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A Semana de Arte Moderna ontem e hoje

Um paralelo do centenário da Semana de Arte Moderna e como utilizá-lo para desenvolver a capacidade crítica e de correlação de contextos com os alunos.

texto Douglas Tufano

Certa vez, um aluno me perguntou: como podemos chamar de “moderno” um movimento artístico que tem cem anos? Os escritores de 1922 podem ser chamados de modernos ainda hoje?

Essa é uma boa pergunta, e muitos alunos devem pensar o mesmo. Por isso, é bom esclarecer logo isso dizendo que o Modernismo começou no início do século 20 mas foi se desenvolvendo em várias direções, muitas nem previstas pela primeira geração de artistas e escritores. E a Semana de Arte Moderna de 1922 é só uma espécie de marco cronológico inicial. O Modernismo não começou naquele ano nem ficou restrito àqueles escritores e à cidade de São Paulo. Podemos dizer que a Semana de 22 ajudou a reunir os que queriam mudar a situação artística e cultural do Brasil, sugeriu caminhos, mas não sabia bem aonde eles iam dar. Era antes uma atitude ou, nas palavras de Mário de Andrade, “um estado de espírito revoltado e revolucionário”.

Um toque de alarme

O próprio Mário de Andrade afirmou claramente que o movimento modernista era uma promessa, e não um projeto fechado, com tudo esquematizado. Nada disso. Disse ele, muitos anos depois: “O Modernismo foi um toque de alarme. Todos acordaram e viram perfeitamente a aurora no ar. A aurora continha em si todas as promessas do dia, só que ainda não era o dia. Mas é uma satisfação ver que o dia está cumprindo, com grandeza e maior fecundidade, as promessas da aurora”.

A vida não é só arte

Hoje, vivemos a era da simultaneidade. Podemos saber instantaneamente o que acontece em qualquer parte do planeta. O adolescente que cursa o Ensino Médio hoje já nasceu nesse lugar de soluções em cliques. Nossos jovens estão acostumados a formular hipóteses, pesquisar caminhos e resolver problemas rapidamente. Mas é importante que saibam que nem sempre foi assim. Isso é agora. Cem anos atrás, em 1922, o mundo era completamente diferente. Falava-se ainda sobre as consequências da terrível Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nunca se tinha visto tanta mortandade. Se hoje é muito difícil nos lembrarmos das notícias de quatro ou cinco anos atrás, naquela época, o ritmo de vida era outro. As notícias viajavam quase que de forma física e afetavam o pensamento e as formas de expressão artística das gerações mais jovens. 

Uma sugestão didática importante para o professor é traçar um painel do que estava acontecendo fora do mundo artístico. Nesse sentido, o trabalho interdisciplinar com professores de História é fundamental. Na internet, há muitos documentários e filmes disponíveis sobre os primeiros vinte anos do século 20 que ajudam o aluno a se situar e a descobrir personagens, costumes e reflexões da época. Isso sem contar os cenários e as relações dentro das sociedades – bem menos globalizadas.

A influência da arte estrangeira

É clara a influência da arte estrangeira no movimento modernista. Quando a pintora Anita Malfatti volta da Europa influenciada pelos artistas de vanguarda que estavam fazendo um certo escândalo pela ruptura com a arte tradicional, ela promove em São Paulo um confronto inesperado entre o conservador e o revolucionário, entre o novo e o velho, desencadeando polêmicas, como o artigo de Monteiro Lobato conhecido como “Paranoia ou mistificação?”, publicado em 20 de dezembro de 1917. 

Em seu artigo, Lobato, um dos mais influentes críticos de arte da época, comentava de maneira sarcástica as novas tendências artísticas que aportavam em terras brasileiras. “Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude”. Nesse trecho, Monteiro Lobato ressalta a importância da tradição (leis) e reverbera negativamente às investidas dos novos artistas nas releituras das artes clássicas. 

Essa crítica feita cinco anos antes da Semana de Arte Moderna de 22 pode estimular um debate rico em sala de aula sobre a seguinte questão: hoje em dia também ocorrem essas discussões sobre a validade de novos estilos na arte, como na música e na pintura, por exemplo? Que exemplos podem ser citados? 

Para os alunos terem uma ideia mais clara do que foi essa crítica de Lobato, um bom ponto de partida é propor um trabalho interdisciplinar com Arte, a partir de pesquisas complementares sobre os artistas ali comentados. Uma sugestão pode ser reunir a turma em grupos e orientar a montagem de um painel ilustrado de um dos estilos de pintura, por exemplo: Impressionismo, Expressionismo, Cubismo ou Futurismo. 

O FESTIVAL: 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922

A presença de uma artista consagrada, como a pianista Guiomar Novaes, e de Heitor Villa-Lobos, compositor de música clássica que já estava fazendo sucesso, mas nunca tinha se apresentado em São Paulo, deu aos três dias do festival certa garantia de seriedade e profissionalismo. Já as vaias e os tumultos durante as leituras de textos dos escritores modernistas passaram uma imagem de “molecagem”, de “brincadeira de mau gosto”, como disseram muitos críticos.  

Anita Malfatti assim descreveu o momento em que Oswald de Andrade ia ler seu texto: “Quanto mais a vaia subia com silvos, gritaria e apupos, mais calmo e feliz ficava o Oswald, e sua voz muito suave, mas de registro intenso, foi aumentando de volume até terminar tudo que queria dizer”.  

Além disso, a exposição de pinturas modernas no saguão do recente e mais chique teatro da cidade também foi um choque para a maioria da plateia, acostumada com uma arte mais tradicional e bem-comportada, que tinha o objetivo de ser uma espécie de cópia da realidade. Por isso, a liberdade no uso das cores e a pouca preocupação com a exatidão do desenho provocaram muitas críticas dos conservadores, que não viam essas telas como autênticas obras de arte. 

Mário de Andrade tentou explicar um pouco em que consistia a arte moderna ali exposta, mas não conseguiu ser escutado. O clima era de confronto. Ele mesmo escreveu, anos depois: “Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?”.    

Uma dica pedagógica interessante é propor à turma a elaboração de uma exposição virtual das obras exibidas durante a Semana de Arte Moderna, por meio de uma pesquisa na internet.

A semana foi importante?

Como um festival de arte moderna, ridicularizado por muitos jornais, que provocou tumultos e brincadeiras, que foi completamente ignorado pela população em geral, acabou ficando na história e ainda estamos falando dele, um século depois?

Antes de tudo, vale destacar que a Semana de Arte Moderna não criou o Modernismo. Foram os escritores modernistas que fizeram a Semana de Arte Moderna. Isto é, as ideias de renovação já estavam circulando pelo menos uns dez anos antes. Havia atitudes de contestação em outras cidades, experiências inovadoras, ruptura com a linguagem tradicionalista, mas eram quase sempre iniciativas individuais e não um forte movimento coletivo, como houve na cidade de São Paulo naquele momento. Mas depois, cada artista ou escritor seguiu seu próprio caminho, explorando a liberdade criativa pregada e conquistada pelo movimento. 

Como lemos no início deste texto, o Modernismo não era um programa pronto e acabado a ser executado. A liberdade de criação foi, talvez, a mais importante conquista no campo artístico. Já vinha sendo praticada na Europa fazia algumas décadas, mas não no Brasil. E isso mudou o panorama da nossa arte e ajudou a formar um público mais receptivo às novidades, menos preso a fórmulas consagradas. Experimentar, inovar, ousar — esses são os verbos que passaram a inspirar os artistas, em todos os campos. Até hoje. 

Os nossos jovens talvez não percebam, mas curtem essa liberdade o tempo todo. Há formas de arte para todos os gostos. Ninguém é obrigado a gostar ou elogiar apenas certas vertentes de arte. Essa liberdade é uma das consequências do movimento modernista. Por isso, Mário de Andrade afirmou que o Modernismo era uma aurora, uma promessa. Muita coisa ainda viria pela frente. Há vários momentos distintos dentro do amplo movimento que chamamos de Modernismo.  

Nesse sentido, a sugestão é trazer para dentro da sala de aula um debate sobre a liberdade de criação dos artistas de hoje, em todos os campos (música, literatura, teatro, cinema, dança etc.). Segmentos sociais que antes não tinham espaço para se expressar artisticamente lutaram por isso e hoje podem expor suas criações. Trata-se ao mesmo tempo de uma conquista social e estética. Isso é bom para o desenvolvimento da cultura brasileira ou não? Por quê? Esse é um excelente tema para discutir em sala de aula, inclusive com exemplos levados pelos próprios alunos.

Conhecer a história da Semana de Arte Moderna é importante para podermos entender o ponto a que chegamos e por que é preciso seguir em frente. Quanto mais liberdade, melhor. Tanto na arte como na vida.


Douglas Tufano 
é  professor de literatura formado pela USP, atua no ensino médio há mais de 30 anos. É autor de vários livros didáticos de português, literatura e história da arte pela editora Moderna.
 
Para saber mais
TUFANO, D. A Semana de Arte Moderna: São Paulo, 1922. 1 ed. São Paulo: Editora Moderna, 2021. 

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