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O que pais e mães esperam da escola na perspectiva da educação inclusiva

Com presença de cada vez mais crianças e adolescentes da Educação Especial nas escolas regulares, famílias refletem sobre vivências, expectativas, conquistas e desafios rumo a uma educação que seja verdadeiramente para todos.

texto  Lara Silbiger

A trajetória das famílias que buscam por uma educação inclusiva e um aprendizado equitativo e de qualidade para seus filhos — especialmente para os que são elegíveis à Educação Especial — ainda é repleta de altos e baixos no Brasil. Ou, como definiu uma mãe, uma montanha-russa de emoções, batalhas, desalento, vitórias e sempre mais desafios pela frente. Em comum, os familiares revelam o peso da solidão em suas lutas diárias, o enfrentamento de olhares preconceituosos e a dificuldade de encontrar escolas e educadores que acolham verdadeiramente seus filhos em todas as suas especificidades e potencialidades. 

Por outro lado, pulsam no ritmo da esperança. Buscam novos conhecimentos, pesquisam sobre políticas públicas, se colocam à disposição das equipes pedagógicas e assumem o lugar de aprendizes da educação inclusiva, que transcende a sala de aula e envolve toda a comunidade escolar.

A seguir, confira o relato de cinco famílias para conhecer diferentes perspectivas, vivências e expectativas em torno da inclusão escolar.

Garantir o mínimo previsto no marco legal

Diva Batista  é mãe do Luigi, de 11 anos, que estuda no Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente de Mogi das Cruzes (SP).

“Mesmo antes do diagnóstico de autismo, sempre acreditei que estar na creche, convivendo com outras crianças, era primordial para o desenvolvimento do meu filho. Minha expectativa era de que, até os cinco anos, ele tivesse aprendido a falar. Mas não foi o que aconteceu — ele regrediu. A partir daí, comecei a buscar caminhos para ajudá-lo a se integrar e aprender na escola comum. 


No 1o ano do Fundamental, contamos com uma equipe escolar que prezava bastante pela inclusão. As expectativas eram boas, mas eu sabia que o caminho dali em diante seria incerto.
Hoje, com o Luigi no sexto ano, vejo que nosso trajeto foi cheio de altos e baixos. Na prática, a gente acaba dependendo da sorte, da empatia de um professor, de cair numa turma boa, enfim, de toda uma engrenagem para se ter alguma paz.

Precisei — e ainda continuo precisando — lutar, me expor e me indispor para que a inclusão escolar seja realidade na vida do meu filho. Para que ele seja atendido, pelo menos, com o mínimo que lhe é de direito. Para isso, fui buscar conhecimento, mesmo sem ter formação acadêmica especializada, para aliar à minha vivência de mãe de uma criança autista e, com isso, mostrar para as pessoas e para as escolas que tenho propriedade acerca do que estou falando sobre o meu filho. 
Provar que a deficiência invisível existe, que não é birra da criança ou negligência dos pais, é cansativo e desgastante. É desafiador desenvolver parcerias com alguns profissionais de educação para que eles entendam a linguagem da inclusão. Essa dificuldade, no entanto, pode ser vencida com reciclagem e capacitação sobre educação inclusiva, acessibilidade e outros temas que ajudam a diminuir a exclusão na comunidade escolar.”  

Naturalizar as diferenças

Vanessa Del Negro é mãe da Livia, de 5 anos, que estuda na Escola Quacatú, da rede privada de São Paulo (SP).

No ano que vem, minha filha ingressará no Ensino Fundamental e estou, desde já, em busca de uma nova escola que esteja preparada para receber uma criança com deficiência. E mais: que olhe para a Livia para além da paralisia cerebral e veja nela todas as suas capacidades e potencialidades. 

Fico assombrada, porém, pelo medo de que fique isolada dentro da própria sala de aula ou em uma sala segregada. Ou que não faça amigos, que sofra. O que mais quero é que ela seja feliz e se desenvolva ao máximo. Por isso, pesa sobre mim o dever de escolher bem agora.  

Como minha filha se locomove com andador, a acessibilidade do espaço, ou a disposição da direção para adaptá-lo, é essencial. É necessário também que haja uma pessoa para acompanhá-la, seja para acessar os diferentes ambientes da escola, seja para ajudá-la a ir ao banheiro. 

São direitos de todo estudante com deficiência, mas que muitas escolas privadas continuam negligenciando, ainda que de forma velada e permeada por preconceito, falta de vontade e despreparo. 

Nos contatos que tenho feito com escolas, sempre questiono se há outros alunos com deficiência matriculados na instituição. Já cheguei a ouvir: “não temos crianças com essa condição, mas temos muita inclusão nesta escola”. Só me resta pensar como é possível uma coisa dessas.

Hoje, ainda na Educação Infantil, minha filha estuda em uma escola que realmente leva a educação inclusiva a sério. Logo no primeiro contato, a dona foi me mostrando o prédio e indicando as adaptações que faria. Já veio com tudo organizado, inclusive com o plano de designar uma auxiliar de sala para dar todo suporte necessário para a Livia. Foi incrível a receptividade, tanto por parte da escola como das outras famílias, desde a primeira reunião de pais.

Minha filha é convidada a todas as festas de aniversário, os amigos querem ajudar a empurrar o andador, carregam a mochila dela e correm para abraçá-la. Hoje realmente nos sentimos incluídas, em um ambiente que é capaz de naturalizar as diferenças.” 

Escola e família de mãos dadas em prol da inclusão

Talal Altinawi é pai da Yara, de 17 anos, que estuda em um colégio da rede privada de São Paulo (SP) e do Riad, de 20 anos, que atualmente cursa Faculdade de Medicina.

“Tem gente que ainda pensa que o refugiado é alguém que veio do deserto, que só anda a camelo e que não conhece nada da vida moderna. E não é nada disso. Somos apenas pessoas que tiveram problemas em nossa terra natal — seja por guerra, intolerância religiosa, conflito político ou outras questões — e precisaram fugir. Nessa busca por reconstruir a vida em outro país, a educação inclusiva é fundamental para nossas crianças. 

Quando saí da Síria há quase uma década, o Riad tinha onze anos, e a Yara, oito. Assim que chegamos a São Paulo, matriculei os dois, que não sabiam uma palavra de português, em uma escola da rede pública

Em três meses, eles já falavam bem o idioma. Isso graças à receptividade dos colegas de classe, que, incentivados pelos professores, se mobilizaram para ajudar meus filhos a aprender português. Todo aprendizado é uma via de mão dupla. Além de refugiados, somos muçulmanos e nossos costumes, crenças e tradições despertam curiosidades. Para a minha filha, sempre perguntam sobre o uso do rijab (o véu) e por que ela não veste shorts e roupas de manga curta. Já o meu filho aproveita questionamentos como esses para explicar o significado do Islã. 

Mas nem tudo são rosas. Quando eles receberam bolsas integrais para estudar em um colégio da rede privada da capital paulista, vieram novos desafios. Por exemplo, o nível de desempenho acadêmico esperado e as diferenças econômica e social entre uma família de refugiados – eu ainda não tinha trabalho fixo – e os estudantes de classe média alta. Durante quase dois anos, o Riad principalmente se sentiu muito diferente dos demais. 

Para minimizar esse impacto e acelerar o processo de inclusão, a escola e eu demos as mãos e trabalhamos juntos em função do mesmo objetivo. Enquanto na sala de aula eles viam o conteúdo em português, em casa, eu revisava Matemática, Química e Física com eles em árabe. Além disso, eu mantinha uma comunicação bastante próxima com a coordenação, que me chamava para conversas frequentes sobre socialização tanto do Riad quanto da Yara, avaliações e notas, fluência no idioma e sobre como orientá-los em casa. No paralelo, a escola sempre trabalhou com a conscientização do grupo, com ênfase no respeitar, no cuidar e no ajudar o outro, não importando quão diferente ele seja.”

Informação e conscientização para combater o preconceito

Ana Camila Magalhães é mãe da Maria Luísa Fortes, de 12 anos, que estuda no Colégio Militar da Polícia Militar de Manaus (CMPM-V), em Manaus (AM).

“O preconceito e a falta de informação para lidar com estudantes com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e TOD (Transtorno Desafiador Opositor) nos acompanharam desde o início da vida escolar da minha filha, aos dois anos. Nos últimos dez, passamos por uma dúzia de escolas. 

O acolhimento era sensacional até efetivar a matrícula. A partir daí, começavam as dificuldades e a falta de suporte. Mesmo eu pagando um AT (Atendente Terapêutico) para acompanhar a Maria Luísa, diante de qualquer sinal de crise, já me ligavam para buscar minha filha. E pior: na rematrícula, sempre vinham com uma desculpa para ela não permanecer no ano seguinte. 

Em geral, as escolas não estão preparadas para lidar com transtornos ou doenças mentais. Minha percepção é de que crianças com um desenvolvimento diferente acabam sendo vistas como potencial fonte de gastos e, portanto, indesejadas – especialmente na rede privada de ensino. 

O ponto de virada veio no ano passado, quando a matriculei no Colégio Militar da Polícia Militar de Manaus – Unidade V. Lá as professoras da sala de recursos multifuncionais, especializadas em Educação Especial, entendem mais a Maria Luísa. Respeitam o tempo dela, orientam os professores de sala e traçam estratégias para trabalhar as dificuldades individuais dos alunos. No caso da minha filha, o foco inicial foi desenvolver a autonomia para atividades cotidianas, como amarrar o cadarço e abotoar roupas. 

Aos poucos, já vamos sentindo o poder da inclusão. Na sala de aula, ela adora quando chega a sua vez de ser a chefe da turma — uma espécie de representante de classe. No início, se sentia envergonhada, Hoje, abraça a função como oportunidade de se sentir igual aos outros. Já na sala de recursos, está sempre pronta para ajudar as outras crianças, orientá-las e até mesmo resolver problemas; pela primeira vez, vejo minha filha criando vínculos no ambiente escolar. 

Como pontos de melhoria, destaco a importância de os professores de sala também participarem de capacitações focadas em inclusão e que a escola converse mais com a comunidade escolar sobre saúde mental. A conscientização é um passo fundamental para combater o preconceito.” 

Flexibilidade, convivência e aprendizado

Karina Sousa é mãe do Gustavo Sousa Silva, de 15 anos, que estuda no Colégio Stockler, em São Paulo (SP).

“Quando soube que meu filho tinha recebido uma bolsa integral para estudar em um colégio privado, diferentes pensamentos tomaram conta de mim. Tive medo que seu processo de inclusão na turma fosse mais difícil por causa da nossa condição financeira. Morávamos na comunidade e eu não tinha certeza de como ele e as outras crianças se sentiriam diante disso. 

A primeira surpresa foi a reação dos colegas logo nas primeiras semanas de aula. Ninguém o tratou mal ou com diferença pelo fato de ser bolsista ou vir de escola pública. E, em boa medida, atribuo isso ao exemplo dado pela própria escola e do cuidado com que o processo de inclusão foi conduzido. 

Sempre que os professores passavam uma atividade, a coordenadora procurava saber se ele e outros bolsistas tinham os meios necessários para fazer a tarefa. Já quando começou o isolamento social na pandemia, se certificou de que tínhamos notebook e conexão de internet em casa. 

O Gustavo também esteve sempre cercado de suporte emocional na escola desde o início. O ponto chave trabalhado com ele e com os demais bolsistas era: a partir do momento em que estou no meio do mundo do outro, como faço para me sentir à vontade? Afinal, a inclusão não é algo banal. Não dá para simplesmente fundir um mundo no outro. É um processo de convivência e aprendizado, nem sempre fácil, para todas as partes. 

Olhando para trás, vejo quantas coisas meu filho já aprendeu e ensinou pelo simples fato de ter a oportunidade de viver lado a lado com realidades tão diferentes da dele.  Meu desejo é que todas as crianças tenham a oportunidade de experienciar os encontros que a educação inclusiva proporciona.” 

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