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User eXperience e a experiência do estudante na escola

O conceito ainda é pouco conhecido das instituições de ensino, mas pode ser uma ferramenta importante para o engajamento estudantil e para o sentimento de pertencimento à escola.

texto Julci Rocha e Danielle Lima

O conceito de User Experience (UX) — ou experiência do usuário — tem se tornado cada vez mais frequente na esfera educacional. A expressão surgiu em 1993, na área da tecnologia, quando Donald Norman, na época vice-presidente da Apple, cunhou o termo para suprir a necessidade de explicar como os usuários da marca se sentiam fazendo uso dos produtos. De lá para cá, o UX se disseminou em variados segmentos, em especial na área de design de serviço. Mas será que temos algo a aprender com esse conceito no cenário educacional? Sim, temos!

Na educação, UX se aplica quando o professor ou a escola se atenta à experiência do aluno no processo educacional ou mesmo na sua relação com a escola e, a partir disso, encontra oportunidades de melhoria. Isso pode acontecer em processos com ou sem recursos digitais. A seguir, vamos nos aprofundar mais em possíveis contribuições do UX na escola e na sala de aula. 

Design thinking e UX: do lixo aos resíduos

Projeto interdisciplinar para identificar e resolver problemas relacionados à gestão de resíduos na escola e/ou na comunidade.

  • Empatizar

Os alunos podem fazer um estudo de campo para entender o caminho do lixo e identificar pontos de melhoria na escola ou no entorno. É importante que façam o registro dessa observação. Eles podem preencher um relatório
e/ou fotografar. Podem ainda falar com pessoas da escola e/ou da comunidade, para entender o problema do lixo.

  • Definição

Agora, já divididos em grupos, os alunos devem compartilhar suas observações e registros e identificar aspectos que se repetem, para estabelecer padrões, classificando os problemas identificados. Essa análise precisa conduzir à escolha de um dos desafios, para que busquem sua solução.

O UX contribui nesta etapa, pois, permite uma análise aprofundada, ao considerar a experiência das pessoas com o “lixo”.

  • Ideação

Cada grupo usa estratégias para criar soluções criativas para o desafio definido. Desde a chuva de ideias, já bastante conhecida nas escolas, até a jornada do herói, que pode contribuir na proposição de formas de superar o obstáculo encontrado.

O UX contribui nessas etapas, pois permite que as pessoas que vão se beneficiar da solução avaliem sua eficácia, sugerindo melhorias.

  • Prototipação

Cada grupo escolhe uma forma de concretizar sua ideia, para que as pessoas entendam o que estão propondo. Pode ser uma storytelling, uma encenação, uma maquete. Existem inúmeras possibilidades. O importante é deixar claro como essa solução pode acontecer.

  • Teste e compartilhamento

Os grupos escolhem uma amostra do público-alvo de sua solução para avaliar, testar seu protótipo. Recebem o feedback e ajustam a solução, chegando à sua versão definitiva. Depois, apresentam a ideia finalizada para a escola e/ou comunidade.


UX na escola

O UX se baseia em três pilares. Vamos conhecê-los e apresentar alguns exemplos de suas aplicações na escola:

1. utilidade: analisa se, de fato, um processo ou funcionalidade é relevante. Por exemplo, os estudantes recebem um e-mail, pedindo que acessem a plataforma de ensino para realizar uma atividade. Será que isso é necessário? Talvez uma notificação lembrando que a atividade está pendente funcionasse melhor. Pensando em uma situação desplugada, a correção de uma atividade na lousa, toda dirigida pelo professor, sem a participação dos alunos. Essa prática não permite que os alunos protagonizem ações em sala de aula e ainda limita a interação entre pares.

2. Facilidade de uso: verifica se o acesso é ágil e fácil, sem precisar do uso recorrente de um tutorial ou manual. Se os estudantes conseguem localizar a plataforma da escola e as atividades com facilidade, de forma simplificada, o nível de usabilidade pode ser considerado alto. Um exemplo de estratégia simples e eficiente é a cada aula antecipar na própria lousa ou em um quadro tudo que irá acontecer. Isso prepara o aluno e o deixa ciente do que deve realizar, melhorando sua experiência na escola.

3. prazer: analisa se uma atividade rotineira pode proporcionar prazer. Justamente oferecendo uma experiência mais interativa e responsiva, em que, no caso da tecnologia, o estudante vá além de trocar o livro impresso pelo digital. Outra possibilidade é permitir ao aluno customizar o ambiente de aprendizagem, para deixar com sua cara. Trazendo práticas sem tecnologia, aulas “mão na massa” ou explorando outros espaços da escola. Ao final dessa experiência, vale reservar um tempo para que os alunos retomem o que foi realizado e suas aprendizagens.

Ampliando UX nos recursos educacionais digitais

Com as escolas cada vez mais conectadas, o uso de plataformas de aprendizagem e ambientes virtuais está em franca expansão. Somamos essa tendência ao aprimoramento dos gestores escolares na análise dos dados pedagógicos — que fornecem informações sobre tempo de acesso e interação do estudante com a plataforma — temos uma visão geral mais clara de cada turma e da performance individual dos alunos. Até então, esse tráfego acontecia em apenas uma direção: o estudante acessava o conteúdo e realizava atividades, cabendo ao professor verificar essa entrega e dar uma devolutiva, na maioria das vezes, uma resposta padrão.

O contexto da pandemia de Covid-19 acelerou a transformação digital nas escolas, pedindo a rápida implementação de uma solução on-line para substituir as aulas presenciais, já que as escolas estavam fechadas. Muitos foram os obstáculos, mas professores e gestores perceberam que o momento oportunizava aprimoramentos em alguns processos educativos, sobretudo na avaliação. Com os recursos digitais, os professores poderiam personalizar melhor o ensino e flexibilizar os suportes didáticos para os alunos, atendendo aos diferentes perfis de aprendizagem.

Pensando no papel do professor, é preciso que essas plataformas de ensino garantam facilidade na gestão, mas, sobretudo, que lhe possibilitem desenhar o planejamento, considerando o perfil de cada turma. Se o ambiente for muito engessado, limita a personalização e impede o docente de adequar o conteúdo e os recursos oferecidos à sua didática. Isso pode lhe fazer buscar caminhos fora desse ambiente, comprometendo o engajamento e interferindo nos dados pedagógicos.

Agora é tempo de ir além: que tal usar o User Experience para aumentar o engajamento dos estudantes, desenvolver sua metacognição e seu meta-aprendizado e ter um acompanhamento dinâmico de sua atuação nas atividades escolares?  

Ux na relação professor vs estudante

Agora que analisamos o conceito de UX, percebendo sua aplicabilidade nas escolas relacionada ao uso das tecnologias, vamos aprofundar como, na sala de aula, o professor pode refletir acerca da experiência de seus alunos no processo educacional e realizar ajustes de rota.

1. feedback: um excelente recurso é contemplar no planejamento momentos de feedback. Essa prática pode ser realizada com uma roda de conversa ou por meio de um formulário impresso ou digital. A ideia é dar espaço para que o estudante expresse como foi determinada experiência de aprendizagem (aula, sequência didática, projeto). Essa análise ultrapassa a mensuração do que foi aprendido pelos instrumentos tradicionais de avaliação. Ao oportunizar a reflexão do aluno sobre essa experiência, ele se torna mais consciente de seu percurso aula a aula. Para que o feedback funcione para melhorar a experiência do estudante na escola, é preciso que ocorra de forma sistêmica, ou seja, com frequência e agilidade na resposta. Do contrário, os ajustes identificados acabam ocorrendo tarde demais, prejudicando o percurso de aprendizagem do estudante.

2. autoavaliação: outro instrumento poderoso é a autoavaliação. Nela, o estudante precisa considerar o seu papel na experiência, a qualidade de sua atuação, perceber o que aprendeu e/ou o que precisa aprimorar, tornando-se mais consciente e protagonista da sua própria evolução.

3. linguagem adequada ao público-alvo: na Educação Infantil, por exemplo, vale investir mais em imagens ou ícones nas produções ou na escolha de recursos e oferecer explicações e orientações por meio de áudios e vídeos. Já no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, os recursos precisam usar um design atual, condizente com estudantes que utilizam diariamente aplicativos e ferramentas digitais. No caso de recursos digitais, vemos muitos ambientes virtuais de aprendizagem com um aspecto acadêmico e estéril. Por que não incluir um chatbot para tirar as dúvidas relacionadas ao uso da plataforma? Os próprios estudantes poderiam participar de sua identidade visual e elaborar perguntas e respostas mais usuais. Gifs, memes e emoticons também fazem parte do universo dos alunos e podem ser um caminho para dinamizar a comunicação com os professores e a escola. 

4. gamificação: também é uma ótima aliada. Permitir a customização de um avatar e conceder emblemas de habilidades e competências faz com que os alunos se tornem mais proativos na realização das tarefas. Um bom exemplo da gamificação em favor da aprendizagem é a plataforma de ensino digital Khan Academy. Vale lembrar que experiências de gamificação também podem ser promovidas sem o uso de recursos digitais.

5. devolutivas personalizadas: Outra oportunidade de melhoria da experiência do usuário é customizar as devolutivas, tornando-as mais específicas em vez de dar respostas genéricas. 

Cada professor pode criar uma linguagem própria, alinhada com sua prática e seu jeito de ensinar. Mensagens, comunicados e avisos precisam ser padronizados e trazer as informações necessárias. Um bom exemplo é investir um pouco mais de tempo na elaboração de um questionário on-line, incluindo comentários nas respostas certas e erradas. É possível dar um feedback individual, oferecendo a cada estudante uma devolutiva específica sobre seu desempenho na atividade. 

Personalizar a mensagem de agradecimento do questionário parece uma coisa simples, mas pode surpreender os alunos e evidencia o quanto o professor cuida de cada detalhe. 

Ainda aprofundando possibilidades com questionários on-line, é importante comentar o quanto esse tipo de recurso favorece a personalização. Com a ramificação das questões, o estudante que marcar a alternativa errada em uma questão, pode ser direcionado a outra que o faça rever o conceito, assistir a um vídeo e tentar novamente. Dessa forma, a atividade potencializa a aprendizagem, pois oferece mais que o erro ou acerto.

De olho nos dados pedagógicos

Os dados pedagógicos não são úteis apenas para a análise dos gestores da escola. O professor pode usar essas informações para identificar o perfil de cada estudante, avaliar se determinada tarefa ou prática alcançou os resultados esperados e, a partir disso, realizar as intervenções necessárias para avançar com a turma ou apoiar um dos estudantes em suas dificuldades. Esses dados estão
disponíveis na maior parte das plataformas de ensino. Mas, atenção: os dados pedagógicos indicam pontos de alerta, aspectos no processo de aprendizagem que precisam ser revistos ou adequados. Sozinhos eles não resolvem as lacunas de aprendizado ou explicam a falta de participação dos alunos. O professor deve sempre utilizar múltiplos instrumentos para acompanhar suas turmas.

Para exemplificar o quanto os dados podem favorecer as ações pedagógicas, trazemos a seguinte situação:

A professora Ana planejou uma sala de aula invertida para introduzir um conteúdo novo: o ciclo da água. Assim, seus alunos exploraram uma trilha de aprendizagem em casa, antes de se aprofundarem sobre o assunto em sala de aula. Nessa trilha, Ana pediu que respondessem um questionário digital. Antes da aula seguinte, a professora analisou as respostas da turma ao questionário e identificou alguns pontos de atenção que precisaria retomar durante a aula. Ela replanejou a atividade prevista, tornando-a mais ativa, já que os alunos formariam duplas e desenhariam juntos todas as etapas do ciclo da água. Ana percebeu que os dados fornecidos pelo questionário ajudaram a otimizar o tempo da aula, focando no que realmente precisaria retomar ou explicar.

Design thinking e user experience: promovendo experiências ativas

O Design Thinking (DT), abordagem de solução de problemas muito utilizada por empresas, universidades e organizações sociais, tem sido usado nas práticas pedagógicas como uma estratégia de aprendizagem ativa, usualmente integrada a projetos. Na educação, sua contribuição é desenvolver nos estudantes competências de resolução de problemas de forma colaborativa, com um olhar mais empático para as pessoas e seus problemas. O DT oferece um conjunto de técnicas, ferramentas e métodos que viabilizam a criação de soluções para atender a necessidades, anseios ou desejos do mundo real.

A experiência do usuário é intrínseca ao DT e suas etapas, pois todas as soluções dessa abordagem envolvem o entendimento da realidade dos usuários para os quais as soluções estão sendo desenvolvidas. Por isso, imergir na situação, observar, entrevistar, vivenciar a “jornada do usuário”, recolher feedbacks e ajustar a rota é a essência do Design Thinking e também seu diferencial. 

Para entender melhor como desenhar uma prática de DT e UX em sala de aula, veja o exemplo apresentado no infográfico das páginas 50-51.

Etapas do DT

1. Empatia: entender o problema por meio de observações, pesquisas, vivências e imersão.

2. Definição: compilar as informações, analisando registros e identificando e classificando padrões.

3. Ideação: criação e compartilhamento de ideias. O brainstorming e brainwriting são estratégias usadas nesta etapa.

4. Prototipação: materialização das ideias por meio de protótipo, cartaz, encenação etc.

5. Teste: validação da ideia para verificar se ela é, de fato, aplicável. São realizados testes para identificar pontos de aprimoramento que conduzirão à sua versão final.

Recursos digitais: o que usar?

Seguem algumas sugestões de ferramentas e ambientes de aprendizagem que você pode utilizar nas suas práticas pedagógicas que permitem customizações com base na UX. 

Google sala de aula

A plataforma é gratuita e permite ao professor criar suas turmas, atribuir atividades, compartilhar conteúdo de forma organizada. É possível integrar com outros recursos Google, como documentos, apresentações, questionários. Sua interface simplificada agrada bastante educadores e estudantes.

Microsoft Teams

É considerado um hub digital, pois integra diferentes ferramentas sem precisar que o estudante abra várias guias no navegador. A ferramenta conta com versão web e aplicativo (desktop e mobile) e, como foi criada para o mundo corporativo, inicialmente parece complicada, mas, depois que entendemos sua lógica e organização, torna-se um poderoso aliado para a aprendizagem. No Teams, o professor atribui tarefas, envia mensagens individuais e para a turma, usando o chat. A ferramenta tem videochamada integrada, com lista de presença. No aplicativo, é possível dividir a classe em grupos. Cada equipe conta com um caderno digital e arquivos separados.

Microsoft Power BI

Este vem sendo cada vez mais usado por escolas que utilizam os recursos da Microsoft. Sua finalidade é permitir o acesso a diversas fontes de dados, facilitando a visualização e a interpretação. A ferramenta ainda oferece o recurso de insights, que combina dados significativos, favorecendo a tomada de decisões.


Julci Rocha é mestre em Educação: pela PUC/SP, pós--graduada em gestão educacional, design educacional e educação inovadora. Licenciada em Letras pela USP. Diretora e fundadora da Redesenho Educacional. Atua na formação inicial e continuada na educação há mais de 15 anos, em diversos segmentos, como escolas, universidades, organizações sociais e empresas relacionadas à tecnologia educacional. É consultora do CIEB, Fundação Lemann, Fundação Telefônica Vivo e Instituto Natura. Gestora de projetos, formadora de professores, autora de materiais didáticos e professora de pós-graduação do na área de metodologias ativas e educação inovadora. Professora Inovadora Fellow Certificada pela Microsoft (MIE Fellow). Representou o Brasil em Singapura (2018) e em Paris (2019).
Danielle Lima é mestranda em Educação Escolar pela Unicamp, Licenciada em Letras (UECE), pós-graduada em Gestão Educacional (UFSM) e Educação e Tecnologias (UFSCar). Coordenadora pedagógica na Redesenho Educacional.  Professora de Língua Portuguesa. Autora de materiais didático-pedagógicos e formadora de professores. Professora Inovadora Fellow Certificada pela Microsoft (MIE Fellow). Representou o Brasil em Paris (2019) e na Australia (on-line-2020). Vencedora do prêmio Destaque Educação 2019 e 2020.

Para saber mais

  • Google Classroom. Disponível em: mod.lk/pd226. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • Microsoft Teams. Disponível em: mod.lk/pd227. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • Microsoft Power BI. Disponível em: mod.lk/pd228. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • Portal Khan Academy. Disponível em: mod.lk/pd2225. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • GOOGLE. Treinamento básico Google for Education, 2020. Disponível em: mod.lk/pd2230. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • MICROSOFT. Curso Transformando o aprendizado com o Microsoft Teams, 2021. Disponível em: mod.lk/pd2229. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • ROCHA, J. Webinar Educação Inovadora 2019 #5 – Design thinking e storytelling para educadores. Disponível em: mod.lk/pod224. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • SILVA, L.; RICALDONI, T. Design UX e educação:aplicação de ferramentas para mapear perfil de alunos, experiência e valor percebido gerando melhorias na gestão e processo de ensino-aprendizagem. Congresso ABED: PUC/MG, 2019. Disponível em: <mod.lk/pord22>. Acesso em: 12 fev. 2022.
  • TESSARI, L. Entenda como o UX Design se faz presente na educação. Educatech – Folha de Vitória, 9 out. 2021. Disponível em: mod.lk/pod223. Acesso em: 12 fev. 2022.
  • VIVO, F. T. UX incrementa o ensino e exercita a resolução de problemas. Fundação Telefônica Vivo, 2019. Disponível em: mod.lk/pod222. Acesso em: 12 fev. 2022.
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