O que é ser educador diante das novas fronteiras da sustentabilidade
Conheça histórias inspiradoras de educadores e projetos que ganharam reconhecimento nacional por promoverem o crescimento sustentável e a cidadania ambiental.
texto Lara Silbiger
Foi-se o tempo em que falar sobre sustentabilidade se resumia a discutir questões ecológicas nas salas de aula. Faltando poucos anos para o Brasil se aproximar das metas traçadas na Agenda 2030, cabe às escolas se comprometerem com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e fazerem a sua parte para torná-los realidade.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os ODS são um modelo para o mundo alcançar um futuro melhor e mais sustentável para todos. Representam também um apelo para que governos, empresas, instituições – entre elas as de ensino – e cidadãos façam a sua parte para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e assegurar que as pessoas possam desfrutar de paz e prosperidade onde quer que estejam.
Alguns professores, coordenadores e gestores já abraçaram o desafio, trabalhando com os ODS por meio de projetos na escola e investindo na transversalidade do tema. É o caso dos educadores que conversaram com a Educatrix nesta reportagem. Em comum, todos foram reconhecidos nacionalmente por sua destacada atuação em iniciativas que deram contornos práticos ao conceito de sustentabilidade e traçaram caminhos para impactar o entorno.
Nas próximas páginas, conheça a trajetória desses educadores e sua contribuição para o futuro que almejam pós-pandemia.
Formação de cidadãos ambientais
{ Rafaela Sawaki } educadora ambiental e professora de Química, Matemática e Física — Sobral (CE).
“A educação ambiental ainda caminha a passos lentos nas escolas. O que estamos apresentando aos nossos alunos? Que reflexões eles estão elaborando? Olhar para isso significa olhar para o futuro que se desenha no horizonte, moldado pelas mudanças climáticas”, comenta a educadora ambiental Rafaela Sawaki.
Segundo ela, que também é professora de Química, Matemática e Física na rede privada em Fortaleza (CE), é inevitável que novas profissões surjam para lidar com os desafios da sustentabilidade. “Por isso, nenhuma criança deveria ficar de fora da discussão. Cabe à escola prover formação ambiental para que elas assumam, desde já, o papel de membros ativos na sociedade.”
O mergulho de Rafaela no universo da educação — em especial, com o viés ambiental — ocorreu durante o mestrado em Engenharia Química na Unicamp (SP). Como voluntária, foi professora do cursinho para estudantes de um assentamento do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-teto). “A experiência foi uma verdadeira catarse, o que me ajudou a entender as desigualdades sociais e me engajar em mais projetos de educação e sustentabilidade.”
Foi dela a concepção e realização da Primeira Olimpíada Socioambiental de Sobral (CE), que lhe rendeu o prêmio Conectando Boas Práticas 2021. A iniciativa, voltada para os anos finais do Ensino Fundamental, se deu em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. “O objetivo era fomentar o conceito de cidadania ambiental entre alunos, professores e gestores e mostrar que suas ações têm impacto sobre o meio ambiente, a produção de alimentos e até a cultura local”, conta a educadora ambiental.
Apoiado na prática de gamificação, o projeto girou em torno do rio Acaraú — um símbolo de Sobral. Todas as etapas da Olimpíada — feita a distância por conta do distanciamento social necessário ao combate da pandemia — foram pensadas para envolver os alunos em uma aventura lúdica pelo vale do Acaraú.
Cada equipe contou com um professor-orientador, que previamente também participou de uma formação ambiental. Entre os desafios dos alunos, estavam testar conhecimentos de ciências e sustentabilidade, criar um mapa afetivo do território e fazer um infográfico que explicasse a necessidade de preservar o rio Acaraú. As produções foram apresentadas para uma banca examinadora, que definiu os três finalistas.
Mais de 25 escolas e 178 equipes participaram da iniciativa, superando a marca de 650 pessoas. “Todos tiveram a oportunidade de fazer uma nova leitura da cidade e redescobrir Sobral em diferentes dimensões — fauna, flora, saneamento básico, alimentação, entre outras. Tudo isso reforçou minha certeza de que não há como dissociar o território do seu contexto social. É a partir daí que os estudantes identificam problemáticas e saem em busca de respostas em Química, Matemática, Física e Biologia”, afirma Rafaela.
Para ela, o papel do professor é orientar os alunos, apoiá-los na curadoria de conteúdo e sistematizar os conhecimentos levantados ao longo do processo.
Novos horizontes da sustentabilidade
{ Lia Armelin } diretora pedagógica dos anos finais do Ensino Fundamental e do Médio da See-Saw Panamby, e Sergio Alencar, coordenador pedagógico do Ensino Médio — São Paulo (SP).
“Ser professor é estar sempre olhando para o mundo e buscando formas de melhorá-lo”, afirma Lia Armelin, diretora pedagógica dos anos finais do Ensino Fundamental e do Médio na See-Saw Panamby, escola da rede privada de São Paulo (SP). Para ela, o desafio torna-se ainda maior neste período pós-pandemia, em que discutir sustentabilidade é fundamental para o futuro do planeta.
Tudo isso vem redirecionando a forma como a escola enxerga a sustentabilidade. “Antes, o termo ainda estava muito ligado a ecologia, reciclagem e reflorestamento. Pouco se falava de saúde e bem-estar atrelados à sustentabilidade. Após a covid-19, essa ligação ficou evidente”, comenta a diretora.
Ela ainda acrescenta que essa visão mais abrangente da sustentabilidade contribui para tornar o conceito mais palpável e possível de se alcançar. “Há coisas que acontecem do nosso lado e sobre as quais podemos intervir e transformar realidades.”
Foi o que aconteceu em 2018, quando a turma do Ensino Médio desenvolveu o projeto “Sustentabilidade: agir ou assumir consequências?”. O trabalho foi finalista do prêmio Desafio 2030 — Escolas Transformando nosso Mundo.
Mais que buscar respostas, os alunos foram incentivados a trabalhar em grupos, refletir sobre os ODS e implantar iniciativas sustentáveis na comunidade escolar.
“Do processo contínuo de investigação, que incluiu práticas de design thinking e makers, entrevistas com CEOs de startups, pesquisas orientadas por professores, entre outros, resultaram projetos totalmente inovadores”, conta Sergio Alencar, coordenador pedagógico do Ensino Médio.
Foi o caso do grupo que trabalhou o tema Água Potável e Saneamento e inventou um dispositivo para economizar água ao dar a descarga, o que otimizaria o uso do recurso na escola. Outro exemplo foi o grupo Energia Limpa e Acessível, que criou um mecanismo para carregar o celular a partir da energia mecânica gerada por pedaladas em uma bicicleta.
Com a implantação do Novo Ensino Médio, a sustentabilidade ganhou lugar cativo na grade curricular. Nas aulas de Ciências Sociais e
Sustentabilidade Urbana, são abordados temas como modais, organização habitacional, consumo consciente e cidades sustentáveis. Já na disciplina A Vida em Equilíbrio, conceitos de Biologia e a microbiologia trazem novas perspectivas sobre a sustentabilidade e a decomposição.
Acolhimento e
educação para reduzir desigualdades
{ Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos }
diretora da E.M. Professor W. Garcia — Manaus (AM).
“O papel do educador é ser um agente de transformação, mostrando para os estudantes que eles também podem gerar mudanças e impactar positivamente a própria vida e o entorno”, afirma Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos, diretora da E.M. Professor Waldir Garcia, na rede municipal de Manaus (AM). Ela foi uma das vencedoras do prêmio Educador Nota 10 em 2020.
Desde 2005, ela está à frente da gestão da escola, que se tornou referência nacional no acolhimento de refugiados e migrantes de países com crises humanitárias. Dos 255 alunos, cerca de 50 provêm de países como Haiti, Venezuela, Cuba, Bolívia e República Dominicana.
Os primeiros a chegar foram os haitianos, em 2007. O desafio de acolhê-los em suas especificidades e se comunicar com eles exigiram de Lúcia e de toda a comunidade escolar empatia, cooperação e até algumas mudanças na gestão.
Desde 2015, a reprovação foi abolida da E.M. Professor Waldir Garcia. “Nossa escola trabalha com diversidade e inclusão. Aqui, ninguém fica para trás. Caminhamos juntos, com igualdade de oportunidade para todos”, explica a diretora.
Além disso, faz seis anos que a escola já não tem carteiras enfileiradas nas salas de aula. No lugar, há mesas que reúnem vários alunos. “A mudança na configuração veio para promover a cultura da colaboração e incentivar o diálogo, o trabalho em equipe e a criatividade”, revela Lúcia.
Seu estilo de gestão também mudou. “Percebi que o jeito tradicional, rígido e disciplinado — a que eu estava acostumada na rede privada — não funcionava nesta escola. A falta de flexibilidade aumentava ainda mais as desigualdades entre os estudantes.” Hoje as assembleias fazem parte da rotina e contam com a participação de toda a comunidade escolar. “Nossas portas estão sempre abertas para os pais, que entram e saem quando querem. Alguns inclusive atuam como tutores voluntários”, comenta a diretora.
O olhar atento aos estudantes refugiados e migrantes e também às famílias chamou a atenção da Unicef, que procurou a diretora para conhecer as estratégias de inclusão e acolhimento da escola. “Não há segredo. É só envolver as crianças que elas aprendem”, garante ela.
A experiência bem-sucedida da E.M. Professor Waldir Garcia contribuiu também para o desenvolvimento da plataforma Edumigra, cujo objetivo é formar professores para a garantia do direito à educação de crianças e adolescentes refugiados e migrantes.
Inovação Sustentável
{ Renato Nunes Ramalho } professor de Física na Escola Cidadã Integral Professor Crispim Coelho, da rede estadual em Cajazeiras (PB)
“A educação em si tem mudado muito e vai mudar ainda mais. Com a pandemia, por exemplo, tivemos o desafio de dar aulas a distância, cativar os alunos e ainda fazer com que não perdessem o vínculo com a escola”, comenta o professor de Física Renato Nunes Ramalho, da Escola Cidadã Integral Professor Crispim Coelho, da rede estadual em Cajazeiras (PB).
O que, a princípio, parecia uma dificuldade foi driblado por ele e alguns alunos do Ensino Médio que estavam determinados a participar da competição estadual Ouse Criar. “Fizemos pesquisas e reuniões on-line, compartilhamos ideias e conhecimento e focamos na busca de uma solução inovadora para um problema antigo no sertão: a falta de água no período de estiagem”, conta Renato, que foi o mentor do grupo.
O resultado foi um projeto alicerçado nos ODS e que culminou com a criação de um sistema hídrico para reaproveitamento das águas cinza e pluviais nas escolas do semiárido paraibano. “A ideia consistia em captar a água da chuva para usá-la nos meses de estiagem e reaproveitar a água suja, que passaria por um tratamento químico e depois seria utilizada no dia a dia da escola, por exemplo, na limpeza do espaço”, explica o professor.
O resultado rendeu ao grupo o primeiro lugar na competição estadual Ouse Criar, e a Renato, o prêmio Professor Transformador. “É um mérito coletivo. Afinal, antes da inovação sempre vem a colaboração.”
Para saber mais
- Lovato, Antonio e Franzim, Raquel (org.). (2017). O ser e o agir transformador para mudar a conversa sobre educação (1a ed.). Ashoka e Instituto Alana. Disponível em: mod.lk/ed23per1. Acesso em: 5 set. 2022.
- Gravatá, A., Piza, C., Mayumi, C., Shimahara, E., & Coletivo Educação. (2013). Volta ao mundo em 13 escolas: Sinais do Futuro no presente (1a ed.). Fundação Telefônica. Disponível em: mod.lk/ed23per2. Acesso em: 5 set. 2022.
- Centro de Referências em Educação Integral. (2016). Cards Práticas Pedagógicas (Mandala). Centro de Referências em Educação Integral. Disponível em: mod.lk/ed23per3. Acesso em: 5 set. 2022.
- Alves, R. (2021). A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir (12a ed.). Campinas: Papirus.