fbpx

Educar para a paz?

O clima na escola esquentou e clama por paz. Se você já pensou em trabalhar essa questão em sua escola, acredite, você não está sozinho. 

Texto: Eduardo Amos e Nádia Freire 

Longe do seu papel tradicional na transmissão do conhecimento acumulado pela humanidade, a escola é hoje um espaço de democratização do acesso ao conhecimento, o que inclui tanto os saberes acadêmicos quanto valores que contribuam para uma sociedade mais justa e democrática. Nesse cenário, insere-se a Cultura de Paz, termo usado pela primeira vez em 1989 no Congresso Internacional para a Paz na Mente dos Homens, em Yamoussoukro (Costa do Marfim). Foi apenas em 1999 que a ONU definiu Cultura de Paz como sendo “um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida de pessoas, grupos ou nações, baseados no respeito pleno à vida, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais”. 

A Educação para a Paz (EP) é o braço educacional desse grande movimento em prol da vida e da boa convivência. Educar para a paz não significa ser passivo, permissivo, com o intuito de “evitar ou prevenir conflitos”. Esses desacordos são partes intrínsecas da natureza humana e, por isso, impossíveis de serem evitados. O modelo de sociedade em que vivemos, baseada na competição e no consumo e com forte presença das redes sociais, só intensifica os conflitos. 

Contudo, se o objetivo é a construção de uma convivência mais respeitosa, então é preciso compreender que os conflitos podem ser elementos importantes para a mudança. Assim sendo, a questão não é como evitá-los, mas como resolvê-los sem o uso da força e da violência. Esse entendimento é essencial para abordar e pensar os desafios que enfrentamos como sociedade. 

Estratégias para lidar com os conflitos na escola

Cada situação demanda maneiras diferentes de lidar com os conflitos no ambiente escolar e isso depende, em primeiro lugar, das pessoas que convivem e interagem naquele espaço. Da mesma maneira que um aluno aprende um conteúdo acadêmico se demonstrar desejo de aprender, as estratégias para trabalhar com os conflitos também darão resultado quando os envolvidos assim o desejarem. O primeiro passo, portanto, é o desejo compartilhado, conquistado pelo protagonismo dos alunos em atividades, projetos, trabalhos em equipe. É claro que não se pode esperar que haja consenso total para se começar um programa de EP. Com pelo menos um grupo já é possível colocar algum plano em ação. 

Há muitas outras estratégias que podem e merecem ser consideradas pela equipe gestora em conjunto com o corpo docente. A seguir, algumas que têm provado ser eficientes.  

  1. Abrir espaço nas suas aulas para as metodologias ativas. 
  2. Deixar que os alunos participem da construção de regras. 
  3. Transformar conflito em aprendizagem. 
  4. Esclarecer a diferença entre correção e punição. 

Quando um estudante tem como objetivo desafiar o professor, é importante evitar reações impulsivas, como perder a calma ou elevar o tom de voz, ou até mesmo expulsar o aluno da sala. Se houver necessidade de aplicar medidas corretivas, é preferível que elas estejam relacionadas ao comportamento inadequado, visando à correção e à restauração, e não à vingança. Por exemplo, se um estudante danifica uma carteira, o adulto deve explicar como esse ato afeta a comunidade escolar e incentivar o próprio aluno a tomar a decisão de reparar o que foi danificado ou compensar de alguma maneira pelo prejuízo causado. 

Em situações excepcionais que envolvam atividades criminais, como furtos ou violência física, é apropriado acionar os meios legais para lidar com a situação. Independentemente da estratégia adotada, é imprescindível que essas ações tenham aderência dos alunos e professores, sem a qual a continuidade estará comprometida. 

Indicadores para a avaliação da educação para a paz

Com o objetivo de tornar a avaliação da EP operacional, pode ser útil dispor de um sistema de indicadores ou marcos dos seus objetivos. Nesse sentido, é aconselhável que os professores, ao elaborar um programa de EP, definam, de forma contextualizada e reflexiva, um conjunto de indicadores específicos relacionados aos objetivos que propõem, predominantemente de natureza qualitativa. A avaliação por meio de indicadores sugere que estes sejam poucos — centrados nos objetivos prioritários; relevantes — relacionados a aspectos-chave da EP; abrangentes — que cubram várias dimensões; claros — evitando formulações genéricas e terminologia ambígua; e operacionais — que permitam aos professores coletar facilmente as informações necessárias no processo de ensino. 

Quanto aos instrumentos de avaliação, estes devem ser adaptados aos objetivos propostos e podem incluir técnicas etnográficas como observação (listas de verificação, escalas de avaliação, anotações de campo etc.), elaboração de diários (de professores e de alunos), entrevistas, relatórios qualitativos sobre o progresso do aluno, avaliação em equipe pelos professores, autoavaliação, relatórios dos alunos, análise de documentos e materiais de aula e muito mais. 

A avaliação autêntica da EP deve questionar em que medida a implementação está servindo para revelar e questionar o currículo oculto. 

Veja como começar a educação para a paz na sua escola 

Grupos de ajuda 

Os Grupos de Ajuda ou de Apoio para resolução de conflitos na escola são uma estratégia eficaz para promover um ambiente mais harmonioso e construtivo. Esses grupos consistem em reunir um conjunto de alunos, geralmente com o apoio de um adulto facilitador, para abordar e resolver conflitos de maneira colaborativa e pacífica. O objetivo é capacitar os alunos a desenvolverem habilidades de comunicação, empatia e resolução de problemas ao mesmo tempo que promovem o entendimento mútuo.

Círculos restaurativos 

Essa é uma abordagem poderosa para promover a comunicação eficaz, resolver conflitos e fortalecer os laços na comunidade escolar. Tal processo envolve um mediador e a criação de um espaço seguro e inclusivo em que alunos, professores e funcionários podem se reunir para compartilhar pensamentos, sentimentos e experiências. 

Comunicação Não Violenta 

Essa abordagem, desenvolvida por Marshall Rosenberg, propõe uma forma de comunicação empática e eficaz que visa aprofundar a compreensão e a conexão entre as pessoas, promovendo a resolução de conflitos e a construção de relacionamentos saudáveis. Baseia-se na crença de que todas as pessoas têm necessidades universais e que os conflitos geralmente surgem quando essas necessidades não são atendidas.

Quais indicadores usar?

Se a sua escola está iniciando um programa de Educação para a Paz, a seguir são apresentadas algumas sugestões de indicadores que podem ser usados para avaliar um programa de EP levando em conta cada realidade escolar. Marque aqueles que fazem mais sentido para o momento da sua comunidade: 

[  ] Abordagem não violenta de conflitos. 

[  ] Resolução cooperativa de problemas e uso do diálogo. 

[  ] Capacidade de adotar a perspectiva dos outros. 

[  ] Respeito e valorização das diferenças. Comportamentos de tolerância, aceitação e não discriminação da diversidade. 

[  ] Melhoria das relações pessoais (atitudes e comportamentos) na sala de aula e na escola como um todo. 

[  ] Autonomia e responsabilidade na tomada de decisões. 

[  ] Mudanças nos jogos tradicionais competitivos e sexistas. 

[  ] Respeito pelos bens coletivos (instalações da escola etc.). 

[  ] Existência e uso de espaços de trabalho e lazer não supervisionados. 

[  ] Ocupação e acesso a espaços e uso de materiais sem discriminação ou privilégios. 

[  ] Participação voluntária nas atividades realizadas. 

[  ] Processo de elaboração e negociação das regras escolares.  

[  ] Envolvimento dos alunos na elaboração e na revisão das regras. Análise dos valores subjacentes às regras vigentes. 

[  ] Posição, presença e participação dos alunos na escola. Interesse dos alunos em participar das tomadas de decisões. 

[  ] Sensibilidade às situações cotidianas de violência, injustiça ou discriminação. 

[  ] Análise e denúncia da violência estrutural. 

[  ] Capacidade de intervir e trabalhar em grupo, respeitando as opiniões dos outros. 

[  ] Dedicação e apoio aos alunos e grupos mais desfavorecidos. 

[  ] Tolerância, respeito e interesse em conhecer outras culturas e formas de vida. 

[  ] Materiais didáticos apropriados (sem estereótipos de gênero, não etnocêntricos, sem estereótipos de imagens, que não sejam alheios à experiência dos alunos etc.). 

[  ] Ausência de divisão de gênero no trabalho escolar. 

[  ] Participação da escola em iniciativas de convivência, desenvolvimento e solidariedade com grupos marginalizados.  

Estratégias para capacitar os professores para a EP

A implementação de qualquer programa de EP, quer seja como parte integrante do currículo, quer seja como componente extracurricular, encontra seu principal
gargalo na questão da formação dos educadores. Na verdade, isso vale para qualquer área de conhecimento, mas em especial para a EP, uma vez que ela não está incluída na formação. 

Sugerimos a seguir algumas estratégias-chave para a capacitação de professores em EP: 

1. Formação continuada

Oferecer programas de formação contínua específicos em EP é essencial. Esses programas podem incluir cursos, palestras, oficinas e seminários que abordem temas como resolução de conflitos, comunicação não violenta e educação intercultural. Também se incluem aí as reuniões em que se pode realizar a leitura e discussão de textos, estudos de caso e planejamento coletivo de projetos. 

2. Incorporação de valores de paz no currículo

É importante realizar a integração dos conceitos e valores relacionados à paz em todas as áreas de conhecimento do currículo escolar. Dessa maneira, o trabalho com a EP ocorrerá de maneira transversal, tornando-a uma parte essencial da educação, em vez de um tópico isolado. 

3. Recursos educativos adequados

Como qualquer outra área de conhecimento, a EP necessita de materiais educativos. Para isso, é importante poder contar com livros, vídeos e jogos que abordem questões relacionadas à paz. Esses recursos ajudam os professores a enriquecer suas aulas e a envolver os alunos de maneira significativa, permitindo que reflitam sobre a sua realidade. 

4. Parcerias e colaborações

Promover parcerias entre escolas, organizações da sociedade civil e especialistas em EP pode contribuir significativamente para o trabalho realizado na escola. Essas colaborações podem oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional, recursos adicionais, bem como a troca de melhores práticas entre educadores. 

5. Apoio à saúde emocional

Reconhecer a importância da saúde emocional dos professores é, antes de tudo, uma questão de direitos humanos. Por isso, oferecer apoio à sua saúde emocional é fundamental e poderá ser feito por meio de diálogos, rodas de conversa, encaminhamento a programas de saúde mental da comunidade e outros.  

Infelizmente, a Educação para a Paz não pode eliminar de uma só vez todas as violências presentes no cotidiano escolar, mas também não exige isso para ser colocada em prática.

Eduardo Amos 
é licenciado em pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e professor de Língua Inglesa para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. É membro do Geepaz (Grupo de Estudos "Educação para a Paz e Tolerância") da Faculdade de Educação da Unicamp. É autor de livros didáticos de Língua Inglesa e vencedor do Prêmio ELTons com a coleção Students for Peace, publicada pela Richmond. 


Nádia Freire 
é doutora em Educação pela Unicamp e pesquisadora do tema Educação para a Paz desde 1990. É psicopedagoga e membro do Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação da Unicamp, onde participa e coordena o Grupo de Estudos "Educação para a Paz e Tolerância" (Geepaz), além de ser professora dos cursos de pedagogia e de pós-graduação. 

Para saber mais

  • COSTELLO, B.; WATCHEL, J.; WATCHEL, T. Círculos restaurativos nas escolas: construindo um sentido de comunidade e melhorando o aprendizado. Bethlehem, EUA: International Institute for Restorative Practices (IIRP), 2013.
  • FREIRE, N.M.B. (org.). Educação para a paz e tolerância. Fundamentos teóricos e prática educacional. Campinas: Mercado de Letras, 2011.
  • ROSENBERG, M. Comunicação não violenta. São Paulo: Ágora, 2021. h TOGNETTA, L.R.P. (org.). Passo a passo da implementação de um sistema de apoio entre iguais: as equipes de ajuda. Americana: Adonis, 2020.
Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com