Uma rede de soluções
Como um esforço combinado de várias iniciativas pode mudar a Educação Brasileira.
Texto: Priscila Cruz | Ilustração: Otavio Silveira
Educadores, técnicos ou profissionais da Educação conhecem as limitações e os inúmeros desafios que surgem quando entramos em uma sala de aula, ocupamos uma mesa de direção ou um gabinete na Secretaria de Educação, para não citar as outras dezenas de funções envolvidas no processo de ensino-aprendizagem. A situação é, para muitos, uma longa jornada solitária, dentro e fora da escola. De um lado, o público em geral sabe muito pouco sobre os bastidores da Educação e suas particularidades; de outro, faltam redes de cooperação bem organizadas dentro e fora da escola que aumentem a velocidade das tomadas de decisão, impactando positivamente o acesso, a permanência e a aprendizagem dos alunos.
Esse descompasso não aparece apenas nos testes internacionais e nacionais, ainda que eles sejam o termômetro mais evidente; ele surge, sobretudo, no dia a dia escolar, na verba que não chega, nos professores e diretores sobrecarregados e nos estudantes que vão à escola, mas não aprendem. Em um país como o Brasil, em que uma de suas faces mais nefastas é a desigualdade social, a falta de estratégia no apoio à Educação atinge com mais dureza os estudantes em situação de mais vulnerabilidade. Enquanto entre os jovens mais ricos, a taxa de conclusão do Ensino Médio aos 19 anos é de 85%, entre os mais pobres, o índice é de apenas 41,8%.
Mudar essa rota não é um problema nem de professores, nem de familiares, nem de alunos e nem de gestores educacionais individualmente, mas de toda a sociedade brasileira. A situação exige um ataque estratégico, um esforço combinado e inteligente de vários setores e profissionais da Educação, para criar uma rede de políticas públicas que se influenciem mutuamente, reforçando as características positivas umas das outras.
Para um salto na educação: educação já!
Desse diagnóstico nasceu o Educação Já!, uma iniciativa suprapartidária liderada pelo movimento Todos Pela Educação e formada por um grupo plural de especialistas, movimentos e instituições. Guiados pela pergunta “O que devemos fazer para dar um salto na Educação nos próximos anos?”, o grupo aponta prioridades que podem impulsionar a Educação brasileira nos próximos quatro anos de gestão (2019-2022), como uma base nacional de aprendizagem, alfabetização, Ensino Médio, professores, governança e gestão e, por fim, financiamento. A sinergia entre essas ações combinadas pode alterar as trajetórias escolares e de vida de milhares de brasileiros.
A ideia é que, na hora de estabelecer planos para a Educação, o próximo Presidente da República e os governantes estaduais levem em conta tais propostas e compreendam que uma política pública de Educação isolada tem efeito limitado, mas em conjunto, é possível transformar o país. A insistência na ideia do conjunto não é insignificante, pois ações combinadas podem desencadear um círculo virtuoso, onde uma apoia as demais.
O que podemos fazer agora?
Diagnosticar com qualidade os desafios e elaborar políticas com base em evidências e experiências exitosas pode ser a chave para que, em um curto espaço de tempo, o ensino brasileiro retome o pulso. E, na verdade, algumas iniciativas dentro desse processo já estão em andamento, mas precisam ser reforçadas.
01 – PNE
A primeira delas, como não poderia deixar de ser, é o Plano Nacional de Educação (PNE), que, em 20 grandes metas, estabelece o norte para diferentes áreas educacionais. O documento foi um marco para a Educação do país, mas ainda precisa de uma estratégia de execução para vencer os atrasos no cumprimento de suas metas – hoje, conforme levantamento do Ministério da Educação (MEC), apenas uma das ações foi cumprida. Tirar o plano do papel, portanto, exigirá de nossos próximos governantes uma visão de curto e médio prazo que dê atenção à continuidade das políticas públicas.
02 – BNCC
Outro tópico cujo prosseguimento é essencial é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Se quisermos transformar o futuro da escola e, no processo, o do Brasil, a mudança precisa enfrentar a crise de aprendizagem em que vivemos. Dito de outra maneira, é urgente aprimorar o tempo de ensino-aprendizagem dentro das salas de aula. Ao contrário de ser a causa dos problemas, os alunos que não aprendem são, na verdade, uma das consequências de um sistema de ensino que há muito não tem conseguido cumprir seu dever. A Base Nacional pode colaborar para mudar esse quadro.
O documento deve guiar (e não engessar!) mais de cinco mil redes de ensino na elaboração e adaptação de saberes mínimos para crianças de todo o país. A BNCC é uma oportunidade para que as redes e escolas discutam sobre o que, como e para que seus alunos aprendem. Além disso, o texto é uma chance de potencializar a atuação dos educadores que passarão a ter um referencial para guiar os conteúdos dados em classe. Para a Educação Infantil, por exemplo, esse é um acontecimento inédito.
Onde precisamos avançar?
Professores: Apesar de algumas iniciativas relevantes, há muito a se fazer para criar um leque de políticas públicas bem amarradas. Especialmente no que diz respeito aos professores. Ao olharmos para o cenário brasileiro, pouca gente aventura-se a seguir a carreira docente: apenas 15,4% dos jovens do Ensino Médio dão resposta afirmativa a esse questionamento, conforme apontou levantamento do Todos Pela Educação. Além disso, os que escolhem dar aulas enfrentam muitos desestímulos, a começar pelo despreparo para o que vem pela frente. Segundo o último Censo Escolar, 46% dos professores do Ensino Fundamental e Médio lecionam disciplinas para as quais não foram formados.
O Brasil que queremos é um Brasil em que ser professor é sinônimo de orgulho. Esse profissional deve estar no centro das políticas públicas para a área educacional e o motivo é muito simples: sem ele, qualquer avanço é limitado. É justamente o acúmulo de dificuldades desse profissional que explica, em parte, o preocupante quadro de nossa educação. Se o objetivo é formar alunos transformadores do espaço e do mundo, o professor é o coração dessa missão, atuando como mediador entre as potencialidades dos estudantes e as habilidades necessárias para a autonomia crítica.
Diante disso, iniciativas que ressignifiquem o que é ser professor no Brasil não podem mais ser adiadas. Além de melhorarmos a remuneração dos docentes, é preciso investir em ações que favoreçam a profissionalização e a valorização social da carreira, como a criação de referências básicas para a atuação desses profissionais e a reformulação dos cursos de formação, trazendo o dia a dia da escola para dentro da pedagogia/licenciatura, para ficarmos apenas em duas políticas.
Alfabetização + 1a infância = equidade
Para alterarmos o final de uma rota, é preciso ajustá-la ainda no começo. Outra perspectiva que precisa guiar não apenas nossos governantes, mas toda a sociedade, é que os déficits de aprendizagem são obstáculos impostos aos estudantes desde os Anos Iniciais que reverberam lá no final da Educação Básica. Não adianta tentar estancar as dificuldades no final da etapa, é necessário, acima de tudo, preveni-las ainda na Primeira Infância (de 0 a 6 anos) e no processo e alfabetização.
Essas fases representam a base de todo o restante de saberes que serão apresentados ao longo da Educação formal. O planejamento para os próximos quatro anos tem de começar, literalmente, no berço. As ações para essas áreas devem ser capazes de identificar as populações de crianças mais vulneráveis e suas necessidades, e propor soluções intersetoriais que garantam sua aprendizagem. Quanto mais cedo as desigualdades forem combatidas, mais amplas serão as oportunidades de desenvolvimento e menores os núcleos de privilegiados.
Esse último ponto, aliás, está ligado a um desafio transversal que deve estar no horizonte de todos os que pensam Educação no Brasil: a falta de equidade. Em todo o país e em todas as etapas de ensino, nossos alunos não estão recebendo as mesmas chances de aprender.
Independentemente da área em que se queira avançar na Educação, os desafios socioeconômicos permanecem diferenciando pobres e ricos. Para se ter uma ideia, no 3o ano do Ensino Fundamental, os alunos de famílias de nível socioeconômico muito baixo têm índice de alfabetização adequada cinco vezes menor do que os de famílias no extremo oposto. Essa diferença chega à vergonhosa marca de 22 vezes maior, no 9o ano do Ensino Fundamental.
03 – SNE
Para fechar esse ciclo, voltamos ao início: colaboração. Abrir essa reflexão chamando a atenção para a necessidade de um esquema inteligente que combine diferentes políticas educacionais, um esquema tático, por assim dizer. Não apoiar só a Base, mas também criar incentivos para o professor; não apoiar apenas os docentes, mas impulsionar a alfabetização, e assim por diante. Pois bem, de maneira mais concreta, uma rede de execução dessas ideias também precisa ser estabelecida. Trata-se de uma rede de segurança para nossa Educação; um pano de fundo, em que governo federal, governos estaduais e prefeituras contem com regras claras de como apoiarem um ao outro. Dito mais explicitamente, nossos futuros gestores precisam de um Sistema Nacional de Educação (SNE) e precisam o quanto antes.
Saber a quem recorrer financeira e administrativamente é um dos fatores invisíveis que fazem toda a diferença na atuação das redes de ensino e pode determinar mudanças dentro das salas de aula. Os esforços conjuntos já deram frutos em contextos locais, como no Ceará. Ainda que possa ter passado ao largo dos holofotes, a ação articulada entre governo estadual e municípios cearenses tem rebatido lá na sala de aula, onde cada vez mais crianças alcançam a alfabetização adequada aos 8 anos, graças ao apoio mútuo entre essas duas instâncias.
Esses são apenas alguns dos muitos pontos a serem trazidos pela iniciativa Educação Já! À primeira vista, o esforço a curto prazo pode parecer grande, mas será recompensado com os frutos sociais a serem colhidos por inúmeras gerações. A educação pode não resolver todos os nossos problemas, mas certamente é parte de todas as soluções e cabe a nossos representantes levar a cabo esta que é a vontade de todos: ter Educação Já!
Priscila Cruz
é mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School (EUA) e cofundadora e presidente–executiva do movimento Todos Pela Educação.