Especial Metodologias ativas | O fim do aluno nota 10
Novos modelos de avaliação em projetos com metodologias ativas
Por Luciana Allan
Novas profissões estão emergindo dia após dia com as transformações da sociedade e o avanço das tecnologias. Como a escola pode colaborar para a formação de alunos capazes de desenvolver habilidades e competências durante toda a vida?
A urgente necessidade de realizar profundas transformações nas metodologias de ensino para promover oportunidades de aprendizagem significativa que permitam desenvolver as competências para o século XXI traz o desafio inexorável de reveros ultrapassados processos de avaliação dos alunos, que ainda são julgados muito mais pelo conhecimento teórico adquirido nos bancos escolares do que por suas habilidades socioemocionais e a capacidade de aplicar seus saberes na prática.
Nos próximos 10 ou 15 anos, quando nossas crianças e jovens estarão ingressando no mercado de trabalho, o mundo corporativo será completamente diferente do que conhecemos até hoje como fruto da revolução industrial. A economia criativa irá demandar (e já está valorizando) profissionais que sejam inovadores, visionários e, acima de tudo, empreendedores; sempre prontos a enfrentar desafios e solucionar problemas.
Se nas últimas décadas o sucesso na carreira esteve atrelado à capacidade de aprender uma profissão em determinada área (humanas, exatas ou
biológicas), as novas gerações precisarão, cada vez mais, aprender a aprender, ou seja, terão que ser multicompetentes e estudar por toda vida.
A automação de funções repetitivas com o avanço da inteligência artificial levará ao desaparecimento de profissões milenares, que serão assumidas por robôs, e ao surgimento de profissões do futuro que sequer somos capazes de imaginar, fazendo com que os momentos de aprendizagem sejam permanentes e por toda a vida.
Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.
Será que as políticas pedagógicas atuais estão alinhadas aos desafios desta nova sociedade digital, conectada, veloz e sedenta por enterrar antigos modelos corporativos para dar lugar a empresas com gestão horizontal, estruturas organizacionais flexíveis e, acreditem, dispostas a reconhecer o erro como combustível para a inovação?
Caros educadores, cabe a reflexão
Os modelos pedagógicos de nossas escolas ainda são muito mais direcionados ao ensino teórico para passar no funil do vestibular, obrigando os alunos a decorar fórmulas matemáticas, afluentes de rios ou a morfologia dos insetos para ter depois seus conhecimentos testados e avaliados por notas que não diferenciam as vocações ou interesses individuais.
É uma avaliação cruel, que prioriza a inteligência da decoreba ao invés da inteligência criativa.
Se quisermos realmente formar nossos alunos para a economia do século XXI, movida pelas novas tecnologias e a revolução nas relações de trabalho, precisaremos dar espaço a uma cultura maker, ao ‘fazer para aprender’, desenvolvendo e implementando metodologias ativas de ensino que tirem os alunos da zona de conforto da sala de aula e os desafie a desenvolver projetos multidisciplinares, capazes de causar impacto real e efetivo na comunidade em que vivem e, assim, trazerem significado ao aprendizado.
Faça uma experiência. Dê um brinquedo novo para uma criança e observe sua reação. Ela vai brincar, desmontar, remontar e investigar o brinquedo, não é mesmo? Este impulso de querer desvendar o desconhecido, descobrir o mundo, perguntar os porquês de tudo é próprio da natureza das crianças. Elas têm um potencial criativo pronto a ser estimulado. Mas, ao invés de priorizar um aprendizado prático, a escola como está estruturada hoje, apresenta uma tonelada de teorias que terão pouca aplicação na vida pessoal ou profissional do aluno. Sem motivação, os jovens entram em um looping de conteúdos pensados para atender uma geração que buscava ter ‘empregabilidade’, mas que agora precisará ter ‘trabalhabilidade’.
Os profissionais que começarão suas carreiras nas próximas décadas não passarão longos anos no mesmo emprego. Ao invés disso, precisarão reunir competências para trabalhar em diferentes projetos que tragam reconhecimento e realização, que sejam éticos e sustentáveis, que ajudem a mudar o mundo para melhor.
Neste futuro, o fim das salas de aula como conhecemos, com um professor trabalhando o mesmo conteúdo com as mesmas estratégias para todos os alunos, será inevitável. Ao adotarem novos formatos de ensino e inserirem novas tecnologias como ferramentas pedagógicas, as escolas também irão rever seus processos de avaliação.
Outros critérios deverão ser incorporados. Mais do que simplesmente ser avaliado se estudou para a prova (e esquecer tudo assim que entregá-la ao professor), o aluno será testado por sua força criativa e inovadora, sua capacidade de liderança, de resolver problemas e trabalhar em equipe, de se relacionar, de ter autonomia e proatividade, de aprender com os erros e dominar o uso das novas tecnologias, entre outros parâmetros.
Nesta nova escola, a avaliação deixa de ter um papel de julgar e expor o nível de conhecimento de um aluno para ser vista como a valorização e a validação do aprendizado. Não caberá mais exaltar o aluno que tirou boa nota e crucificar o aluno que foi mal na prova. A avaliação deve ser não o fim, mas uma parte intrínseca ao processo de construção do conhecimento.
Na economia criativa e na cultura da inovação o erro é reconhecido como a melhor forma de aprender. E, da mesma forma, a escola precisa incorporar o feedback contínuo ao aluno com critérios muito além dos técnicos avaliados na prova bimestral e na prova final. O professor passa a ser um mediador do aprendizado, fazendo um diagnóstico mais amplo das habilidades e conhecimentos do aluno. Não basta saber; é preciso fazer.
Em processos que envolvem metodologias ativas, tais como aprendizagem baseada em projetos, três fatores são essenciais para alcançar resultados significativos: a curiosidade, o interesse pela pesquisa e ter uma postura cooperativa. O conteúdo não deve seguir a velha cartilha. O caminho para o aprendizado significativo está em incentivar o aluno a ser questionador, a buscar respostas para problemas identificados por ele mesmo e a atuar como um time com seus colegas.
Com fácil acesso a um oceano infinito de conteúdos disponíveis na nuvem e tendo à disposição ferramentas tecnológicas que propiciam a interação e participação ativa, estudar deixa de seguir um roteiro unidirecional (professor – livros – aluno) para ser impulsionado por um aprendizado colaborativo pautado pelo desejo de aprender, refletir, perguntar, analisar, confrontar, revisitar e descobrir.
A adoção de modelos pedagógicos ativos para que o aluno vivencie na prática o dia a dia profissional e aprenda a enfrentar desafios, trabalhar em equipe e sob pressão, administrar o tempo e fazer sua autoavaliação, entre outras competências, torna a avaliação muito mais complexa do que simplesmente checar o gabarito. Exige, de fato, uma visão mais holística sobre o aluno.
No Instituto Crescer desenvolvemos, por exemplo, a metodologia ativa Tecendo Redes que segue o pressuposto teórico da pedagogia construtivista para implementação de projetos de aprendizagem. Neste modelo, o aluno parte da curiosidade e das indagações para iniciar um processo investigativo de problemas reais que atingem sua vida e, com a mediação do professor (e não como única fonte de conhecimento), conquistar maior autonomia nos seus estudos. Ao término do projeto, o estudante compartilha o que aprendeu com a comunidade escolar ou outras pessoas pela internet.
Nesta metodologia, analisamos critérios que serão levados em conta quando os alunos de hoje chegarem ao mercado de trabalho. Processo similar pode ser organizado para avaliar outras metodologias ativas implementadas em processos de ensino e aprendizagem na sua escola. Relaciono abaixo 10 passos que podem ser úteis na transformação do processo de avaliação formativa de seus alunos, fazendo com que ela seja parte integrante de um processo de aprendizagem significativa e esteja alinhada com o desenvolvimento de competências para o século XXI:
- 01 – Compartilhe o processo avaliativo deixando claro para os alunos o que será analisado antes de dar início ao processo.
- 02- Organize uma rubrica com critérios qualitativos e quantitativos de avaliação, como: organização, interação e trabalho da equipe, qualidade da pesquisa e da apresentação do projeto, administração do tempo, clareza na apresentação oral, complexidade no uso de tecnologias digitais, inovação e criatividade.
- 03 – Conhecimentos prévios. No início do projeto, peça aos alunos que registrem o que já sabem sobre o tema e o que mais gostariam de saber.
- 04 – Dedique um tempo para uma autoavaliação. No final do projeto, com a rubrica em mãos, os alunos deverão analisar seus pontos fortes e o que devem melhorar para futuros projetos.
- 05 – Organize uma roda de conversa e faça perguntas esclarecedoras. Auxilie no entendimento do contexto e de como o processo foi vivenciado pela equipe. Quem participou? Quanto tempo levou para definirem o tema? Como se organizaram?Quais ferramentas tecnológicas utilizaram?
- 06 – Utilize paráfrases que ajudem a equipe a confirmar o entendimento sobre a avaliação que fizeram: quer dizer que…?, pelo que entendi…?, foi isso mesmo?
- 07 – Faça perguntas de sondagem que levem os alunos a tirar suas próprias conclusões sobre o que vivenciaram. O que poderia ser feito para administrar melhor o tempo? Como vocês poderiam utilizar melhor os recursos tecnológicos?
- 08 – Repasse o resultado da avaliação com cada equipe. Encerre a roda de conversa olhando os resultados apresentados na rubrica e confirmando entendimento.
- 09 – Estimule a autoavaliação dos integrantes da equipe. O que você leva deste projeto? O que você já sabia? O que foi desafiador? O que gostaria de sugerir ao professor e para equipe?.
- 10 – Compare os conhecimentos. Peça às equipes uma lista comparativa dos conhecimentos adquiridos após o processo de pesquisa com os conhecimentos prévios.
A estratégia apresentada acima para promover a avaliação em processos de metodologias ativas ajuda a verificar o avanço dos alunos em relação ao desenvolvimento de suas competências para o século XXI. Dentre elas, podemos mencionar a busca de informações na internet, a leitura e produção de diferentes tipos de texto, o uso de tecnologias digitais, o trabalho em equipe, a administração do tempo, a autoavaliação, etc.
Já para avaliar os resultados de aprendizagem referente ao currículo, sugerimos que os alunos dediquem um tempo para registrar, individualmente, o que agora sabem sobre o tema investigado. O resultado deverá ser comparado aos conhecimentos que eles tinham sobre o tema no início do projeto, quando fizeram uma lista do que já sabiam e suas principais curiosidades. Provavelmente, você se surpreenderá ao ver o
quanto eles avançaram e confirmará a efetividade do trabalho com metodologias ativas, não só para desenvolver competências, foco da educação contemporânea, mas também para aprender coisas novas. Traços de felicidade, satisfação, engajamento, iniciativa e criatividade serão constantes, o que se configura em momentos reais de aprendizagem significativa que ficam marcados para toda a vida. Crie coragem! Ouse e
experimente esta nova dinâmica nas suas próximas aulas!
Luciana Allan
Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação.
Para saber mais
- Instituto Crescer www.institutocrescer.org.br
- Tecendo Redes https://essia.com/@oficinadigital/tecendo-redes