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Equidade e educação

texto  Nilma Lino Gomes

O usufruto da igualdade e da justiça não se realiza sem a existência do reconhecimento, da redistribuição de renda e da equidade. Educação sem equidade não é educação.

A ideia de que todos os seres humanos têm direitos iguais é um pressuposto básico da democracia. Esse princípio está presente na noção de cidadania, construída na sociedade moderna. Trata-se da ideia de que o princípio da igualdade confere direitos a todas as pessoas e, sendo assim, não cabem distinções entre os cidadãos e as cidadãs. Em outras palavras, um Estado democrático, ao garantir direitos, deve fazê-lo para todos. No entanto, a igualdade não se concretiza desse modo na vida cotidiana.

Os contextos de dominação, colonização, escravidão e lutas pelo poder que forjaram as sociedades modernas têm o seu ápice com o advento do capitalismo, que se por um lado afirma que todas as pessoas têm os mesmos direitos perante a lei, necessitam das mesmas coisas e têm a liberdade para consegui-las, por outro, seguindo a lógica do mercado, sustenta a desigualdade real e não garante a igualdade na aplicação desses mesmos direitos. Uma coisa é a igualdade formal e outra é a igualdade
de condições materiais que todos deveriam ter para alcançá-la. Se as sociedades são desiguais e pautadas no acúmulo de riquezas de uns poucos e na pobreza de muitos, falta problematizar o princípio de igualdade com as noções de justiça e equidade.

Na contramão do mercado como eixo condutor da vida em sociedade, a partir do século XX, construímos lutas sociais em prol de uma cidadania mais plural, do direito à diferença, de uma igualdade que reconheça o trato desigual que recai historicamente sobre coletivos sociais diversos que são considerados fora do padrão ocidental de humanidade.

Nesse contexto, a equidade coloca-se como horizonte, possibilidade e potência para que, articulada aos princípios da igualdade e do reconhecimento, viabilize a construção de políticas e práticas que visem a um tratamento mais justo aos sujeitos contemplando as diversas diferenças.

A equidade é parte intrínseca da justiça social. É um substantivo feminino originário do latim, aequitas e aequus, que significa “justo”, “igual”, “simétrico”. No Direito, a equidade diz respeito ao julgamento justo para todos, tendo em vista as distintas condições de indivíduos ou grupos.

Educação que não leve em conta a equidade não merece ser chamada de educação de qualidade. Educação é um bem social e coletivo, portanto deve atender a toda comunidade. Por isso, quando falamos sobre igualdade, equidade e justiça na educação, é preciso considerar o papel importante dos movimentos sociais, que denunciam o trato desigual e não equânime dado aos coletivos sociais diversos transformados em desiguais e tratados como inferiores, tais como negros, mulheres, quilombolas, indígenas, pessoas do campo, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+ e idosos. 

Por esse motivo os movimentos sociais implementaram a partir dos anos 2000 a luta pelas políticas de ações afirmativas, e a educação foi um dos seus principais focos. As ações afirmativas explicitam que o usufruto da igualdade e da justiça para todos não se realiza sem a existência do reconhecimento, da redistribuição de renda e da equidade. 

Na escola, o processo de construção da equidade implica uma série de mudanças em vários níveis de atuação. Um exemplo é a revisão do projeto político pedagógico (PPP): é preciso explicitar o compromisso com a Lei de Diretrizes e Bases, alterada pela Lei n. 10.639/2003, sobre as culturas afro-brasileiras, e pela Lei n. 11.645/2008, das culturas indígenas. O PPP deve também pensar nas questões ambientais e de direitos humanos, na ressignificação da participação da comunidade escolar na gestão democrática. Produzir uma educação com qualidade e equidade exige uma revisão do material didático e dos acervos literários e da brinquedoteca para que a diversidade brasileira e do território esteja aí representada. A acessibilidade das pessoas com deficiência faz parte das políticas de equidade.

É preciso ressignificar a relação ensino-aprendizagem reconhecendo, compreendendo e inserindo os saberes construídos pelos estudantes na sua vivência comunitária, social, cultural, étnica, racial, de gênero, de idade, de orientação sexual como eixos pedagógicos do currículo e não como momentos ilustrativos. Os materiais pedagógicos devem ser acessíveis a todos os estudantes e é importante conhecer a diversidade que existe na sala de aula. Pensar a relação entre equidade e educação é uma proposta exigente uma vez que diz respeito à ampliação e ao aprofundamento da nossa concepção de educação democrática, laica, inclusiva, socialmente referenciada. Para ser equânimes, a educação e a escola precisam ser antirracistas, antimachistas, anticapacitistas e antiLGBTQIA+fóbicas. 

A equidade não deve ser um alvo a ser alcançado pela educação democrática que queremos, mas sim o caminho para a sua efetivação por meio de um posicionamento político e pedagógico afirmativo que reconheça as diferenças dos sujeitos e garanta a igualdade de direitos e oportunidades como trunfos para uma vida justa.

Nilma Lino Gomes

É professora titular emérita da UFMG. Doutora em Antropologia Social (USP) e pós-doutora em Sociologia (Universidade de Coimbra) e em Educação (UFSCar-SP). Pesquisadora do CNPq. Consultora de políticas antirracistas da Fundação Santillana.

Para saber mais

  • BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
  • SOUZA, Eliete de. Problematizando a equidade: a questão da inclusão profissional da pessoa com deficiência. São Paulo: PUC, 2006. Mestrado em Psicologia Social.
  • SPOSATI, A. Exclusão social abaixo da linha do Equador. In: VERÁS, M. P. B. (ed.) Por uma sociologia da exclusão social: o debate com Serge Paugam. São Paulo: Educ, 1999.
  • RODRIGUES, Tatiane Cosentino; ABRAMOWICZ, Anete. O debatecontemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas e pesquisasem educação. Educação e Pesquisa [on-line]. 2013, v. 39, n. 1. pp. 15-30.Disponível em: mod.lk/ed24_fm1. Acesso em: 26 abr. 2023.
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