Por mais mulheres na ciência
Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em todos os lugares é a Meta 5 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Texto: Luciano Monteiro
A divulgação dos vencedores da segunda edição do Prêmio Escolas Sustentáveis, promovido pela Fundação Santillana, deu visibilidade a iniciativas pedagógicas de grande relevância, mostrando o crescente comprometimento de escolas e educadores com as causas da educação para a sustentabilidade. Mas, para além disso, as duas propostas vencedoras tiveram, em comum, uma virtude a mais – trouxeram à tona o enfrentamento de um desafio para o qual é preciso chamar a atenção de toda a sociedade: a desigualdade de gênero.
Vencedora na categoria dos Anos Finais e Ensino Médio, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Saint Hilaire, de Porto Alegre, apresentou à sociedade uma proposta focada na formação de lideranças femininas. O projeto “Em Busca de Jardins” – título inspirado na obra da escritora afro-americana Alice Walker – mostrou como a escola, ponto de referência para o território em que se insere, pode ter um papel crucial para a criação e o fortalecimento de políticas públicas de enfrentamento à desigualdade.
Elaborado pelo Coletivo Luísa Marques, em homenagem a uma mediadora de leitura local, o projeto abriu espaço para que as alunas pudessem falar sobre a desigualdade de gênero, a partir de leituras realizadas. Foram realizados encontros com outras instituições, ampliando a consciência sobre essa causa.
Meta 5
Igualdade de Gênero
Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em todos os lugares. Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas pública e privada, incluindo tráfico, exploração sexual e outros tipos. Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades de liderança.
Um dos objetivos do Coletivo Luísa Marques é estimular o protagonismo das meninas. “São as gurias fazendo direito para outras gurias. De forma prática, o projeto ocorre da seguinte maneira: realizamos contações de histórias, utilizando a literatura indígena, negra e afetiva, com intenção de combater as violências de gênero. As alunas, voltadas para o compromisso em melhorar a qualidade de vida nas comunidades, fazem ações de combate à violência e ao abuso sexual contra as crianças, as adolescentes e as mulheres, conscientizam sobre o trabalho, a saúde mental e a dignidade menstrual. Nós mostramos como a mediação de leitura contribui para o autocuidado, o autoconhecimento e o bem-estar”, descreve a iniciativa apresentada.
O projeto fica ainda mais potente quando se considera o contexto em que nasceu. Lomba do Pinheiro, bairro que abriga o coletivo em Porto Alegre, registra um dos maiores índices de estupros da capital gaúcha. Durante a pandemia, os números de casos de abusos contra crianças e adolescentes aumentaram, e problemas de saúde emocional, saúde menstrual e trabalho doméstico, que tiram das meninas a possibilidade de estudar, permaneceram após a pandemia. Nesse contexto, o Coletivo Luísa Marques foi formado por estudantes e mediadoras de leitura cujo principal tema é a melhoria de qualidade de vida no território.
Pela forma como foi concebido e construído, o projeto “Em Busca dos Jardins” se configura como uma tecnologia social, ou seja, pode inspirar novas iniciativas e ser replicado em outras instituições que assim o desejarem. Envolveu de forma interativa crianças, adolescentes e mulheres da comunidade da EMEF Saint Hilaire, mostrando como a escola, referência local, tem papel fundamental na promoção e na efetivação de políticas públicas para combater os problemas oriundos da desigualdade de gênero.
A proposta da EMEF Saint Hilaire atendeu plenamente à Meta 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que trata da igualdade de gênero.
A Educação Básica tem um papel essencial na ação pedagógica, na execução de políticas públicas, na formação das famílias e dos professores e, sobretudo, na tomada de consciência sobre questões reais.
Construtores do amanhã
O outro projeto vencedor do Prêmio Escolas Sustentáveis também aborda, ainda que indiretamente, o tema da igualdade de gênero. O projeto “Pequenos Construtores do Amanhã: Explorando a Sustentabilidade com Robótica” foi elaborado com 50 crianças de pré-escola no CEI Nova Brasília, sob a orientação da professora Milene Tavares. Seu objetivo principal foi trazer conceitos de sustentabilidade, robótica e educação ambiental de forma integrada na educação infantil, utilizando como base a Meta 12 da ODS, que trata do consumo e da produção responsáveis.
A proposta era utilizar materiais já presentes em nossa sociedade, sem a necessidade de adquirir novos itens, promovendo assim a reutilização e prolongando a vida útil desses materiais. “Essa abordagem resultou em novos objetivos e ampliou o tempo de utilização dos recursos disponíveis. A experiência foi enriquecedora, incentivando a criatividade e a capacidade de resolver problemas ao criar protótipos inovadores a partir dos materiais já existentes”, menciona o projeto.
Muitas atividades foram realizadas, como a introdução aos LEDs e suas polaridades até o uso da caneta 3D para dar vida aos desenhos, utilizando filamentos feitos de garrafa PET. Foram desenvolvidos jogos de programação desplugada, focando a coleta reciclável com materiais já existentes. Além disso, foram criados brinquedos no espaço maker utilizando materiais reciclados, resultando em novos brinquedos tecnológicos. As famílias participaram de todo o processo.
Outras experiências se originaram dessa iniciativa, como a criação de uma horta sustentável, usando a robótica para um sensor de umidade. Até na culinária aconteceram desdobramentos, com a culinária sustentável, com receitas como o pão de casca de banana.
Mas o que tem a ver um projeto de tecnologia com a busca pela igualdade de gênero? Muito. É preciso que as mulheres estejam representadas de forma igualitária em todos os campos, inclusive naqueles ligados ao desenvolvimento científico, esfera de importância estratégica na sociedade do conhecimento.
Ao olhar indicadores e pesquisas recentes, ainda percebemos que há uma sub-representação feminina nas carreiras científicas. Segundo relatório da Unesco, as mulheres nas ciências representam não mais do que 28% dos pesquisadores no mundo. No Brasil, segundo um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em apenas 34% das áreas as mulheres alcançam equidade ou são maioria entre os docentes da pós-graduação. Entre as áreas com menor participação feminina está a Matemática, tema desta edição de Educatrix.
As limitações que levam à igualdade de gênero residem na falta de oportunidades, mas começam com preconceitos, como os que levam as meninas a acreditar que existem áreas mais femininas, como as profissões da saúde, ou mais masculinas, como as ciências exatas e da tecnologia. Além disso, diversas seleções sociais, como as que dão acesso às carreiras acadêmicas, não levam em conta o impacto de papéis sociais normalmente atribuídos às mulheres, como a maternidade. Por isso, as pesquisas mostram que, mesmo quando progridem na carreira acadêmica, as mulheres ainda são minoria nos quadros de professores permanentes nas universidades.
O enfrentamento da desigualdade de gênero requer um conjunto complexo de iniciativas, e todas passam pela Educação Básica. Nas políticas públicas, além das políticas sociais de proteção aos direitos das mulheres (como evidenciado no projeto “Em Busca de Jardins”), são necessárias também ações que promovam a igualdade de gênero na educação científica, a criação de redes de apoio e mentorias para meninas interessadas em ciências e o estudo de exemplos de países que implementaram políticas eficazes para aumentar a participação feminina em ciências. A proposta levada adiante pela CEI Brasília é um exemplo importante, inclusive por se iniciar na Educação Infantil, mostrando para as crianças que a tecnologia serve a todos, indistintamente, e pode se constituir em um imenso campo de possibilidades futuras.
A Santillana entende a relevância de adotar estratégias que incrementem a participação das meninas em ciências e busca formas apoiar essas estratégias. Uma delas é estimulando essa participação por meio de nossos materiais e recursos pedagógicos.
Luciano Monteiro é diretor global de Comunicação e Sustentabilidade da Santillana