fbpx

De olho na implantação

Frente aos desafios propostos pela Base Nacional Comum Curricular e a iminente implantação, convidamos o professor da usp, Nilson José Machado, para responder dúvidas frequentes de educadores brasileiros.
Texto Moderna

Mal começou 2019 e as escolas brasileiras já sabem que precisam direcionar esforços e olhares ao próximo ano letivo. Instituições de ensino de todo o país estão em ritmo intenso, preparando-se para a implantação da Base Nacional Comum Curricular (bncc), que passa a ser obrigatória para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental a partir de 2020.

Com a homologação do texto da bncc em dezembro de 2017, o ano passado exigiu muito trabalho para se debruçar e compreender as mudanças propostas pelo Ministério da Educação (mec) e como se organizar para colocar em prática tais diretrizes. Estudos coletivos, eventos, sabatinas e muito trabalho resultaram em boas ideias, mas também geraram muitas dúvidas sobre o que pode ser feito e, principalmente, sobre como fazer.
Para colaborar com esse processo, a Educatrix convidou a equipe de assessoras pedagógicas da Moderna para levantar perguntas frequentes feitas por escolas que estão vivendo esse momento de transição para implantar a bncc. Convidamos Nilson José Machado, professor da Faculdade de Educação da usp e um dos mais conceituados especialistas em ensino por competências do país, para responder a esses questionamentos e dar dicas sobre como otimizar as mudanças e conquistar resultados na aprendizagem.

BNCC

Educatrix: qual a diferença entre bncc e currículo?
Sim. A Base Nacional Comum Curricular é a lei educacional maior. Como se fosse a Constituição de um país. O projeto educacional brasileiro, sustentados por valores que partilhamos como nação, é, ou deveria ser, o conteúdo da bncc. Os currículos são instrumentos para orientar o planejamento das ações, ou seja, podem e devem apresentar características ou interpretações locais dos projetos e valores envolvidos na Base.

Educatrix: a bncc substitui os parâmetros curriculares nacionais?
Sim, a Base Nacional Comum Curricular agora é o instrumento que fixa os Parâmetros. Os PCNs foram atualizados na BNCC. Por exemplo, os PCNs falam em três áreas do conhecimento, com a Matemática inserida da área de Ensino de Ciências da Natureza; para a BNCC, as áreas são quatro: Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza, ou seja, a Matemática é vista como uma área separada.

Educatrix: uma das maiores angústias das escolas, em relação à nova legislação não é o trabalho com as competências, mas como reelaborar o currículo a partir de temas, incorporando as competências gerais. como a escola pode deixar de lado a lógica conteudista e fragmentada e articular, de forma significativa, o uso das competências às práticas pedagógicas? (Marcia Maria de Sá Kalil, RJ)
A dificuldade básica é como estabelecer pontes entre os conteúdos a serem ensinados e as competências a serem desenvolvidas. Não se pode deixar de lado os conteúdos, eles são fundamentais. Mas os conteúdos devem estar a serviço do desenvolvimento das competências. A ponte a ser construída deve ter por base as ideias fundamentais dos conteúdos disciplinares envolvidos. A grande dificuldade é o fato de que, sobretudo no ensino médio, se perdeu o discernimento entre o que é fundamental e o que é complemento. As ideias fundamentais de cada disciplina são indispensáveis; as tecnicidades complementares podem ser deixadas ao gosto do freguês. Quem aprende as ideias fundamentais sabe ir buscar os complementos, se e quando precisar.

Educatrix: quais são os primeiros passos para reestruturar o currículo da escola e formular seu projeto pedagógico? (Tatiane Santos Matos, AL/SE)
O projeto da unidade escolar é o primeiro passo. A identidade resultante da inserção na comunidade, os valores partilhados, isso se situa em primeiro lugar, constituindo o projeto institucional. Naturalmente, a escola não é isolada, pertence a uma rede com metas e valores mais abrangentes e deve se situar em sintonia com eles. O projeto pedagógico, por sua vez, deve refletir as concepções educacionais no que tange aos conteúdos a serem mobilizados e às metodologias a serem praticadas. A apresentação integrada dos conteúdos organizados em vias de acesso ao conhecimento, que são as disciplinas (agora, componentes curriculares), é basicamente um currículo.

Educatrix: como você conceitua competência e habilidade?
(Paola Daniele Castro Saturnino, RS)

Competência é capacidade de mobilização do que se sabe para a realização do que se deseja, do que se projeta. Quem nada sabe é certamente incompetente; quem nada busca, nada quer, nada projeta, aquele a quem nada apetece é também um incompetente. Quem sabe muitas coisas, mas não consegue mobilizar o que sabe — eis aí um incompetente. Na escola básica, podemos resumir as competências a serem desenvolvidas em três pares: capacidade de expressão/compreensão, capacidade de análise/síntese, e capacidade de contextualização/extrapolação de contextos. Cada par de competências está associado a formas básicas de manifestação, que são as habilidades. A capacidade de compreensão, por exemplo, pode ser traduzida em habilidades como compreender um texto, compreender um gráfico, compreender a importância da água na preservação da vida humana etc.

Educatrix: um dos pontos mais relevantes para implantação da bncc é a formação dos professores, que, em sua maioria, não tiveram formação para o desenvolvimento de competências, que não trabalhavam dentro dessa proposta e que não focavam seu planejamento dentro dessa perspectiva. qual a sua opinião sobre o trabalho com competências e a ressignificação da prática docente? (Mariza Alves de Carvalho, RJ)
A ideia de competência não é nova, nós é que perdemos o caminho que leva das disciplinas às competências. Nossos avós tinham clara a consciência de que nos ensinavam muitas matérias na escola, mas entendiam que os alunos teriam que sair da escola sabendo ler, escrever e contar. Essas eram as competências básicas para eles. Hoje, precisamos atualizar as demandas escolares. Antigamente, podíamos ser só analfabetos; hoje, podemos ser polianalfabetos. Analfabetos em ciências, em tecnologia, em economia etc. Precisamos aprender a ler, é um fato, mas ler significa algo muito mais amplo nos dias de hoje. Nas palavras de Paulo Freire, precisamos aprender a ler o mundo. Reitero que a ideia de competência não é nova. É preciso digeri-la.

Educatrix: a bncc fragiliza a auto-nomia do professor? (Joseneide Barros, PE)
A BNCC é redigida de forma verborrágica. Incluindo o Ensino Médio, o documento terá mais de 600 páginas. A intenção de regular todas as ações dos professores pode ter passado dos limites desejáveis e a impressão que fica é a de excessivo controle das ações docentes. Os fins maiores precisam ser registrados, o acordo maior é em torno deles. Mas deveria haver muito mais flexibilidade nos meios, nas metodologias. É impossível um país com a nossa extensão ter pretensões de regulação miúda tão amplas.

Educatrix: quais são as suas dicas para o desenvolvimento de planejamentos consistentes e de acordo com a bncc? (Emmanuelle Winck de Almeida, RS/SC)
A impressão forte que fica é de que a BNCC optou por uma linguagem excessivamente prolixa e por um número exagerado de competências e habilidades: mais de 1500 habilidades, mais de 100 competências, incluindo as gerais e as específicas, que não dialogam suficientemente com as gerais, tendo em vista os processos de avaliação, a construção de itens (questões) para uma avaliação padrão TRI (Teoria da Resposta ao Item). Poderia ser dito que o combate à febre foi subordinado ao uso de um bom termômetro. Para o planejamento, é importante garantir um diálogo entre as competências gerais e as competências por área, é preciso agrupar certas competências e certas habilidades que constituem simples reiterações. Enxugar e simplificar o texto da Base é condição de possibilidade de um planejamento efetivo.

Educatrix: como ficam as diferenças regionais do ensino na bncc? as características e especificidades culturais e regionais foram contempladas? (Joseneide Barros, PE)
A preocupação exagerada com as avaliações sistêmicas (SAEB, ENEM etc.) tem tirado o foco das avaliações locais, que precisam ser articuladas às macroavaliações. É nas avaliações locais que as diferenças regionais podem ser consideradas de modo mais efetivo. O caráter formativo das avaliações depende muito mais da eficácia das avaliações locais do que da busca obsessiva por indicadores gerais.

Educatrix: dentre as várias competências que precisam ser contempladas, temos a cultura digital. a maioria dos professores têm dificuldade de articular suas práticas ao cotidiano digital do aluno. o que você pensa sobre este tema? (Gisele Pinho, CE)
A chamada cultura digital é importante, mas tem sido certamente superestimada. As tecnologias são da ordem dos meios, e os fins devem prevalecer sobre os meios. Alguns alunos podem ter muito mais prática do que certos professores, que podem ser inclusive ajudados pelos alunos na utilização de tecnologias. Mas os fins educacionais, os objetivos do projeto educacional não dependem tanto dos equipamentos envolvidos quanto do entusiasmo e da garra do professor.

Educatrix: segundo a ldb, a educação de jovens e adultos (eja) e a educação profissional são modalidades de ensino. sendo assim, como construir um currículo a partir da bncc para atender às especificidades dessas modalidades? (Joseneide Barros, PE)
Parece-me mais simples atender a modalidades específicas, como as associadas à educação profissional, do que organizar adequadamente as escolas regulares. O mais difícil é reinstalar a distinção entre o fundamental e o acessório no âmbito de cada uma das disciplinas.

Educatrix: o que significa educação integral na bncc?
Em primeiro lugar, é importante ter a clareza de que educação integral não significa educação em tempo integral. A meta de manter os alunos na escola o dia inteiro é inviável e não me parece essencial. A integralidade a ser buscada refere-se à apresentação dos conteúdos disciplinares de maneira solidária, imbricados pelo elenco de ideias fundamentais de cada um deles. E certamente a educação integral refere-se à consideração dos alunos como pessoas inteiras, corpo e mente, razão e sentimento, transitando com discernimento entre temas escolares e não escolares, científicos e religiosos, familiares ou cívicos.


Nilson josé machado
É professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Leciona em cursos de graduação e de pós-graduação e já orientou mais de seis dezenas de mestrados e/ou doutorados. Participou da equipe que criou o Enem, em 1998, e coordenou a equipe que elaborou o Currículo de Matemática do Estado de São Paulo, em 2008.


Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com