Educação política: a conscientização começa na escola
Enquanto o conhecimento político não estiver ao alcance de todos, continuaremos em um Brasil desigual. Uma educação básica que prepare para o exercício da cidadania propicia uma sociedade mais participativa e um país mais justo e menos desigual para todos.
texto Kamila Nunes
Educação política é educar para a cidadania. Trata-se de uma postura que precisa ser estimulada nos estudantes. Por isso, é importantíssimo que sejam abordados os direitos e os deveres civis e políticos na escola, que, por sua vez, devem ser vivenciados por meio de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores.
Oferecer educação política é o primeiro passo para a politização e a conscientização. Isso tem grande potencial de render benefícios para a democracia brasileira. Refletir sobre política é um exercício que permite o pensar na coletividade e implica exercitar a empatia, já que somos expostos às visões do outro. Sobretudo, leva-nos a pensar sobre nosso papel como cidadãos e no impacto de nossas ações na sociedade. A educação política fornece ferramentas para a cidadania ativa e, assim, colabora no empoderamento de pessoas, grupos e comunidades, estimulando a atuação em seus territórios.
Os jovens devem ter na escola um ambiente para aprender desde cedo a fazer escolhas conscientes na hora de eleger representantes e de participar do processo democrático para além do voto. Esse cenário justifica a necessidade de dialogar, conhecer o sistema eleitoral, as funções dos cargos públicos, meios de participação na democracia, convívio coletivo e participação na vida pública, pois isto faz parte da formação cidadã e estimula a consciência e a apropriação de direitos e deveres com espírito crítico e autônomo.
A falta de garantia da Educação política e cidadã nas escolas
A escola deve ser um espaço adequado de formação e informação, em que a aprendizagem deve estar em concordância com os assuntos sociais que caracterizam cada momento histórico. As diferentes configurações de organização da sociedade e temas como política e cidadania devem ser abordados no ambiente escolar, com diálogo e debates entre educadores e estudantes. O ensino para o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao exercício da cidadania está previsto na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e dialoga com diversas competências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que aborda a temática da cidadania.
Mas, apesar de ser um direito garantido pela Constituição, a preparação para o exercício da cidadania está longe de ser uma realidade em todas as escolas. No Brasil, os documentos normativos de orientação curricular, os conteúdos e as aprendizagens mais relevantes do campo da educação política para a cidadania ainda precisam avançar nos livros didáticos e nas práticas pedagógicas dos educadores ao longo da educação básica. É comum, nos componentes curriculares de História e Sociologia, no Ensino Médio, haver algumas propostas de discussão, mas sem muito aprofundamento, que toca na história das instituições de Estado e na descrição mínima das institucionalidades políticas e das formas de participação convencional na democracia. É urgente a necessidade de garantir aos estudantes o que já está previsto em lei, para que possam exercer a cidadania ativa e impactar suas comunidades por meio de vivências plurais.
Eleições na escola
Em 2022, os debates em torno das eleições para deputados (estadual e federal), senador, governador e presidente vão fazer parte da rotina familiar e escolar. A chegada do período eleitoral traz uma ótima oportunidade para discutir com os estudantes a participação política na construção do país que desejamos. Entender como as escolhas que fazemos impactam nossa vida é fundamental para que passemos a fazê-las de maneira cada vez mais consciente. A sala de aula, como mencionado anteriormente, é o lugar ideal para ensinar e vivenciar aspectos da cidadania.
Esse processo é especialmente interessante para os estudantes do Ensino Médio que já estão prestes a se tornar eleitores, mas não deve ser desconsiderado para os estudantes do Ensino Fundamental, pois a política faz parte da vida. Ao falar de política, entendemos que há um lugar reservado ao confronto de ideias e percepções opostas. Nesse sentido, é essencial entender que o tema das eleições acaba impactando a todos em casa, nas redes sociais, pela televisão, entre amigos e, também, na escola. Todos vivenciam conflitos familiares ou entre amigos e precisam, de forma coletiva, encontrar uma conciliação ou um espaço de respeito para que as oposições sejam respeitadas. Há um grande aprendizado nesse processo que envolve argumentar, escutar o outro, negociar, ceder e respeitar as decisões diferentes da sua. Todas essas são ações essenciais no exercício da política.
Programa Escola da Cidadania Ativa: Educação Política no Ensino Médio
Após a implementação da Lei n. 13.415/ 2017 e a aprovação Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as mudanças para o Ensino Médio foram estabelecidas para todo o cenário nacional. Nesse sentido, após a Reforma, o currículo para o Novo Ensino Médio foi estruturado em duas partes: Formação Geral Básica e Itinerários Formativos. Assim, a carga horária foi alterada de 2.400 horas para 3.000 horas, sendo que 1.800 horas devem ser destinadas para a parte comum do currículo, previstas pela BNCC, e 1.200 para a diversificada, ou seja, que se encaixe nas realidades regionais e locais do território brasileiro.
Na proposta do Novo Ensino Médio permitiu-se que a parte diversificada — os Itinerários Formativos — fosse construída pelas Secretarias de Educação, pelas escolas ou por outras instituições. Como organização da sociedade civil sem fins lucrativos (OSC), o Politize! encarou essa resolução como uma oportunidade para levar diálogos sobre educação política e cidadania para o Ensino Médio de escolas públicas do Brasil.
O Programa Escola da Cidadania Ativa está sustentado na BNCC e na aprovação do Novo Ensino Médio. A iniciativa busca formar uma geração de cidadãos conscientes e comprometidos com a democracia por meio da parceria com as Secretarias Estaduais de Educação contando com o desenvolvimento de componentes curriculares, eletivas, trilhas de aprofundamento, material pedagógico, desenvolvimento de formações para professores(as) e estudantes. Atualmente, o Programa já possui projetos aplicados em São Paulo, Bahia, Sergipe, Amazonas, Roraima e Mato Grosso.
Os materiais são desenvolvidos levando em consideração instrumentos que permitem que os estudantes possam despertar o interesse pela vida pública. A abordagem pedagógica é baseada em metodologias ativas de aprendizagem, focando no protagonismo juvenil, reconhecendo o jovem como principal agente do seu próprio aprendizado com base em seis temáticas:
- Cidadania local e global
- Mídias e comunicação
- Direitos e acesso à justiça
- Inovação e coletividade
- Políticas públicas
- Participação e mobilização social
Como ensinar diálogos saudáveis nas escolas
A escola precisa estabelecer alicerces profundos para tornar e manter a sala de aula como um espaço democrático. É preciso trazer propostas que fortaleçam a comunicação saudável, a intencionalidade, os diálogos e as negociações e que, ao mesmo tempo, se conectem com a realidade da turma.
Para isso, é fundamental fortalecer nos estudantes processos de comunicação com base em conceitos como escuta ativa, comunicação não violenta, reflexão, estruturação e exposição de argumentos e mediação/negociação para resolução de conflitos, propondo que eles pautem o embate de ideias como um elemento fundamental para a consolidação da democracia e compreendam que temos responsabilidade pela maneira como nos colocamos em espaços de tomada de decisão.
Essas são premissas da proposta da eletiva “Diálogo, debate e negociação”, oferecida no Programa Escola da Cidadania Ativa do Politize!. O projeto sempre propõe que, como conclusão, os estudantes construam um coletivo social a partir de técnicas de comunicação saudável para refletir sobre uma situação-problema dentro da comunidade escolar e tomar uma ação prática para solucioná-la.
Combate a fake news nas escolas
A eletiva Informação e desinformação faz parte do Programa Escola da Cidadania Ativa e já foi aplicada nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Sergipe. A finalidade foi exercitar a compreensão crítica de como a checagem da informação auxilia no aprendizado e no desenvolvimento de uma cultura de respeito aos direitos fundamentais e às responsabilidades cidadãs, além de mostrar como os meios de acesso à informação podem ser utilizados como ferramentas para a verificação de dados e conteúdos, promovendo o pluralismo, o diálogo e a tolerância intercultural, que contribuem para o debate democrático e a convivência harmônica dentro do ambiente escolar. A investigação e a checagem da informação desempenham papel importante em nossa vida pessoal, econômica, política e social. Elas são necessárias para o desenvolvimento de uma população mais informada e participativa.
É necessário trabalhar conteúdos para compreensão dos canais de informação de investigação e checagem de fatos, além do conceito de pós-verdade, como: as principais ferramentas de veiculação, os processos de checagem das informações, como funcionam as bolhas digitais, o reconhecimento de como valores pessoais podem afetar a interpretação dos dados, identificando os apelos emocionais e as crenças que, muitas vezes, são utilizados para manipular e desinformar em massa, e instigar o debate sobre as consequências que essa desinformação tem para o convívio político e social.
A estudante Manuelle Hernandes, da escola General Mascarenhas de Moraes, em Elias Fausto (SP) ressalta a importância de a temática da desinformação ter sido apresentada em sala de aula. “Se não partisse de dentro da escola, muitos alunos não dariam a devida atenção ao assunto. Como a discussão é recorrente na internet, acabamos tendo uma falsa ideia de que já sabemos de tudo. Mas esse contato direto, para além da leitura, fez toda a diferença”.
A eletiva contou ainda com a formação de professores, que puderam incorporar a temática a ser abordada em sala de aula. “Gostei muito da possibilidade de ensinar os estudantes a diferenciar dados de opiniões e separar as informações verdadeiras das falsas”, relata Gabriela Silva Fonseca, que leciona nas escolas Bairro Jundiaquara e Professora Maria Angélica Baillot, no município de Araçoiaba da Serra (SP). “O resultado ficou acima das minhas expectativas. Percebi que os estudantes não tinham a compreensão de que as redes sociais eram tão complexas e repletas de conteúdos que não são necessariamente verdadeiros. Eles aprenderam muito”, completa.
A escola é um espaço de experiências reais e formativas. É essencial que nossos alunos tenham um ambiente seguro e saudável para compreender e exercer sua cidadania. A política faz parte da vida em sociedade e, precisa ser um tema comum e não apenas de confronto. Dessa forma, torna-se fundamental educar para a cidadania.
Kamila Nunes é gestora do núcleo de Educação Básica do Politize!, mestra em História pela UFSJ, licenciada em História e Bacharel em Humanidades UFVJM. Atualmente, cursa MBA em Gestão de Projetos na USP.
Para saber mais
- Portal Politize! Disponível em: www.politize.com.br. Acesso em: 22 fev. 2022.
- BRASIL. Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, conversão da Medida Provisória n. 746/2016. Diário Oficial da União. Disponível em: mod.lk/foco22. Acesso em: 22 fev. 2022.
- BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, 2018.
- Revista Parlamento e Sociedade, São Paulo, v. 6, n. 11, jul./dez. 2018, p. 11-15.
- BLUME, Bruno A. Educação política: o que é e qual seu propósito. Disponível em: mod.lk/foco22_2. Acesso em: 24 fev. 2022.