Um minuto de silêncio às brigas que o ensino remoto não mostrou
Sim, este texto é sobre briga na escola. E também sobre tudo o que as crianças aprendem com elas.
texto Ivan Aguirra
Muito tem se falado sobre o ensino a distância na educação básica. Talvez seja por conta da minha bolha de convívio, mas ouço imensamente mais críticas do que elogios. A principal delas atende pelo nome de convivência física.
Se a escola é um dos primeiros ambientes de socialização longe do ambiente familiar, é por lá que desenvolvemos a autonomia para nossos pensamentos e sentimentos sobre pessoas que passamos a conhecer pouco a pouco, com valores diferentes dos nossos. Em nome dessa tal convivência, escolas de todo o mundo criaram regras e combinados, que, sem a validação e aderência dos próprios alunos, nunca davam certo ou corriam o risco de virar uma escola-quartel. O que nem todos percebem é que, justamente no atrito, no encontro com o outro, no ciúme do material escolar, na vontade de comer o lanche do amiguinho durante o recreio, é que se edificam pilares importantes da vida e da escola.
Nos meus tempos de escola era praxe: dia de aniversário era dia da famosa ovada na porta da escola. Como o cerco ao aniversariante acontecia do portão para fora, as lideranças escolares faziam vistas grossas àquela situação – muitas vezes constrangedora ao aniversariante. É certo que a cultura da ovada não era exclusiva da minha escola. Tão certo como saber que todos ali levavam aprendizados ou traumas daquele presente, a ponto de criarem seus próprios códigos de regulação e entretenimento, também era propício faltar no dia do próprio aniversário para que os valentões almoçassem omelete naquele dia.
Dessa cena o leitor pode se perguntar: mas isso não depende da escola para acontecer! As crianças e os jovens se encontram nas pracinhas do bairro, no salão da igreja, nos clubes e campinhos de futebol da rua. A escola não é e nunca foi o único espaço de convivência desses alunos. É só mais um ambiente em que esses indivíduos circulam ao longo da vida. Aqui está o ponto: se a escola é o espaço da convivência, antes disso, ela também é o espaço da aprendizagem formal. É compromisso dela se apropriar dos contextos, observar os códigos estabelecidos pelos grupos de alunos para transformar, sempre que possível, os conflitos, as picuinhas, as cenas de ciúme, os choros e as brigas em problematizações e em intervenção pedagógica.
A formação do indivíduo acontece e perpassa diariamente pelas histórias que ele vivencia dentro e fora da escola. Quando os pares se encontram nesse espaço de convivência, a instituição precisa ser também o ambiente de conciliação e formação humana. Isso em nada depende de ser uma escola reguladora e cheia de regras. Pelo contrário, uma instituição que coloca o aluno no centro é aquela que desperta o papel individual para a existência de um todo mais harmonioso. Isso se faz a partir de comitês e grêmios estudantis, em que cada vez mais os alunos entendem as razões e os benefícios reais da empatia.
O ensino a distância, com os ambientes digitais comandando o dia a dia das turmas, traz novos desafios para a convivência. Temos que entender as incubadoras sociais que cada escola representa e como é minimamente mais difícil organizar isso no ambiente estritamente digital. É hora de formar os alunos como verdadeiros cidadãos digitais, rompendo as barreiras entre o físico e o virtual. Todos nós sabemos como é complexo administrar questões de cyberbullying, que, muitas vezes, nos fogem aos olhos e ao controle. Mas não podemos nos burlar do que ocorre para além dos nossos muros. Eles não existem mais…
Que tal começar ouvindo o que nossos muros imaginários falam sobre nossa escola? Vamos quebrar mais essa barreira?
IVAN AGUIRRA IZAR Gerente de Comunicação e Marketing