fbpx

Superdotação e a formulação de estratégias em sala de aula

Saiba quem são os estudantes com altas habilidades/superdotação e as possibilidades de atendimento pedagógico no ambiente escolar.

texto  Fabiane Navega

Quantos não são os profissionais que atuam na sala de aula cuja prática os levou a pensar sobre a diversidade e com isso terem suscitado a possibilidade de encontrar estudantes com altas habilidades/superdotação (AH/SD)? Efetivamente, essas crianças estão inseridas no contexto educacional, mas algumas ideias equivocadas sobre o assunto impedem a sua identificação e o atendimento adequado ao seu desenvolvimento. Há muitos mitos recorrentes, como: a superdotação atrelada à genialidade; a incidência de superdotados somente na área acadêmica; a raridade do fenômeno; manifestação dos comportamentos, exclusivamente, em famílias mais privilegiadas. Nos ambientes familiares e escolares prevalece a máxima de que esses indivíduos conseguem se desenvolver sem nenhuma adequação nem apoio. 

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial (brasil, 2008), crianças com altas habilidades/superdotação apresentam potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Essas crianças compõem um grupo muito heterogêneo, de multipotencialidades e em graus variados. Elas apresentam grande facilidade para a aprendizagem, dominam rapidamente informações e conceitos, enfim, são originais, imaginativas, criativas, não convencionais; estão sempre bem informadas, inclusive em áreas não comuns. São persistentes, independentes, autodirecionadas (agem sem que sejam mandadas); persuasivas, capazes de influenciar os outros; mostram senso de observação seletivo e podem não tolerar tolices; estão sempre curiosas sobre o como e o porquê das coisas; têm vocabulário excepcional, são verbalmente fluentes; têm bom julgamento, são lógicas; têm múltiplos interesses, alguns deles acima da idade cronológica; mostram perspicácia e percepções incomuns; demonstram alto nível de sensibilidade e empatia com os outros; apresentam excelente senso de humor; resistem à repetição.

Segundo Joseph Renzulli (2014), um dos mais importantes teóricos no assunto, a habilidade acima da média, a criatividade e a motivação compõem a personalidade desses indivíduos. Ele aponta ainda que existem dois tipos de comportamento de superdotados: os acadêmicos e os criativos-produtivos. Os primeiros são mais facilmente identificáveis pelos testes de QI (quociente de inteligência) e destacam-se nas escolas. Já o segundo tipo é composto daqueles com grandes capacidades de desenvolver pensamentos e soluções para a vida social; estes costumam ser menos sobressalentes no ambiente escolar.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 3,5% a 5% da população possui essa capacidade. No entanto, de acordo com os resultados apresentados pelo Censo Escolar de 2021, apenas 23.506 estudantes com tais características encontram-se regularmente cadastrados no ensino regular (Inep, 2023). Nota-se uma baixa identificação dessas ocorrências, bem como a necessidade premente de discutir o assunto, para que seja possível retirar esses estudantes da invisibilidade e atender às suas demandas. 

Como é feita a identificação

A identificação das pessoas com AH/SD é de extrema relevância, pois permite atendê-las em suas necessidades e capacidades. Segundo Rondini; Reis (2021), a avaliação para AH/SD parte de observações do comportamento feitas por uma equipe habilitada na área da psicologia e da psicopedagogia. Nesse processo investigativo, devem participar professores, familiares e profissionais especializados buscando avaliar quantitativa e qualitativamente as capacidades desses estudantes. Neuropsicólogos podem contribuir com a aplicação de testes padronizados, para uma verificação da capacidade cognitiva do aluno. Vale lembrar que os testes psicométricos (testes de QI) avaliam os aspectos lógico-matemático e a linguagem; sendo assim, indivíduos que apresentem comportamentos de superdotação em outras áreas não terão pontuação superior nesses testes. Para que se complete essa identificação, faz-se necessária a avaliação psicopedagógica por área, com profissionais especializados, e que seja possível confirmar as capacidades acima da média. O processo avaliativo busca observar habilidades nas áreas cognitivas, criativas e emocionais dos estudantes, seus estilos de aprendizagens, interesses e habilidades, considerando uma visão mais ampla e holística da criança. 

Os pais e as famílias representam uma relevante participação no processo de avaliação para a superdotação, pois irão compor a rede de busca de informações por meio de seus relatos de todo o desenvolvimento da criança nos aspectos cognitivos, sociais, afetivos e motores. 

Nesse sentido, a equipe pedagógica é fundamental no processo de investigação. A escola deve contribuir compartilhando informações sobre o desenvolvimento pedagógico em sala de aula, a socialização e os comportamentos manifestados no dia a dia, bem como suas capacidades e dificuldades. É possível utilizar no contexto escolar instrumentos para a sondagem de altas habilidades, que podem ser aplicados pelo próprio professor, de forma coletiva ou individual, e, identificados comportamentos acima da média, poderão ser direcionados às avaliações mais específicas. 

Esse processo avaliativo pode ser feito, de forma particularizada, pela família, buscando profissionais capazes de coletar informações e confirmar ou refutar as altas habilidades. Outra sugestão para o acesso às avaliações é procurar o setor público, ou seja, o encaminhamento para os Núcleos de Altas Habilidades/Superdotação implementados em todo território nacional (naahs). 

Criados em 2005 através de política pública por meio da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, os naahs objetivam apoiar os sistemas de ensino, promover de forma gratuita a identificação, o atendimento e o desenvolvimento dos alunos com altas habilidades/superdotação das escolas públicas de educação básica, possibilitando sua inserção efetiva no ensino regular e disseminando conhecimentos sobre o tema nos sistemas educacionais, nas comunidades escolares, nas famílias em todos os Estados e no Distrito Federal (brasil, 2005).

Como atender estudantes com AH/SD no contexto escolar

Sabe-se que, no contexto escolar, cada estudante deve ser atendido de maneira singular e em concordância com as suas necessidades. Pensando na criança com AH/SD, vale lembrar que ela é público-alvo da educação especial, portanto deve usufruir de alguns direitos garantidos pela legislação que orienta o sistema educacional. As principais estratégias de atendimento baseiam-se nos agrupamentos, na aceleração de série e no enriquecimento intra e extracurricular. 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96) amplia as práticas inclusivas para os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, com ênfase ao atendimento especializado na escola regular. Ela assegura ao estudante superdotado a adaptação de métodos e currículos adaptados, professores capacitados para o atendimento desse público, bem como a aceleração de série.

Visando garantir o atendimento a esses estudantes, podem-se destacar as Diretrizes Nacionais de Educação Especial (2001), que buscam ofertar a suplementação pedagógica como forma de enriquecimento curricular e aceleração de série. As diretrizes sugerem a inclusão no histórico escolar desses estudantes, as especificações de suas habilidades e a busca por parcerias com instituições de ensino superior para o atendimento pedagógico. 

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) assegura o atendimento educacional especializado, ofertado tanto nas salas de aulas regulares como nas salas de recursos. O atendimento deve ser ofertado no contraturno em que o estudante está matriculado e articulado com as salas de aula regulares.

No que concerne à estratégia de atendimento em agrupamentos, que podem ocorrer em salas de recursos ou centros de atendimento, deve-se garantir aos alunos atendimentos em grupo e/ou individualizado, oportunizando o desenvolvimento de projetos em sua área de interesse e permitindo a troca de ideias e interação entre os pares. Mesmo sendo atendidos nos agrupamentos, cada estudante deverá ter o seu Plano Educacional Individualizado (PEI/PDI) elaborado pela equipe pedagógica, a fim de orientar o trabalho desenvolvido e possibilitar o desenvolvimento de suas capacidades e necessidades. 

É, portanto, perceptível a relevância na elaboração de um plano de orientação ao trabalho pedagógico com os estudantes superdotados. No entanto, o PEI deve conter algumas informações imprescindíveis para a sua aplicabilidade. Inicialmente, devem-se registrar as informações de identificação do estudante (nome, idade, curso/modalidade, condição de público-alvo da educação especial, entre outros); após essa identificação, é necessário o relatório circunstanciado, contendo o registro de todas as informações levantadas sobre o estudante, tendo como fonte a família, os terapeutas e os professores anteriores. O objetivo desse relatório é contar a história de vida e o percurso escolar até o momento da investigação. Em seguida, deve-se apresentar as necessidades, capacidades e potencialidades do aluno e levantar os conhecimentos adquiridos e os que poderão ser trabalhados. Após essa etapa, é possível traçar os objetivos que deverão ser alcançados pelo estudante e a meta para esse alcance. Outro aspecto relevante é a indicação da metodologia, das estratégias e dos recursos para o alcance dos objetivos. Enfim, a avaliação e revisão do plano educacional não devem ser ignoradas, uma vez que deverão ser compreendidas como avaliação de processo, e não de desempenho, indicando possíveis ajustes e adequações ao longo do trabalho. 

No tocante à aceleração de série, ela está prevista pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e algumas resoluções específicas municipais e estaduais, as quais permitem que o aluno cumpra o programa escolar em menor tempo, o que pode ocorrer por admissão precoce na escola, pela dispensa de cursos, ou pelo encurtamento do tempo previsto em seus estudos. Essa estratégia de atendimento permite ao estudante cumprir o programa escolar em menor tempo ou até saltar séries, mantendo seu ritmo e sua motivação pela aprendizagem. Muitos estudantes são beneficiados pela aceleração, no entanto, é necessária uma boa avaliação da equipe pedagógica, para verificar se o estudante domina conteúdos avançados, e uma avaliação psicológica, para analisar os aspectos sociais e emocionais da criança. 

Sobre o enriquecimento curricular Virgolin (2019) ressalta que essa estratégia contribui para um ensino mais flexível e adequado às necessidades dos estudantes, permite compactar e eliminar os conteúdos curriculares já assimilados e aprofundar e/ou avançar em outros conteúdos mais dinâmicos e desafiadores. Vale mencionar que o enriquecimento promove a participação ativa da criança, possibilitando o protagonismo na construção do conhecimento. 

Joseph Renzulli (2014) explicita que os alunos superdotados devem ser encorajados a participar de atividades investigativas, as quais resultarão no desenvolvimento de um produto criativo. Baseado nisso, o autor propõe o Modelo Triádico de Enriquecimento, que consiste em um planejamento de ação dividido em três tipos de enriquecimento: Tipo I, Tipo II, Tipo III, podendo ser aplicados na sala regular e em atendimentos especializados. 

As atividades do Tipo I consistem em atividades variadas, interessantes e instigadoras, que buscam possibilitar aos alunos experiências incomuns ao currículo regular da escola para enriquecer a aprendizagem por meio de diversas vivências, podendo provocar o interesse de aprofundamento de um tópico, desenvolvimento de projetos e produções criativas, apoiados por meio de disciplinas, temas, ocupações, hobbies, pessoas, lugares e eventos. Esse primeiro tipo de atividade permite a todos os alunos participarem de ações de aquisição curricular em concordância com seus interesses reais. Por fim, pode também captar e inspirar novos interesses dos alunos em temas e atividades mais criativas e produtivas. Alguns exemplos de atividades de Enriquecimento do Tipo I são as oficinas diversas, escrita criativa, origâmi, técnicas de desenho, robótica, bate-papo com profissionais — botânicos, astrônomos, escritores —, excursões, passeios, visitas guiadas, exploração de laboratórios, museus e feiras e acesso às novas tecnologias. 

Já o Enriquecimento do Tipo II envolve o treinamento, tanto individual quanto em grupo, preparando o estudante para produzir produtos concretos e/ou gerando soluções para problemas do mundo real por meio do desenvolvimento de habilidades e coleta de informações. Nessas atividades, os estudantes são incentivados a sair da inspiração e buscar soluções. São trabalhados métodos, técnicas, instruções, oficinas cujo objetivo é aprender a fazer.

No Enriquecimento do Tipo III são propostas atividades especialmente aos estudantes que demonstram um nível alto e incomum de interesse por uma área e que seja identificado pela superdotação. Essas atividades têm como objetivo levar o estudante a adquirir entendimento mais avançado do conhecimento e da metodologia usados em disciplinas particulares, que proporcionam ao aluno desenvolver produtos e serviços autênticos, buscando alcançar o ponto desejado; com isso, aprimoram habilidades de aprendizagem autodirigidas de planejamento, foco no problema, administração e cooperação, tomada de decisão e autoavaliação, o que repercute no desenvolvimento pessoal, social e afetivo dos estudantes. 

Finalmente, é notório o fato de que a educação inclusiva é o caminho para que toda a educação funcione efetivamente. É imprescindível, nessa perspectiva, que a equipe escolar se comprometa com a responsabilidade de promover o desenvolvimento de todos os estudantes, independentemente de suas características, necessidades e potencialidades. Ela deve acolher as diferenças e atender às particularidades de cada criança, além de criar estratégias para que não se desperdicem tantos talentos no ambiente educacional. Conforme afirmam Videira; Plotek; Goya (2021, p. 96), o sistema educacional brasileiro deve se pautar na aprendizagem, reconhecer todos os estudantes como indivíduos singulares, oferecer todos os recursos possíveis, como melhores condições de trabalho, formação continuada, material adaptado, recursos tecnológicos, entre outros, para garantir que a dificuldade de ensinar seja superada, e que a Educação Inclusiva de fato ocorra.  

Fabiane Navega 

Pedagoga há 23 anos com Habilitação em Educação Especial. Mestranda do programa de pós-graduação em Saúde e Interdisciplinaridade e Reabilitação pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Psicopedagoga clínica desde 2009. Especialista em Altas Habilidades, Superdotação e Talentos. Atuou como tutora no curso de AEE pela Unesp (Marília). Atuou como professora do Ensino Fundamental durante 22 anos. Docente do curso de Pedagogia da UNIFACP (Centro Universitário de Paulínia). Organizadora e coautora das obras: Pessoas & dEficiência: diálogos interdisciplinares inclusivos, e Inclusão: Construindo o futuro na transformação do presente. Autora de diversos capítulos e artigos referentes às Altas Habilidades e Superdotação. Membro da equipe NPAS (Núcleo Paulista de Atenção à Superdotação) como psicopedagoga. Fundadora da empresa Agevan Consultoria e Treinamento para Inclusão. 

Para saber mais

  • MEC (Brasil). Diretriz específica para o atendimento de estudantes com altas habilidades ou superdotação. Disponível em: mod.lk/ed24_ps1. Acesso em: 10 abr. 2023. 
  • MEC (Brasil). Saberes e práticas da inclusão: Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação, 2006. Disponível em: mod.lk/ed24_ps2. Acesso em: 10 abr. 2023. 
  • CUPERTINO, C. M. B.; ARANTES, D. R. B. A. (Orgs.). Um olhar para as altas habilidades: construindo caminhos. 2. ed., 2012. Secretaria da Educação, Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado (Cape). Disponível em: mod.lk/ed24_ps3. Acesso em: 10 abr. 2023. 
Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com