Greta Thunberg e a escola cidadã
Uma reflexão sobre o papel da escola nas discussões sobre mudanças climáticas e o que pensam alguns jovens ativistas sobre a urgência do tema.
texto Ricardo Prado
Agosto de 2018. Uma garota de 15 anos com expressão séria, cabelo dividido em tranças e roupas austeras, sobe alguns degraus do Parlamento sueco, em Estocolmo, e vira-se para o público que passa atribulado por uma das artérias mais movimentadas da cidade. Ela empunha um cartaz com os dizeres “Skolstrejk för Klimatet” (Greve das escolas pelo clima). Volta no dia seguinte, e no outro, não deixando de postar no Instagram e no Twitter a imagem do seu protesto solitário. A garota vira tema de reportagens na imprensa local, enquanto seu protesto viraliza na internet e diversas escolas começam a apoiar sua proposta, dentro e fora do país. Na semana seguinte, o mundo inteiro voltaria os olhos para Greta Thunberg, a adolescente que, com seu cartaz solitário de três palavras e uma determinação inquebrantável, iniciaria um movimento, Fridays for Future (Sextas pelo Futuro), que, no final de 2018, registrava greves escolares em 270 cidades, e protestos envolvendo cerca de 20 mil estudantes. Em 2019, chegou a mobilizar cerca de um milhão de jovens em todo o mundo.
Na Sessão Plenária da COP 24 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), com seu estilo direto, Greta acusou os líderes mundiais presentes de “não serem suficientemente maduros para contarem as coisas como elas são”. Convidada para falar no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro de 2019, foi direto ao ponto: “Nossa casa está pegando fogo”. Por fim, culminando um ano de intensa atividade — inclusive a conclusão do Ensino Médio — Greta discursou na Conferência sobre o Clima promovida pela ONU em 2019 com um bordão contundente (“Como você ousa?”) e sua fala sintetizaria a indignação e a urgência que move o novo ativismo juvenil. No final de 2019, a revista Time a elegeu Personalidade do Ano, tornando-se a pessoa mais jovem a ser destaque na tradicional capa — sem ser esportista nem artista. Estava ali por seu ativismo ambiental, servindo de exemplo e representando, outros jovens que também descobriram a urgência do enfrentamento da questão climática.
A escola e a questão socioambiental
Antes da ação, há a problematização. No caso das mudanças climáticas, essa problematização é bastante complexa, alerta o geógrafo Jaime Tadeu Oliva, Professor-Pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. “No ambiente escolar as questões ambientais, especialmente o aquecimento global, têm de se amparar em posturas científicas. É a problematização que forma a criatura.” Ele ressalta não ver problema no fato de o ativismo ambiental circular no ambiente escolar, mas destaca que o tema deve receber uma abordagem adequada nas escolas. “O Brasil é afetado por um fenômeno conhecido como Zona de Convergência Intertropical, uma situação que se instala no sistema climático em períodos mais quentes, gerando fenômenos recorrentes como El Niño e La Niña. Foi isso que motivou as fortes chuvas no sul da Bahia e em Minas Gerais, e um verão bastante úmido no início de 2022. Só que certo ativismo ambiental que circula nas redes sociais atribuiu essas situações, que são triviais na dinâmica climática, ao aquecimento global. O mesmo aconteceu durante a crise hídrica sofrida pelo Sudeste em 2014. A crise hídrica passou e isso quer dizer que o aquecimento global foi resolvido? Claro que não! É por isso que o sistema climático precisa ser compreendido em sua complexidade, pois é ponto de partida para o entendimento do próprio funcionamento da natureza. Minha impressão é de que, atualmente, tanto no sistema escolar como fora dele, as discussões sobre clima já partem das alterações climáticas sem o conhecimento de base do funcionamento climático”, ressalta Oliva.
Para o geógrafo, após problematizar a questão climática a partir de seu grau de complexidade, daí, sim, será importante identificar o que vem sendo provocado pelo homem e que está alterando a composição da atmosfera. “O aquecimento global é antes de tudo uma realidade detectada pelos cientistas, por pesquisas, mas que não é perceptível pelo cidadão comum. Diferentemente do filme Não olhe para cima, no qual um meteoro vai atingir a Terra e as pessoas podem ver o perigo, o aquecimento global não é visível. O que se percebe é a instabilidade do clima”, explica o especialista.
Mas o que fazer? A saída é mirar no que está próximo. “Há ações humanas claramente lesivas à natureza e que são perceptíveis em escala individual”, argumenta Jaime, citando o caso do Pantanal Mato-grossense, que, em menos de 50 anos, sofreu um assoreamento que reduziu sua capacidade de reter líquidos em 60%. “Isso se deve ao ser humano e se enxerga, é concretíssimo. Assim como o desmatamento, que atingiu níveis recordes nesses dois últimos anos na Amazônia, e que está vinculado a um modelo econômico predatório que já devíamos ter superado”, exemplifica.
Conhecer para proteger
Educadora ambiental do Centro de Experimentos Florestais da ONG SOS Mata Atlântica em Itu há 12 anos, Kelly de Marchi já recebeu mais de 60 mil estudantes e professores, recepcionando-os em uma antiga fazenda de café e gado restaurada pela organização não governamental. O passeio começa em um jardim sensorial, onde aromas, texturas e sabores estimulam a memória afetiva ligada à natureza. Depois, há uma trilha interpretativa, na qual se entra com lupa e binóculo, para expor a biodiversidade existente na Mata Atlântica. Kelly sempre se espanta com a invisibilidade do bioma presente em 17 estados brasileiros, e em mais de 3.400 municípios. “Muitas vezes a pessoa vive em um domínio da Mata Atlântica, mas para ela essa é uma ideia distante. Isso não acontece com quem mora na Amazônia ou no Pantanal. Como a Mata Atlântica é um bioma extremamente urbanizado, do qual só se manteve 12% da cobertura original, fica mais invisível”, constata Kelly.
A ONG trabalha na conscientização sobre a Mata Atlântica por meio de formações. Uma das iniciativas é o site Aqui tem mata? (www.aquitemmata.org.br), criado pela SOS Mata Atlântica, no qual é possível saber se o município pertence ao bioma e conhecer como era a cobertura vegetal original e a atual, além de dados sobre a escala de desmatamento e a bacia hidrográfica. “Como o mapa também permite aproximações, se o fragmento de mata for maior do que 3 hectares, o professor pode identificar com a sua turma as áreas verdes que restam no município, ou no próprio bairro da escola”, destaca. O site também disponibiliza uma cartilha que pode ser usada pelos professores, com sugestões de atividades a cada tema abordado.
Outra ação de formação é o Projeto Mata Atlântica na Escola, que existe desde 2008. Em 2021, a experiência passou a ter uma versão em ambiente virtual, disponibilizada para 3.000 inscritos. “É um curso de extensão criado em parceria com o Instituto Singularidades, em formato de tutoria semiativa. Semanalmente abordamos um assunto e o professor pode fazer as aulas no seu ritmo. São vários recursos, como vídeos, gráficos, animações, textos, para trabalharmos os três temas que são as causas da SOS Mata Atlântica: restauração das florestas, água limpa e áreas protegidas. Tudo em diálogo com a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio”, explica Kelly de Marchi.
O que fala a juventude?
Educatrix conversou com três jovens lideranças brasileiras sobre o ativismo socioambiental e a urgência de uma pauta tão coletiva que precisa ser cada vez mais mobilizada.
Meu povo Munduruku sempre foi muito organizado. Eu comecei a buscar entender o problema com a terra do meu povo em 2012, quando tinha 15 anos e estavam querendo instalar hidrelétricas no rio Tapajós. Em 2014, quando entrei na universidade, identifiquei qual era a problemática enfrentada pelo meu povo, tanto em relação à violação dos direitos quanto à posse do território. Participei de um movimento estudantil indígena na universidade com vários temas de mobilização. Em 2017, conheci o Engajamundo (www.engajamundo.org) e passei a participar. O que dá certo é ser uma juventude falando para outras juventudes sobre mudanças climáticas. Ocupar os espaços de representatividade porque ter voz nesses espaços faz com que o interesse de outras pessoas também desperte. O que ainda precisamos avançar é a formação, já que essa questão climática não se vê muito discutida na escola. Participei da COP-25 e da COP-26, porque havia feito outras formações, me preparando para levar a voz do meu povo, da realidade de tantas pessoas ao meu redor. Existem várias organizações empenhadas nessas formações e nós, enquanto juventude, precisamos ter esse olhar de curiosidade para entender e fazer parte do processo, buscando pressionar quem toma as decisões. Hoje, nós temos ferramentas poderosas de comunicação e temos que saber usá-las contra, por exemplo, alguma decisão do Senado que vá nos prejudicar.”
Valdineia Sauré, 25 anos, do povo Munduruku de Jacareacanga (pa), formada em Gestão Pública e Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Oeste do Pará (ufopa), trabalha na organização Engajamundo e na Associação de Mulheres Indígenas da Área do Tapajós.
A discussão sobre a natureza e o meio ambiente sempre existiu dentro de casa, já que sou de uma família de agricultores. E podia ter continuado na escola, mas isso não aconteceu. A escola tem muito ainda a avançar no sentido de sair de uma visão apenas ambiental para uma visão socioambiental. Como se vai proteger o meio ambiente sem proteger as pessoas que cuidam desse meio ambiente? Ninguém faz nada sozinho, por isso gente tem que se articular. O quilombo é uma luta coletiva. A principal pauta, que deu origem à EAACONE, é o território. Por que é importante reconhecer? Pela importância que as comunidades têm, de maneira cultural, na conservação do território. Tanto que a roça de coivara dos quilombolas do Vale do Ribeira, um sistema agroflorestal usado desde os nossos antepassados, foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil em 2018. Esse sistema itinerante, de rotação, permite que a floresta se mantenha em pé.”
Rafaela Miranda, 24 anos, nascida no Quilombo de Porto Velho, em Iporanga (sp), formada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (ufpr), especializada em Direito Ambiental, faz parte da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (eaacone).
Jovem mobiliza jovem. Se os nossos educadores aprendessem isso, o quanto a gente se motiva quando está junto e vê um objetivo coletivo, talvez isso pudesse ser usado a favor da educação. O coletivo se motiva. O último painel do IPCC mostra que podemos alcançar o colapso climático na próxima década e a América do Sul será um dos lugares mais impactados. O relatório comprova a gravidade da questão climática. É preciso trazer senso de urgência, fazer circular textos de cientistas reconhecidos, como Carlos Nobre ou Thomas Lovejoy, ou indicar documentários como Planet Earth, do David Attenborough, One Strange Rock, produzido pela National Geographic Society, ou o clássico Uma verdade inconveniente. Li uma frase que respondeu a minha angústia ambiental: ‘Mais tremendo que o colapso climático são as soluções que podemos criar para adiar esse fim do mundo’. Existem sim caminhos possíveis, e podemos ser uma parte ativa nisso. Se não tira a ansiedade climática, pelo menos ajuda a entender que isso faz parte da nossa própria sobrevivência. ‘Tá desesperado que o mundo está acabando? Pô, levanta a bunda da cadeira e vamos nessa!’”
Paloma Costa, 30 anos, advogada de Brasília, foi nomeada um dos sete jovens líderes climáticos pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, para o Grupo de Aconselhamento de Jovens.
Adeus, sacos plásticos!
Aos 12 anos, Melati Wijsen resolveu fazer alguma coisa contra a proliferação de sacos plásticos na ilha onde vivia, a paradisíaca Bali, na Indonésia. Junto com sua irmã, Isabel, começou em 2013 a mobilizar a comunidade, depois a ilha inteira (e o mundo) com sua campanha Bye Bye Plastic Bags. A seguir, ela conta como tudo começou e como nasceu o Youthtopia, um site feito por e para jovens transformadores.
Como surgiu a vontade de lutar contra a poluição por plásticos em Bali?
Não houve exatamente um momento específico. Todos os dias víamos plástico em todos os lugares, tornou-se padrão: plástico nos supermercados e depois plástico nos rios, nas praias e nas ruas. Estava em todo lugar. Como tínhamos 12 e 10 anos e não queríamos que nossa ilha se afogasse em plástico, resolvemos fazer algo. Sem plano de negócios, sem orçamento, apenas com uma visão simples: livrar Bali dos plásticos. O resto é história!
Quais foram os principais desafios que você e sua irmã enfrentaram?
Sabíamos que não seria possível fazer mudanças sozinhas. No início, tivemos de conscientizar os outros e, sendo nós duas tão pequenas, era um desafio sermos levadas a sério. Muitas vezes nos deparamos com aquele “Ah, vocês são tão fofas, tão inspiradoras!”. Não era isso que estávamos procurando. Tivemos de liderar pelo exemplo. E, de forma lenta mas segura, construímos um movimento tão grande que todos viram como era importante mudar. Agora mesmo [fevereiro de 2022] organizamos o maior Clean Up de Bali. Mobilizamos milhares de pessoas em 130 locais da ilha. Foi agitado, mas ótimo!
O documentário Bigger than us, lançado em 2021, certamente ampliou sua ação. Como foi essa experiência?
Definitivamente! Eu tinha 18 anos quando comecei a filmar com a equipe de Bigger Than Us. Senti uma grande responsabilidade, mas vi ali uma oportunidade de crescer. A partir dos 12 anos, minha jornada me ensinou muito, e mal podia esperar para conhecer mais pessoas “como eu”, que também começaram cedo, e aprender com eles! Vou me lembrar para sempre dessa experiência.
E a plataforma de mobilização YouthTopia, como surgiu?
Depois de anos na linha de frente do Bye Bye Plastic Bags, com a oportunidade de falar com mais de um milhão de estudantes em todo o mundo, percebi que sempre nos faziam uma pergunta: “Como posso fazer o que vocês fazem?”. Youthtopia existe para tentar responder a essa pergunta. Há tantos de nós, jovens, que
querem criar mudanças mas não sabem por onde começar. Como construir uma equipe? Como criar campanhas? Youthtopia é a plataforma para os jovens aprenderem com se tornar um agente de mudanças. Tudo é criado por, para e com os jovens da comunidade, chamado de Círculo da Juventude, e é formada por 200 agentes de mudança de 40 países. O que fazemos é levar conhecimento de ponta para mais jovens, em todos os lugares.
Para saber mais
- ATTENBOROUGH, D. BBC One Planet Earth. Disponível em: mod.lk/cidada4. Acesso em: 24 fev. 2022.
- ARONOFSKY, D. One Strange Rock National Geographic Society. Disponível em: mod.lk/cidada4. Acesso em: 24 fev. 2022.
- Bye Bye Plastic Bags. Disponível em: mod.lk/cidada1. Acesso em: 24 fev. 2022.
- Youthtopia. Disponível em: mod.lk/cidada2. Acesso em: 24 fev. 2022.
- Aqui tem mata. Disponível em: mod.lk/cidada3. Acesso em: 24 fev. 2022.