de aprendizagens significativas para toda a comunidade escolar. E os saberes das culturas estão presentes nos movimentos sociais, nos coletivos organizados e nas organizações da sociedade civil. Assim, garantir a participação das escolas na rede de proteção dos direitos sociais é condição para o fortalecimento de sua função social. 

Educatrix | Quais seriam, considerando sua experiência, os limites dessa parceria?  
  • Tereza Perez

A primeira questão que se coloca para nós é não substituir o Estado. Isso eu acho que a gente tem que ter muita clareza. De que toda a nossa entrada nos municípios, nas redes municipais ou estaduais é no sentido de apoiar, de fortalecer as práticas. Portanto, há um limite grande, porque o grau de abrangência é reduzido. A gente não é Estado, não tem como garantir todas as condições, e eu acho que isso é muito bom, porque o papel das OSC é criar novas tecnologias educacionais, poder fazer pesquisa, ter tempo para aprofundar determinadas questões e auxiliar, de fato, a implementar políticas públicas.   

  • Patrícia Blanco

Eu acho que os limites acontecem na medida em que você tem que buscar parcerias e não impor questões, do tipo “você tem que fazer isso”. Tem que ser uma parceria com aquele gestor daquela escola, daquela rede, daquele município, para que se consiga juntar os benefícios que você está oferecendo às oportunidades que a escola vai abrir para implantar aquela política pública. 

  • Natacha Costa

É quando o terceiro setor procura substituir o papel dos profissionais da educação e das redes. É o caso das organizações conveniadas na [oferta de] educação infantil da cidade de São Paulo, por exemplo. Não obstante haver organizações que fazem um trabalho excelente à frente das escolas conveniadas, há também instituições que fazem um péssimo trabalho. No caso da Educação Infantil isso ocorre porque há nessa faixa um problema seríssimo de déficit de oferta, e essa foi uma forma mais célere de se resolver esse problema. Mas hoje, por exemplo, existe um Projeto de Lei na Câmara de São Paulo [PL 573 de 2021] propondo que a gestão das escolas de Ensino Fundamental possa ser feita também por organizações da sociedade civil. Isso é um descalabro porque se desmonta toda a estrutura do direito à educação como um direito que é sustentado pelo financiamento público, dentro de uma perspectiva estatal de garantia de condições de educação para todos. Há um movimento forte de mercantilização e privatização na área de educação; são vários movimentos nessa direção. São crenças baseadas numa ideia de que a gestão privada é melhor do que a pública, e isso é uma falácia, não há nada, nenhuma evidência que comprove isso. O que acontece, em muitos casos, na implementação desses modelos é que nessas escolas são criadas condições específicas, que não são as mesmas das demais e, portanto, essas escolas acabam tendo um desempenho melhor. Mas é uma lógica de criação de ilhas de excelência num mar de desigualdades, ou seja, não é uma lógica de política pública. 

Fora isso, não tão radical, há algumas organizações da sociedade civil que trazem um modelo pronto para dentro da rede pública. É o caso de experiências com educação integral que vêm sendo feitas por alguns institutos, que chegam com um modelo fechado de escola, com baixíssimo respeito às comunidades escolares, que têm pouca oportunidade de validar o projeto. Nós, que sempre trabalhamos em parceria com as escolas, aprendemos que é muito importante respeitar a escola republicana, que está orientada por um conjunto de leis. E na LDB há a garantia da autonomia escolar. A lei garante que esse processo seja construído de forma democrática pelas comunidades escolares, e nada justifica que venham organizações da sociedade civil de fora do sistema impor modelos às comunidades escolares.  

Educatrix | Como a sua organização pensa a sustentabilidade das ações feitas nas escolas, no sentido de apropriação de novas aprendizagens? 
  • Tereza Perez

Eu acho que tem uma coisa forte da nossa atuação que é o fato de que a gente não fala aquilo que precisa ser feito. A gente trabalha junto o que precisa ser feito, vai fazendo isso junto mesmo, de braço dado, até chegar dentro da escola, até chegar na sala de aula. O trabalho do Cedac é dentro dessa visão sistêmica mesmo, e articulada. É uma atuação que parte de um diálogo com o secretário e os técnicos da Secretaria, define um planejamento, compartilha esse trabalho com os gestores escolares e define coletivamente, com os professores e a direção, o que precisa ser feito, e como vai ser feito, dentro do recorte que foi escolhido para ser trabalhado. E a nossa experiência tem mostrado que aquilo que é oferecido ao município como formação fica. A gente trabalha dois ou três anos, sai e as pessoas têm autonomia para continuar estudando, continuar planejando. Essa cultura profissional de trabalho é instaurada e o trabalho compartilhado também fica instaurado. Isso é bem bacana mesmo. A gente encontra pessoas maravilhosas neste país. Tem muita gente competente no Brasil, em todos os lugares a gente tem parceiros e parceiras que gostam da educação. O que falta é oportunidade de formação. Não é engajamento, há uma corresponsabilidade enorme em relação à aprendizagem dos alunos, das alunas, e dos pequenininhos também.  

  • Natacha Costa

Nossa perspectiva sempre é a de entender que a gente é passageiro e esses grupos são permanentes. Nesse sentido, nosso trabalho sempre se pautou numa lógica de que, quando a gente está numa escola, quando a gente está num território, o projeto não é nosso, é daquele lugar. Tanto que a gente costuma dizer no Aprendiz que todo projeto é uma hipótese, mas ele se constitui mesmo quando se está no campo. E muitas vezes aquilo que se planejou muda de figura nessa hora. O que procuramos fazer sempre é fortalecer a autonomia, ampliar o repertório, mas sempre numa perspectiva de construção de autonomia e construir o próprio vínculo com o projeto. Enquanto o projeto fica nas mãos de alguém de fora da escola, a possibilidade de sustentação daquilo é muito pequena. Uma coisa que fazemos muito é colocar os profissionais em contato com colegas de outros territórios de forma que possam se constituir como parte de uma grande rede. Não há metodologia fechada, acabada, como uma receita de bolo. A gente não acredita nisso, nem quanto à execução de projeto, nem quanto à sustentabilidade. 

  • Patrícia Blanco

O Educamídia, nosso programa de educação midiática, foi lançado em 2019 e buscamos um acordo com o Consed [Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação] para que a gente conseguisse disseminar o conceito e a urgência desse tema na escola. E a forma como propomos trabalhar a educação midiática, por camadas, de forma transversal, exige que a gente envolva os Secretários de Educação, os técnicos da Secretaria, quem faz os currículos, o diretor, o coordenador pedagógico e todos os professores. O nosso objetivo é fazer com que esses gestores incorporem ao seu dia a dia as práticas da educação midiática. No estado de São Paulo, por exemplo, desde 2021 o letramento informacional e a cultura digital foram inseridos no currículo do Ensino Fundamental 2 e do Ensino Médio, dentro da disciplina obrigatória Tecnologia e Inovação. A nossa preocupação, em relação à sustentabilidade, se processa na forma como trabalhamos, porque levamos o assunto para dentro da escola, mas quem realiza o projeto são os professores e gestores daquela escola. Explicando um pouco mais, a nossa metodologia está dividida em quatro etapas: primeiro é preciso sensibilizar sobre a importância da educação midiática; o segundo passo é engajar gestores e diretores; o terceiro passo é a formação, que pode acontecer on-line ou de forma presencial. Por fim, o quarto passo é a continuidade desse processo conduzido pelos próprios professores e gestores, ou seja, a sustentabilidade. 

Educatrix | Com base em sua experiência em diversas escolas públicas, como avalia o papel do(a) diretor(a) no sucesso ou insucesso de uma ação? 
  • Tereza Perez

Ele tem um papel decisivo. Porque a atuação precisa ser sistêmica. O gestor escolar, o coordenador, os professores, são eles que, de fato, implementam as políticas públicas, por isso precisam conhecer e abraçar a causa que desejam implementar. Acho que nada pode ser feito sem a orquestração do gestor escolar, que tem de estar a par de tudo. Aliás, a gente fala muito da dupla gestora, que é o diretor e o coordenador pedagógico.  

  • Ednéia Gonçalves

Sim, é muito estratégico. Entendo que o papel da gestora escolar é justamente este: o de realizar a articulação institucional entre o sistema educacional e a sociedade, ampliando o diálogo para a promoção do direito humano à educação e, também, o atendimento das demandas específicas de acesso e permanência dos estudantes. 

  • Natacha Costa

A escola, na sua estrutura tradicional, bem como a própria lógica das políticas educacionais, tende a reforçar uma visão muito hierárquica. Há o secretário, a equipe técnica das secretarias, o diretor, o professor, toda uma lógica hierárquica. Nessa estrutura o diretor acaba sendo uma figura de poder, então acaba sendo uma figura-chave do sucesso ou fracasso de uma experiência. E eu vejo que os diretores que constroem projetos mais sustentáveis, projetos com mais capacidade de se manterem no tempo são aqueles que constroem projetos de forma dialogada, participativa e coletiva. São aqueles que não entendem a escola como “a sua escola”, mas que o seu papel é facilitar para que a escola se constitua como um projeto coletivo.   

  • Patrícia Blanco

Com certeza. Vamos pegar o caso da educação midiática [uma das linhas de ação do Instituto, com o Projeto Educamídia]. O professor pode ser esse agente que vai levar a educação midiática para a sala de aula, mas se não tiver o apoio da direção, a iniciativa vai morrer na sala de aula dele, naquela experiência única daquele professor. Então, o diretor ou o gestor do município, na medida em que for imbuído da ideia, pode ser alguém que apoia a implantação de uma nova ferramenta educativa, dando ao professor espaço, oportunidade e apoio.

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