Mediação na escola
Como estimular a resolução de conflitos e os valores democráticos para formar indivíduos mais tolerantes.
Texto Alynne Nayara Ferreira Nunes
A escola faz a conexão com o futuro da sociedade. Na formação das crianças e adolescentes, a escola, ao prestar o direito à educação, deve disseminar valores democráticos para que os alunos de hoje possam auxiliar na construção de um país mais justo, mais tolerante e menos preconceituoso. No entanto, é preciso ter em mente que a escola também é local de reprodução dos valores de nossa sociedade; seus preconceitos e conflitos são reproduzidos pela comunidade escolar. O papel da escola em conexão com o futuro consiste exatamente em identificar práticas sociais ultrapassadas e estimular valores ligados à democracia, como a manifestação do livre pensamento, a crítica qualificada e a valorização da diversidade. Conectar-se com o futuro significa ter consciência de práticas do presente que precisam ser deixadas para trás e trazer aos alunos a importância de desenvolver novas atitudes, novas perspectivas e novas relações sociais baseadas no respeito à diferença e na cultura de paz.
Alteridade ou empatia — a capacidade de se colocar no lugar do outro — e a valorização da diversidade inerente em cada ser humano estão na raiz da relevância do diálogo. A interação com o outro permite espaço ao contraditório, ao intercâmbio de ideias, além de propiciar a resolução de problemas. O repertório cultural e intelectual que a escola objetiva transmitir a seus alunos, nesse sentido, os auxilia na elaboração de fundamentos mais sofisticados, priorizando o debate de ideias e valorizando a argumentação racional.
O contrário ao diálogo consiste na arbitrariedade, na “justiça pelas próprias mãos”, em que vale a regra do mais forte — seja física, política ou economicamente. O medo e a introspecção passam a ser a tônica, impedindo que a comunidade escolar exponha seus conflitos e contradições, em vez de buscar solução dialogada e paritária. Essa relação autoritária de poder torna o ambiente escolar sujeito a constantes vigilâncias, contrárias ao propósito de libertação, de formação crítica e de respeito às individualidades de cada aluno, além de ser incapaz de resolver, de fato, seus conflitos.
Sob essa dinâmica, crianças e adolescentes, indivíduos em formação, tornam-se vulneráveis a fake news e ideais extremistas, divulgados maciçamente pelas redes sociais, cuja velocidade das informações inviabiliza o tempo necessário para reflexão e crítica. Por essa razão, submetê-los a um processo de resolução de conflitos, que usa o diálogo como base, é torná-los aptos ao crivo do contraditório, ao debate e à defesa de suas opiniões de forma mais consistente e racional. É prepará-los para os desafios de uma sociedade cada vez mais complexa, na qual a escola se apresenta como o antídoto, pois combate a ignorância e a alienação.
Ao olhar para o presente, pergunto: como lidamos com os conflitos em nossa sociedade? A escola tem sido capaz de projetar o futuro e aperfeiçoar as relações sociais? A escola tem obtido sucesso em formar indivíduos conscientes de seu papel na complexa sociedade em que vivemos, no sentido de estimular práticas democráticas, capazes de resolver conflitos pacificamente? Estas são questões em aberto que devem estar no radar do gestor educacional. Isso porque os conflitos também ocorrem, naturalmente, dentro do ambiente escolar, e a forma como são apresentados na escola reflete na formação dos alunos e da nossa sociedade.
A mediação emerge, por isso, como um dos pacíficos meios de resolução de problemas, capaz de capacitar os envolvidos, pois requer que as partes exponham suas versões e proponham soluções com autonomia. Se adequadamente conduzida, pode chegar a resultados satisfatórios. É relevante conhecer os sentimentos, as emoções que resultaram no conflito: agressividade, raiva, frustração, descontentamento, problemas familiares. A mediação, embora pareça utópica para muitos, requer prática; ou seja, quanto mais esse método estiver inserido nas práticas da instituição de ensino, mais será perseguido e mais os alunos tirarão proveito do aprendizado provocado pelo conflito e pela mediação. Há o desenvolvimento de uma habilidade importante para a formação, que é a percepção da responsabilidade de suas ações nas relações sociais e de conectar-se com o outro, abrindo-se para a diferença e solidariedade. Os alunos que praticam a mediação se tornam menos violentos e mais reflexivos, o que colabora para aumentar o desempenho da classe. Práticas de violência reiterada, como o bullying, tendem a reduzir gradualmente a partir do engajamento na mediação. Ao adotar esta técnica, a instituição de ensino se adequa à legislação que determina a adoção de medidas preventivas e repressivas contra o bullying (Lei no 13.185/15 e Lei no 13.663/18).
A mediação, assim, se apresenta como um método vantajoso na resolução dos conflitos porque pode envolver toda a comunidade escolar no processo decisório. Isto é, não é preciso recorrer a terceiros ou deixar a tarefa de resolução de conflitos apenas para a direção, sobrecarregando ainda mais aqueles encarregados da gestão educacional. A mediação, nesse sentido, se conecta com um dos pilares da educação, o de pugnar pela formação humana dos alunos, desenvolver habilidades necessárias à resolução de conflitos, além de demonstrar que a escola é capaz de resolver suas próprias questões de maneira autônoma e metódica. A mediação ainda contribui para a redução da violência escolar que muitas vezes extravasa o ambiente educacional.
Como desenvolver a mediação de conflitos?
Inicialmente, é preciso deixar de lado os julgamentos prévios, como criticar, culpar, concordar, discordar, tomar um lado, ridicularizar ou diminuir o argumento de uma das partes e fazer ameaças. O mediador – que pode ser um adulto ou mesmo os jovens alunos – deve manter postura neutra e se esforçar para entender as motivações emocionais e racionais que conduziram ao conflito. O poder de decisão cabe às partes envolvidas; e, ao mediador, cabe a escuta ativa e a formulação de questionamentos que auxiliem as partes a resolverem o conflito. O mediador ocupa posição que requer humildade para reconhecer o direito do outro de falar e expor sua versão, sem se sentir constrangido. Cabe a ele garantir o tempo de cada um para se explicar e apresentar suas colocações. A linguagem corporal também contribui para a adequada condução da mediação: olhar nos olhos do interlocutor, braços relaxados e pernas descruzadas são sinais não verbais que indicam que as partes podem conversar livremente e que seus pontos de vista serão ouvidos.
O campo da mediação é vasto e há diversas dinâmicas a serem adotadas. Geralmente, as mediações possuem o seguinte formato:
- Pré-mediação: as partes concordam com a mediação e o mediador as ouve separadamente;
- Mediação: o mediador estimula o diálogo entre as partes, se mantém neutro (seu único interesse deve ser na resolução do conflito de forma pacífica) e intervém quando houver ofensas e/ou quando as partes falam ao mesmo tempo.
- Sugestão de soluções: após as partes exporem seus sentimentos, opiniões e argumentos, o mediador questiona como podem oferecer sugestões para resolver o conflito, ajudando-os a se colocarem no lugar do outro.
- Conciliação e resolução: uma vez proposta, a mediação intervém para que as partes entrem em acordo sobre os termos da resolução do conflito. É essencial que as partes concordem em relação aos termos da conciliação.
Ao tratar da qualidade da educação, a pacificação dos conflitos escolares também deve ser levada em consideração. Alunos conscientes de seus direitos e deveres, que aprendem a ser responsáveis e a olhar o outro com humanidade, buscando entender seus argumentos e comportamentos, serão menos propensos à violência e mais dedicados aos estudos. Uma classe que se capacita na mediação contribui para evitar a prática do bullying. Por essa razão, uma escola que adota os princípios da mediação para resolver conflitos está formando indivíduos respeitosos, que optarão pela conversa, pelo diálogo, pela pacificação social. A escola do futuro é aquela que compreende, internaliza e aplica os valores democráticos em seu âmbito. Serão esses os indivíduos com maior resiliência para enfrentar pacificamente os conflitos de nossa complexa sociedade.
A escola que adotar técnicas de mediação para resolver conflitos e repensar as atitudes violentas da comunidade escolar estará contribuindo para a formação de uma sociedade mais democrática e inclusiva, além de impulsionar a qualidade da educação. Trata-se da escola que estará na vanguarda para o futuro.
Alynne Nayara Ferreira Nunes
É advogada e fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.
Para saber mais
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Diálogos e mediação de conflitos nas escolas – Guia prático para educadores. Brasília, 2014. Disponível em: goo.gl/rsw74z
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Mediação de conflitos nas escolas em busca da pacificação social. 25 jul. 2017. Disponível em: goo.gl/1PczHW
VIVALDI, Flávia. Alunos como mediadores de conflitos na escola. Gestão Escolar, 9 out. 2015. Disponível em: goo.gl/P82Fz3