fbpx

Educação OnLIFE: novas oportunidades e desafios

Conheça os principais aspectos a que o gestor deve se atentar para preparar a escola para as perspectivas da Educação OnLIFE. 

texto  Lara Silbiger

Um caminho sem volta. É assim que os gestores escolares entrevistados pela reportagem de Educatrix se referem à Educação OnLIFE. Embora o conceito em si ainda não faça parte do vocabulário da maioria das escolas no país, as perspectivas de aprendizagem que se abrem com a nova experiência de realidade hiperconectada — acelerada na pandemia — já começam a ganhar forma no planejamento de curto e médio prazos de algumas equipes de gestão.

O neologismo OnLIFE, cunhado por Luciano Floridi, professor de Filosofia e Ética da Informação na Oxford University e diretor do Laboratório de Ética Digital no Oxford Internet Institute, veio a público pela primeira vez em fevereiro de 2013 em um evento da Direção Geral da Comissão Europeia para Redes de Comunicações, Conteúdo e Tecnologia. Dois anos depois, o termo foi novamente apresentado no Manifesto OnLIFE, com as principais conclusões do estudo “A Iniciativa OnLIFE: reengenharia de conceito para repensar as preocupações sociais na transição digital”, também liderado por Floridi.

De lá para cá, as pesquisas avançaram, e o conceito de OnLIFE ganhou vida em outras áreas do saber. “Na Educação, o OnLIFE tem como proposta cocriar atores e configurar um novo ecossistema de inovação — conectado, conectivo, orgânico, dinâmico e sempre passível de ser revisto, acompanhando as mudanças da sociedade”, explica Lucí Ferraz, pesquisadora e consultora em Educação OnLIFE, com base nas pesquisas de Eliane Schlemmer, da Unisinos.

À primeira vista, é possível que o leitor pense que tamanha quantidade de adjetivos seja um exagero para explicar as mudanças que o OnLIFE implica. Engana-se. “A meta é criar ecossistemas constituídos por ambientes férteis, vivos e abertos, com tecnologias digitais onde as atividades de aprendizagem e o conhecimento possam nascer, crescer e evoluir, sem distinção entre os mundos on-line e off-line”, afirma José António Moreira, professor da Universidade Aberta, em Portugal, na apresentação “Por um novo paradigma de Educação Digital OnLIFE. E, para quem ainda ficou na dúvida, ele arremata: “Trata-se uma educação expandida, em que a questão central não é tanto o que se aprende, mas como, onde, quando e com quem se aprende. Os novos espaços, tempo, pessoas e redes”.

Na prática, o que a Educação OnLIFE promete é extrapolar os muros da escola por meio do uso intencional da tecnologia digital, como visitas virtuais, realidade aumentada, games, sensores, entre outros recursos, oferecendo ao aluno a possibilidade de contextualizar e experimentar conteúdos curriculares em situações que vão além da sala de aula. “Isso inclusive ajuda o jovem a entender e ressignificar o papel da escola na sua vida”, comenta Lucí. 

Um convite para rever paradigmas

Tão grandes quanto as oportunidades que se desenham no horizonte são os desafios que a Educação OnLIFE lança para as escolas. Afinal, a tecnologia sozinha não muda práticas pedagógicas. 

“Não é uma utopia considerar as tecnologias como uma oportunidade de inovação, integração, inclusão, flexibilização, abertura, personalização de percursos de aprendizagem, mas essa realidade exige uma mudança de paradigma. Uma mudança que tem sido difícil de implementar e que, com a pandemia causada pelo novo coronavírus, já está acontecendo devido às restrições de contato físico entre as comunidades educativas”, garante Moreira no artigo “Por um novo conceito e paradigma de educação digital OnLIFE, em coautoria com Eliane Schlemmer, professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Ainda que mudanças organizacionais possam parecer dolorosas e implicar desafios institucionais de adaptação, inovação, alterações estruturais, flexibilidade, enquadramento e liderança, Moreira afirma que estamos diante de um momento decisivo para assumir a mudança. Desde que a pandemia começou, as escolas — embora em diferentes intensidades — vêm se esforçando para se adaptar a um mundo digital, fazendo com que recursos antes encarados como sociais ou lúdicos comecem a compor novos espaços educativos. 

Por isso, torna-se cada vez mais importante repensar os processos educativos e estabelecer formas de desenhar como a aprendizagem pode se dar em um contexto de sala de aula que contempla a presencialidade digital e a interação sem distanciamento, ou seja, independentemente do espaço, da geografia e do tempo.

É preciso se organizar para inovar

“Para abraçar as perspectivas da Educação OnLIFE, o gestor precisa se perguntar: como penso minha proposta pedagógica a partir da tecnologia?”, afirma Lucí. Segundo ela, este deve ser o primeiro passo de quem busca ressignificar o papel da escola no atual contexto de inovação. 

O motivo é simples. “Estamos diante de uma proposta ligada à vida e que traz um olhar holístico para a Educação. 

“Mudamos a escola porque o mundo mudou”

[Colégio Carbonell]

No colégio Carbonell, em Guarulhos (SP), a revisão do Projeto Político Pedagógico aconteceu em 2019, quando os gestores escolares já vislumbravam a mudança no papel do professor e do estudante. “Fruto de um trabalho colaborativo, nosso PPP passou a destacar a importância de o aluno não ser mero repositório de informações, mas de assumir participação ativa na sua formação”, explica a mantenedora Andrea Lourenço. “Na ocasião, ainda não sabíamos como fazer aquilo virar realidade. Mas, quando chegou a pandemia, aproveitamos o desconforto do ensino híbrido para levar o projeto à prática, tirando o professor do centro das atenções e mudando inclusive o espaço físico da escola. Sabíamos que, se voltássemos à sala de aula com as cadeiras enfileiradas e o professor lá na frente, tudo continuaria igual. Mudamos a escola porque o mundo mudou.”

Com o retorno gradual dos alunos ao Colégio, o passo seguinte foi reorganizar as metodologias de ensino. “Depois de várias reuniões com a coordenação e orientação pedagógica, partimos para a apresentação da proposta aos professores e a formação deles. A mudança não é simples, nem rápida. Às vezes, recuamos e permitimos que os mais resistentes não usem o modelo, já que não acreditamos em algo imposto. Mas continuamos acreditando na proposta e iremos intensificar a formação da equipe, com ajustes que contemplem a realidade da escola e o momento em que vivemos”, conta a mantenedora. 

Para apoiar os professores nesse processo, o Colégio criou uma rede de aprendizagem. No momento, eles estão estudando juntos um livro sobre tecnologias educacionais, personalização no ensino e educação híbrida. Além disso, desde 2019, acontece o momento de boas práticas durante os encontros semanais de formação. “Quem está um passo à frente na inserção da tecnologia nas aulas apresenta aos demais, com o passo a passo do que desenvolveu. Isso encoraja o grupo como um todo.” 

Em paralelo, os gestores do Carbonell vêm promovendo diversos encontros com as famílias. “Algumas ainda resistem e houve até aquelas que deixaram a escola, em busca de algo mais tradicional”, conta Andrea.

Agora é dever das equipes gestoras parar e analisar como as tecnologias, metodologias e demais recursos se imbricam, o que funciona e o que não funciona”, recomenda a pesquisadora e consultora em Educação OnLIFE. 

A missão não é das mais simples e, segundo Lucí, exige repensar toda a proposta da escola: do Projeto Político Pedagógico (PPP) ao currículo. “O principal objetivo é rever a atual desfragmentação da Educação.” 

Formação de professores

Na Educação OnLIFE, a construção do conhecimento, mais do que nunca, é mediada pelos professores, que atuam como problematizadores e facilitadores, e não apenas como transmissores de conhecimento ou oradores em aulas expositivas. 

“Rever as formações docentes, sob a ótica de resgatar o protagonismo deles, é primordial neste momento”, alerta Lucí. O foco não deve recair sobre a produção de conteúdo das aulas, mas sobre as análises e os processos do aprendizado em si, com provocações e estratégias que conduzam à construção interativa do conhecimento, mediada por tecnologias digitais e novos formatos de sala de aula, por exemplo, sala de aula invertida, rotação por estações ou individual, atividade maker, entre outros que maximizem as oportunidades que o OnLIFE proporciona. 

“É hora de repensar os eixos de cultura e cidadania digitais no currículo”

[colégio Dante Alighieri]

“Entre os desafios trazidos pela Educação OnLIFE, estão repensar os eixos de cultura digital e cidadania digital no currículo e formar a equipe docente para trabalhá-los de forma interdisciplinar nos planos de aula”, pondera Verônica Cannatá, coordenadora e professora de tecnologia educacional no Colégio Dante Alighieri, em São Paulo (SP). 

Apesar de já fazerem parte do dia a dia da instituição, que contempla também os eixos de pensamento lógico computacional, empreendedorismo social, letramento financeiro e cultura maker, ambos vêm ganhando atenção no atual cenário. “Nossa responsabilidade é ainda maior agora que os alunos passaram mais de um ano na frente da tela. Quando voltarem 100% para o presencial, se tiverem que ficar o tempo todo sentados e olhando para o papel, o processo de aprendizado será simplesmente insuportável para essa geração”, desabafa Verônica.

Como estratégias para evitar o problema e abraçar as oportunidades que se abrem com a hiperconectividade, o Colégio já planeja a formação de professores para 2022. “De um lado, vamos manter o que já vem funcionando, como o roteiro de aula muito claro e as metodologias que respeitam mais o tempo do aluno. De outro, vamos focar nas perspectivas da Educação OnLIFE, com reflexões sobre novas possibilidades de uso da tecnologia, a formação do estudante OnLIFE para o exercício da cidadania e ética digital e os desafios da mediação docente em um contexto em que não existem mais limites entre o on-line e off-line”, conta a coordenadora. 

“O processo educacional deve ser intencional”

[Colégio Notre Dame]

“O maior desafio é trabalhar a tecnologia como meio de aprendizagem, não como mero meio de transmissão da informação”, afirma Sônia Allegretti, diretora-geral do Colégio Notre Dame, em São Paulo (SP). 

Segundo ela, o principal objetivo das escolas ao inserir as tecnologias digitais no processo educacional deve ser criar cenários de aprendizado e levar os alunos para uma realidade repleta de possibilidades, experiências e descobertas. “Essa é a chave para desenvolver o espírito investigador e consolidar conhecimentos.”

Para isso, o Colégio Notre Dame investe na tríade tecnologias digitais, interdisciplinaridade e metodologias ativas, bem como em um time pedagógico-tecnológico para orquestrar esse conjunto. “De um lado, fazemos adaptações periódicas da banda larga da escola e atualizações de dispositivos. De outro, temos um profissional responsável por pesquisar e selecionar novos softwares educacionais no mercado, receber demandas do time pedagógico e criar as condições ideais para os aplicativos rodarem”, explica Sônia.

Outro aspecto essencial no Colégio é a formação contínua dos professores. “Antes, eles até gozavam de certa liberdade para se aventurarem e explorarem pontualmente novas tecnologias digitais na aula. Com a pandemia, isso acabou. Elas são um caminho sem volta no mundo hiperconectado em que vivemos”, sentencia a diretora-geral. 

Para estimular que sejam efetivamente incorporadas no planejamento das aulas, Sônia desafia cada professor a apresentar, nas reuniões mensais com os coordenadores, dois exemplos de atividades que realizaram adotando novas metodologias e tecnologias digitais. 

Também fundamental é criar todas as condições para que o docente desenvolva a plena fluência digital. “Primeiro, precisam se familiarizar com a tecnologia e começar a usá-la. Só então estará apto para sair do instrumental e passar a fazer novos usos e novas pontes com a realidade. Nada disso é instintivo, exige reflexão, instigação e trocas entre pares”, assegura Lucí.

Infraestrutura

À equipe gestora das instituições de ensino cabe planejar a mudança na arquitetura escolar, investir em recursos tecnológicos que darão asas à Educação OnLIFE e impulsionar as ações a favor da inovação no aprendizado. Mas tudo isso, é claro, só fará sentido se o conjunto de ações estiver pautado nas necessidades pedagógicas vindas da sala de aula e demais espaços de aprendizagem.


Para saber mais

  • FLORIDI, L. The Onlife Manifesto: Being Human in a Hyperconnected Era. Springer, 2014. Disponível em: mod.lk/ed21_ge1. Acesso em: 19 jul. 2021.
  • MOREIRA, J. A.; SCHLEMMER, E. Por um novo conceito e paradigma de educação digital Onlife. Revista UFG, v. 20, 2020. Disponível em: mod.lk/ed21_ge2. Acesso em: 19 jul. 2021.

LARA SILBIGER é jornalista graduada pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Comunicação Audiovisual na Era Digital pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e atuação em redações de veículos de grande circulação. Desde 2002, cobre a área de Educação. Entre 2013 e 2019, dirigiu os web documentários das edições anuais do Prêmio Arte na Escola Cidadã, promovido pelo Instituto Arte na Escola.  

Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com