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Caminhos de espiritualidade na escola

Trabalhar a espiritualidade na escola ajuda na formação de melhores cidadãos.

texto  Renan Nascimento

Nos últimos anos temos visto muitas escolas desenvolvendo projetos que valorizam a dimensão espiritual na educação. Essa tendência se intensificou durante a pandemia de Covid-19, momento em que estudantes e professores, privados da convivência em sala de aula, tiveram de se reinventar e buscar um significado mais amplo, um sentido maior para o processo de ensino-aprendizagem e para suas vidas. Mais do que simplesmente transmitir conteúdos e ensinar conceitos, a escola passou a ser um espaço de desenvolvimento integral dos estudantes. Nesse sentido, dimensões que antes eram relegadas ao esquecimento em detrimento da dimensão cognitiva/intelectual ganharam importância para os envolvidos no processo educativo. Assim, numa íntima comunhão com a socioemocional, a dimensão espiritual tem sido fonte de desenvolvimento de valores e princípios para a formação de cidadãos que transformem o mundo num espaço de paz, justiça, compaixão, solidariedade, diálogo e encontro com quem pensa e age de maneira diferente, com culturas e tradições que têm suas multiplicidades e diversidades.   

Espiritualidade e religiosidade

Ao longo da história, espiritualidade e religião sempre estiveram vinculadas, pois tanto uma como outra, eram utilizadas pelo ser humano na busca por uma realidade transcendente, por algo além de si mesmo. Mas, nas últimas décadas, a espiritualidade passou por um processo de ressignificação e ressurgiu com novas roupagens. Isso foi consequência da secularização pela qual passou a humanidade e das transformações que ocorreram na relação do ser humano com o mundo e com o sagrado. Se antes, a espiritualidade era “propriedade” das tradições religiosas, hoje ela pertence a diversas esferas da sociedade, desde a ciência até a educação. 

De maneira geral, atualmente, a espiritualidade é concebida como dimensão que revela o que há de belo e mais significativo na vida. Por ela, o ser humano desenvolve a capacidade de ir além do que seus olhos veem e do que suas mãos tocam para mergulhar no que há de mais profundo em si mesmo e no outro. A dimensão espiritual ajuda a pessoa a encontrar sentido e valor em tudo o que faz e experimenta. Neste tempo de acentuadas transformações e grandes incertezas, a espiritualidade oferece àqueles que aspiram a voos mais altos, uma experiência de abertura e encontro com sua essência, com as pessoas com as quais convive e com o meio em que está inserido. 

Essa visão antropológica e contemporânea de espiritualidade necessita readquirir contornos de transcendência quando atrelada à dimensão religiosa do ser humano. Essa “religiosidade” pode ser compreendida como uma forma de expressar a espiritualidade por meio dos elementos que a compõem e seus modos de ser, crer, proceder e conviver.

Infância e adolescência: abertura para a transcendência

A transcendência está relacionada a tudo o que desperta em nós a sede de infinito e de horizontes maiores para a existência. É a capacidade humana de transpor o que limita e aprisiona, e de lançar-se para além do que existe no mundo. É a forma de simbolizar e dar sentido sagrado às coisas mais simples do cotidiano. Teológica e poeticamente, podemos dizer que transcendência é dar ao ser humano a oportunidade de vivenciar sua finitude como abertura para o infinito, de alcançar o céu com os pés no chão.   

Nesse contexto, a infância e a adolescência se tornam períodos da vida mais significativos para o desenvolvimento de uma espiritualidade voltada para a transcendência. Parafraseando Leonardo Boff, podemos afirmar que crianças e adolescentes estão em pleno desenvolvimento da “exterioridade” compreendida como expressão corporal, mas também da “interioridade” entendida como universo psíquico interior, e, por fim, da “profundidade” como sinônimo de espiritualidade.

A criança tem como marca inata a curiosidade, a imaginação e a abertura para novas experiências, é um ser em constante transformação e que empreende a busca incessante por novas aprendizagens. Portanto, a infância é o contexto ideal para proporcionar experiências que potencializem a dimensão espiritual. O adolescente, por sua vez, está vivendo um período de profundas mudanças de todas as dimensões que compõem sua vida, desde a dimensão corporal, passando pela socioemocional até a intelectual. Na busca pela formação de sua identidade, ele é instigado a ir ao encontro dos outros, daqueles que fazem parte de seu núcleo de amizade e que o ajudarão a se conhecer por meio de relações vividas em diversos contextos, principalmente o escolar. É justamente nesse desejo de se conhecer e conhecer os outros que ele se abre para viver o novo e buscar a espiritualidade. O adolescente naturalmente busca transcender e ir além do que está posto. Quer ser como uma águia que se lança audaciosamente em voos mais altos, impulsionada pelo desejo de romper os limites e ser livre. 

Nesse sentido, infância e adolescência passam a ser compreendidas como fases essenciais para a aprendizagem significativa de valores e princípios éticos que nascem e se fundamentam na vivência da espiritualidade. Abrir-se para a transcendência é o que o impulsiona tanto a criança como o adolescente a construir uma nova humanidade que pensa e age em benefício do bem comum. 

Quociente espiritual

no início do século 20, o Quociente de Inteligência (QI) determinava nossa capacidade de raciocínio para solucionar problemas e questões de lógica. Psicólogos do mundo todo desenvolveram diversos testes para classificar o grau de inteligência das pessoas, indicando quais eram suas potencialidades, habilidades e talentos. Quanto mais alto o resultado, maior o QI. 

Já no final do século 20, o psicólogo Daniel Goleman, em conjunto com neurocientistas e psicólogos, afirma que, além do QI, o ser humano é dotado de outra inteligência conhecida como Quociente Emocional (QE). Por meio dessa inteligência, as pessoas desenvolvem uma percepção mais apurada de seus sentimentos e emoções, assim como os dos outros com os quais convivem e se relacionam. Quanto maior o QE, mais as pessoas tendem a se tornar compassivas, empáticas, motivadas e capazes de reagir de maneira apropriada à dor e ao prazer. Se as áreas do cérebro que controlam as sensações e os sentimentos forem afetadas, nosso pensamento será menos eficiente. Essa é a conexão entre QI e QE. 

No início do século 21, a filósofa e estudiosa da religião Danah Zohar e seu marido, o psiquiatra Ian Marshall, deram um passo adiante, afirmando a existência de um terceiro tipo de inteligência: o Quociente Espiritual (QS – do inglês Spiritual Quocient). Segundo Danah e Marshall, o QS é a inteligência do sentido e significado maior da vida. Com essa inteligência, o ser humano é capaz de resolver questões de sentido e valor, buscar horizontes mais amplos para sua existência e discernir sobre caminhos e ações significativas.  


Papa Francisco: educação e espiritualidade ecológicas

Na Encíclica Laudato Si, Papa Francisco conclama todas as pessoas e povos a formar os jovens por meio de uma educação e uma espiritualidade ecológicas. Assim, a escola pode contribuir para educar os jovens na experiência da autotranscedência como forma de superar o individualismo e toda espécie de utilitarismo, além de aprender
a cuidar dos outros e do meio ambiente com generosidade e amor.


A busca de um sentido espiritual na escola 

Não é preciso ser uma escola confessional para desenvolver a espiritualidade. Basta ser um espaço educativo em que os estudantes entendam, vejam e percebam um propósito no que estão aprendendo em sala de aula, na convivência com seus colegas e na relação com seus professores. A espiritualidade transparece nos gestos e nas atitudes de todos os que estão em constante e permanente relação com cada criança e adolescente. Os estudantes devem sentir que estão num ambiente que propicia naturalmente uma vivência espiritual como busca de sentido transcendente para suas vidas, em um lugar de autoconhecimento constante e de conhecimento mútuo. Esse ambiente permite que desenvolvam uma espiritualidade baseada na abertura para as diferentes visões de mundo e no diálogo com a diversidade de culturas e crenças.  

Uma escola que proporciona experiências de espiritualidade não é aquela que ensina a rezar, mas a que oferece oportunidades para que os alunos possam compreender os porquês dos ensinamentos e não sejam movidos pelo “para que serve” o que estão aprendendo nos componentes curriculares, no sentido utilitarista da pergunta. 

Outro ponto importante é a transformação do espaço escolar em local de experiências que desenvolvam e fortaleçam os aspectos positivos, as potencialidades e os valores das crianças e dos jovens. Isso pode ser feito por meio de vivências práticas no cotidiano que os ajudem a descobrir e usar a força espiritual interior, a criatividade, a imaginação, os sentidos e o desejo de ser melhor para si e para os outros.  

Por fim, uma escola que busca formar pessoas espiritualmente desenvolvidas é aquela que ensina e aprende com as crianças e os adolescentes a descobrir o amor por meio de um ambiente de relações harmoniosas e acolhedoras, e que desperte a sensibilidade diante dos problemas do mundo, do sofrimento das pessoas e das dores da natureza com os elementos que a compõem.


Renan Nascimento
 
é licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (1995) e em Pedagogia pela Faculdade Claretiano (2016); bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2001), pós-graduado em Psicopedagogia pela Universidade Estadual de Minas Gerais (1997) e em Ensino Religioso pela Universidade Católica de Brasília (2008); músico; leitor técnico e elaborador de conteúdo para livros didáticos; orientador educacional e coordenador da área de Ensino Religioso do Colégio São Luís, em São Paulo, desde 2002.

Para saber mais

  • BOFF, L. Tempo de transcendência: o ser humano como um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
  • BOFF, L. Espiritualidade: caminho de realização. Petropólis: Vozes, 2003.
  • FRANCISCO, P. Carta Encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da casa comum. Roma: Vaticano, 2015. Disponível em: mod.lk/lrac22. Acesso em: 12 fev. 2022.
  • GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
  • RÖHR, F. Educação e Espiritualidade: contribuições para uma compreensão multidimensional da realidade, do homem e da educação. Campinas: Mercado de Letras, 2013.
  • ZOHAR, D.; MARSHALL, I. QS: Inteligência espiritual. Tradução Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Viva Livros, 2012.
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