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Implementação de políticas públicas no Novo Ensino Médio

Um olhar para os avanços, as oportunidades e para o que ainda precisamos concretizar no Novo Ensino Médio.

texto  Solange Petrosino

Nenhum país se organiza sem uma Base Curricular para orientações de políticas públicas, incluindo avaliações de larga escala. Por isso,  ter a Base e reorganizar o segmento de maior evasão e baixos desempenhos é muito importante. Neste texto, vamos refletir sobre a implementação e os cuidados necessários, especificamente no Ensino Médio. 

A reforma do Ensino Médio surge da Medida Provisória 746/2016, que foi convertida em lei 34/2016 e sancionada pelo presidente em fevereiro de 2017. Aqui surge um primeiro ponto de reflexão: a reforma ter nascido de uma medida provisória mostra a urgência do tema, apesar de a necessidade de mudanças no Ensino Médio não ser assunto recente. A LDB de 1996, as diretrizes curriculares nacionais, as normas complementares e o Ensino Médio Inovador (portaria de 2009), que surgiu para implementar ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), já traziam a ideia da reorganização dos currículos do Ensino Médio em uma proposta mais dinâmica e flexível, e também abarcando conhecimentos de diferentes áreas.  

Apesar de o tema ser recorrente nas políticas públicas, sua implementação efetiva não aconteceu como proposto nos documentos oficiais ao longo dos anos. 

Somente com a atual reforma associada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) surge o movimento de colocar em prática o desenvolvimento de competências, o ensino interdisciplinar por área do conhecimento, a flexibilidade curricular e o protagonismo do aluno na construção do seu projeto de vida e escolha parcial do currículo. 

Porém, a implementação de fato traz uma série de necessidades. Vamos discutir algumas, mas vale ressaltar que todas exigem uma fase de transição, que deve ser pensada como um processo de apoio às escolas e aos sistemas, a etapa desde onde estamos até aonde vamos chegar. 

Algumas instituições do terceiro setor, como o Movimento pela Base, têm apoiado com ferramentas, estudos e relatórios a implementação da Reforma e da BNCC para ajudar a superar os desafios e obstáculos. Vamos abordar alguns deles, mas antes vamos elencar as principais mudanças propostas. Talvez a mais impactante seja o desenvolvimento de competências e habilidades, pois quebra vários paradigmas de metodologias utilizadas até hoje nas escolas. Na BNCC a definição de competência é: 

A mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. 

Desenvolver procedimentos e habilidades é uma nova forma de docência! Outro pilar da reforma é a flexibilização do currículo, tendo uma parte de formação geral e uma flexível de itinerários formativos, a ser ofertada pela escola com algumas alternativas e os alunos podem escolher segundo seus interesses. 

Está prevista na reforma que a escola seja de tempo integral para que possibilite executar a complexidade da proposição de competências e habilidades evidenciando assim a importância de pensar o estudante como um ser
biopsicossocial para desenvolver todas suas dimensões. 

A reforma também está embasada no trabalho por área do conhecimento de forma que o aluno tenha a visão complexa da realidade, veja o todo e a parte, como preconiza as teorias de Edgar Morin. Talvez a mais desafiadora seja a formação de professores e gestores. Os que estão nas escolas hoje não foram formados nessa perspectiva. E, apesar de a elaboração da BNCC ter levado anos em discussão, versões preliminares e consultas públicas, a grande maioria dos educadores só teve contato com ela após a homologação e a publicação.  

A implementação traz uma série de necessidades. Vamos discutir algumas, mas vale ressaltar que todas exigem uma fase de transição, que deve ser pensada como um processo de apoio às escolas e aos sistemas, a etapa desde onde estamos até aonde vamos chegar.

A prática educativa dentro de uma perspectiva de desenvolvimento de competências e visão interdisciplinar, formação integral do aluno e letramento digital exige planejamento de estratégias diferenciadas do que as que são comumente praticadas, como aulas expositivas.  

Neste sentido, o parecer do Conselho Nacional de Educação, homologado em 2020, que teve Mozart das Neves como relator e que traz Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação continuada de professores da Educação Básica e BNCC mostra a complexidade do tema. Muitos autores — como Fernanda Liberali, José Tavares e Isabel Alarcão — propõem uma formação contínua, reflexiva e na prática, o que tem se mostrado uma verdade. Portanto, são necessários alguns anos para que a transformação da práxis educativa aconteça. 

De acordo com o parecer, “para o adequado exercício da docência, é preciso que o professor detenha um saber próprio da sua profissão: um saber que alia conhecimento e conteúdos à didática e às condições de aprendizagem para segmentos diferenciados” (GATTI, 2009, in: Silva; Almeida e Gatti, 2016). 

Antes da elaboração do parecer, foi feito um levantamento em 2019, no qual o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Ministério da Educação (MEC) organizaram uma frente de trabalho que contou com o apoio da Fundação Carlos Chagas (FCC) e com a participação de representantes das secretarias estaduais e municipais de educação para “identificação e na análise das demandas e necessidades de redes estaduais e municipais em relação aos aspectos que representam o que os professores de todas as etapas e modalidades da educação básica brasileira precisam saber e ser capazes de fazer no exercício de sua profissão”, conforme o parecer do CNE. 

Ao ler as diretrizes propostas percebemos que há uma demanda muito complexa de ressignificação da prática docente, mais uma preocupação em cuidar do processo de transição. 

Apesar de a formação docente ser uma ação necessária ao longo de sua vida profissional, quando há uma mudança expressiva no currículo, se faz premente uma intensificação dessa formação reflexiva. E, também, vários estudos mostram que formações pontuais, rápidas e desconectadas da prática não são eficazes. 

Um estudo sobre formação continuada no Brasil, realizada pelo Boston Consulting Group em parceria com o Instituto Ayrton Senna, demonstra que o formato também impacta nos saberes aprendidos. Palestras, cursos expositivos, EaD sem interação e interação com a prática perdem para propostas mais “mão na massa” e mais personalizadas às necessidades dos professores. 

Embora esteja no discurso da BNCC e do Novo EM, a melhor preparação para os desafios que o jovem irá enfrentar — nos quais estão o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), os vestibulares e as mudanças constantes nas exigências do mercado de trabalho — é atentar ao currículo diferenciado.  

Não podemos nos esquecer do desafio de infraestrutura, sendo a carga horária o primeiro ponto. Para trabalhar com metodologias ativas, as mais adequadas para desenvolver competências, é preciso mais tempo do que aulas expositivas; portanto, para cumprir tantas habilidades propostas na BNCC, se faz necessário ampliar o tempo do aluno na escola. Apesar de o ensino em tempo integral estar proposto na reforma, ele não está implantado em todas as escolas, mais um problema da fase de transição que não está sendo contemplado. Mesmo que estivesse implantado em todas as escolas, há o problema social de jovens de famílias mais pobres que utilizam o contraturno para trabalhar ou cuidar de irmãos mais novos, impossibilitando cursarem a escola em tempo integral.  

Tanto a reforma como a BNCC e os parâmetros curriculares do Ensino Médio traziam evidentes que os “conteúdos” ou objetos do conhecimento são um meio e não um fim, porém as mudanças no Enem e nos vestibulares estão previstas para 2024, se não houver atraso. Portanto, os alunos que estão cursando as segundas ou terceiras séries do EM ainda irão se deparar com o formato antigo, muitas vezes extremamente conteudista. 

Escolas particulares fizeram ajustes e têm a possibilidade de organizar itinerários formativos de aprofundamento, chamados Unidades Curriculares Comuns (UCCs), acomodando os objetos do conhecimento necessários nessa transição. Minha preocupação é que essas movimentações ampliem ainda mais a distância entre o ensino público e o privado, aumentando a desigualdade social, ao contrário do tão claramente manifestado (na BNCC a partir de sua implantação) objetivo de reduzir essa diferença. 

Ainda sobre infraestrutura, ao propor ao longo do documento e, em especial, na competência geral número 5, percebe-se a necessidade de estrutura com recursos digitais como conexão, hardwares, softwares, técnicos de TI e mais uma vez o letramento digital do professor. 

Cultura digital 

Fomentar a cultura digital é o caminho para compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação, de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 

O trabalho por área do conhecimento também exige um esforço para alterar as formas de planejar e de trabalhar colaborativamente entre os professores. São necessários mais espaços de trabalho coletivo, construção curricular com vistas à elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) e alinhamento entre as estruturas de trabalho de cada componente curricular. Isso demanda investimento, horas disponíveis dos docentes e um olhar para a BNCC, para os currículos estaduais e municipais e para a escola.  

E, por fim, o desafio da flexibilização do currículo. Escolas pequenas ou únicas na cidade não conseguem oferecer muitas possibilidades de itinerários por questão de espaço físico, por questões financeiras ou por falta de professores.  

Se pensarmos nas diferenças regionais, esses desafios e necessidades se diversificam e ampliam muito, mas sabemos que os educadores sempre buscam se reinventar para entregar um ensino de qualidade e assim encontrar possíveis caminhos para implementar o Novo EM e entregar uma educação de qualidade. Contamos com isso.

Solange Petrosino  

é graduada em Biologia e Pedagogia, com especialização em Saúde Pública e ênfase em Educação pela USP. Pós-graduada pela Faculdade de Saúde Pública da USP e extensão universitária em formação de professores. Com 30 anos de vivência profissional na área de educação, hoje é diretora acadêmica da Santillana Educação e da Fundação Santillana.

Para saber mais

  • Parecer do MEC/CNE. Disponível em: mod.lk/ed23_pn1. Acesso em: 14 set. 2022.
  • Pesquisa BCG e IAS. Disponível em: mod.lk/ed23pn2. Acesso em: 14 set. 2022.
  • Movimento pela Base. Disponível em: mod.lk/ed23_pn3. Acesso em: 14 set. 2022.
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