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Da reação ao amadurecimento: Educação on-line de longo prazo

Seja estratégico e intencional na transição do ensino remoto emergencial para o ensino on-line de qualidade e com potencial duradouro na aprendizagem.

Texto Carla Arena, Giselle Santos e Samara Brito

O mundo entrou em modo emergencial, sem aviso, e para a maior parte da comunidade educacional sem tempo para preparação. De repente, o ensino on-line e a relevância das tecnologias educacionais para o aprendizado tornaram-se visivelmente imprescindíveis e inadiáveis. Algo antes visto como um investimento futuro passou a ser urgente e estratégico. Escolas, professores e famílias tiveram de se adaptar à nova realidade totalmente digital, cada um buscando equacionar a dinâmica do modo on-line de ensinar, sem muito domínio ou conhecimento básico das plataformas, das ferramentas digitais, dos aplicativos, e muito menos considerando um desenho instrucional que fizesse sentido. O momento inicial da pandemia foi de correria, em que todos fizeram o que dava e como achavam que era o melhor a fazer. Nesse momento, aqui chamado de ciclo de reação à crise, em que foram impulsionadas por seu caráter emergencial, com a tomada de decisão em reação à circunstância da crise e fechamento das escolas. O modus operandi nesse ciclo reativo foi de respostas imediatas a riscos e a impactos para a comunidade educacional. Equipes pedagógicas e gestão acadêmica se mobilizaram para enfrentar a crise, usando recursos tecnológicos e humanos como podiam para mitigar a situação emergencial. Houve apenas uma mudança temporária do modo de instrução presencial para o on-line, com pouco tempo para o planejamento das práticas pedagógicas com um corpo docente que, muitas vezes, não estava preparado para a transição. O ensino no modo emergencial e reativo teve como propósito manter o acesso à educação e a conexão escolas-famílias. A mentalidade foi “disponibilize on-line do jeito que é possível”.

Em um segundo momento, iniciou-se um período de reorganização dos processos, das dinâmicas com os alunos e as famílias e com todo o corpo docente e administrativo escolar. Depois do choque inicial e das medidas emergenciais para responder à crise, as escolas entraram em uma outra etapa, aqui chamada de ciclo da reconfiguração, em que novos processos educacionais e novos modelos de gestão escolar se tornaram mais ágeis, uma comunicação mais objetiva e focada na comunidade começa a se estabelecer. Aqui, a escola e os professores já experimentaram diversos formatos e métodos no meio on-line e já entenderam o que funcionava ou não nos seus contextos. Ainda há incertezas, tentativas, ajustes, erros e acertos. A ansiedade e os desafios tanto para os pais, quanto para os alunos, professores e gestores ainda existem, mas tudo começa a se normalizar e ganhar novo ritmo.

No entanto, queremos focar aqui na terceira onda: o ciclo da renovação, em que as instituições educacionais começam a vislumbrar e a entender mais sobre o “próximo normal”, impulsionado pela pandemia da covid-19 e que precisa ser visto de forma sistêmica e estratégica. Há anos o tema transformação digital e a relevância do letramento digital de professores e alunos estão em pauta, mas, para a grande maioria, eram vistos apenas como tangencial ao aprendizado e não com um papel premente de desenvolvimento de competências e habilidades essenciais para o mundo em que vivemos. A maioria dos programas de formação de professores para o desenvolvimento das competências digitais era composto de palestras sobre o tema ou capacitações práticas de algumas poucas horas durante a semana pedagógica das instituições educacionais. O fechamento das escolas reorganizou as prioridades e, nesse novo ciclo de realinhamentos, o ensino on-line certamente terá lugar de destaque nas decisões estratégias das instituições.

Apesar de estar surgindo esse “próximo normal” em que pensamos, analisamos e queremos implementar novas práticas pedagógicas que contemplem o digital como parte da rotina escolar e com impacto real no aprendizado, não podemos nos iludir. O discurso atual é de que nunca mais as coisas serão como eram. Na prática, não é bem assim. Tendemos, na maioria das vezes, a voltar à rotina e às formas de fazer que conhecemos. Esse “próximo normal” só irá se concretizar se houver estratégia, formação, colaboração para novas soluções e uma equipe alinhada para implementar as ações acordadas. Então, o que realmente devemos considerar se quisermos nos direcionar para este ciclo de reconfiguração e uma nova cultura organizacional que promovam o ensino on-line em suas diversas formas como oportunidades para o aprendizado conectado e aprofundado? Levantamos para você alguns dos principais pontos que acreditamos ser essenciais para reflexão e, principalmente, para a ação neste momento na forma de um pequeno manifesto.

1 – SAIA DO MODO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL PARA O MODO ENSINO
ON-LINE

Durante a crise, vimos uma avalanche de dúvidas e incertezas sobre como trabalhar um conteúdo preparado para uma aula presencial em ambientes virtuais. Era o que poderia ser feito no momento, mas, na verdade, ensino on-line exige planejamento, tempo, investimento e uma equipe multidisciplinar, com a inclusão de designers instrucionais especialistas em meios digitais, para que se construa uma trilha de aprendizagem engajadora, dinâmica e desafiadora que promova a aprendizagem significativa. Para isso, não estamos falando de uma mera transposição de conteúdo do presencial para o on-line. Em um artigo da Educause sobre a diferença de ensino remoto emergencial e ensino on-line, os autores nos lembram de um resumo das pesquisas sobre a efetividade do ensino on-line, compilado no livro Learning On-line: What Research Tells Us about Whether, When and How, em que se identificam nove dimensões do ensino on-line a serem consideradas em termos de design e tomada de decisão: modalidade, ritmo, proporção aluno-facilitador, pedagogia, papel do facilitador on-line, sincronicidade da comunicação on-line, o papel das avaliações on-line e as formas de feedback. Tudo para mostrar que planejar para o ensino on-line de qualidade não é trivial; exige esforço, mobilização, estudo e tempo. No retorno às aulas presenciais, o repensar e redesenhar as experiências de aprendizagem começam pela mobilização da equipe, feedback das experiências dos professores e dos alunos e um olhar intencional para as formas de mixar on-line e presencial de modo que faça sentido dentro da proposta pedagógica da escola e considerando experiências ricas para os usuários e os limites das leis, que estão também sendo reconsideradas desde o início da pandemia.

2 – SEJA INTENCIONAL NA SUA ESTRATÉGIA

Falando em intencionalidade, os ensinos on-line e híbrido em ambientes educacionais serão sustentáveis e alavancados se fizerem parte de uma estratégia maior de transformação digital que considere os diversos stakeholders, encare o que foi iniciado no período da pandemia como uma oportunidade de mudança real por meio de investimentos e aprendizagem e desenvolvimento da equipe, investimento em infraestrutura digital e condições de trabalho para a equipe docente, e, acima de tudo, uma abertura genuína das lideranças educacionais para escutar, receber feedback e traçar um processo de tomada de decisão com visão de longo prazo e, ao mesmo tempo, com a agilidade necessária nos tempos atuais.

3 – PEDAGOGIA EM PRIMEIRO LUGAR COM UM DESENHO INSTRUCIONAL PARA
O MEIO DIGITAL

Já mencionamos a importância de uma equipe multidisciplinar pensando no desenho instrucional intencional para o ensino on-line. Essa etapa do processo é essencial porque determina as premissas pedagógicas que guiarão o programa curricular da escola e traz um alinhamento e convergência de como será a experiência digital. Desenvolve-se, então, uma visão educacional para a linha a seguir no processo de ensino-aprendizagem. Como será essa experiência on-line? Será mais direcionada ou o aluno terá uma atuação autônoma e autodirigida com pontos específicos de avaliação e feedback? Será um programa com um viés mais construtivista com portfólios, por exemplo, em um sistema de avaliação formativa dentro de um modelo de pedagogia de projetos ou será um conteúdo mais prescritivo? Como ocorrerão as interações? Qual será o papel do professor? Como serão as avaliações? Quais plataformas e ferramentas digitais estarão disponíveis para os professores e alunos no processo?

Enfim, antes do processo de desenho instrucional para ambientes virtuais, é preciso realinhar expectativas, processos, premissas pedagógicas para que o trabalho em equipe se inicie de forma consistente e coerente com as diretrizes institucionais.

4 – FOQUE NO PROTAGONISMO DOS ALUNOS

Talvez essa seja uma das tarefas mais desafiadoras para os alunos que estão acostumados a receber conteúdo em vez de criá-los, mas essa é uma oportunidade única para alinharmos as práticas pedagógicas além do currículo em vigor, focando no desenvolvimento de competências e habilidades para a vida. Como Tony Wagner, autor de vários livros de liderança e o papel das escolas, nos lembra em seu livro The Global Achievement Gap, as principais competências de sobrevivência que os jovens do século XXI precisam desenvolver para se tornarem profissionais bem-sucedidos e cidadãos atuantes são raciocínio crítico e resolução de problemas, colaboração nas redes e liderança por influência, agilidade e adaptabilidade, iniciativa e empreendedorismo, comunicação oral e escrita eficientes, acesso e análise da informação, curiosidade e imaginação. É nesse sentido que falamos aqui em protagonismo.

Em uma postagem em seu blog do Proflab, a educadora Karla Vidal afirma que as plataformas digitais são o nosso menor problema. De fato, há várias opções no mercado. O nosso olhar tem de se voltar ao papel do professor, sobre como ele pode incentivar o protagonismo do aluno, a autonomia, a criatividade e uma atenção especial para os interesses e necessidades deles. Sim, sabemos da demanda curricular por um conteúdo que, muitas vezes, foge ao mundo em que os alunos vivem, e eles acabam sentindo a desconexão entre o que aprendem e o que têm interesse em aprender. No entanto, há caminhos.

É exatamente isso que Karla Vidal mostra em seu post ao contar a história de como as propostas pedagógicas do professor Allisson Santos com conteúdo dentro da proposta curricular da escola, mas com uma proposta de produção dos alunos para tornarem seu aprendizado visível, encorajou a criação da aluna Grazi Vasconcelos, de 13 anos. A aluna fez uma releitura da obra Abaporu (Tarsila do Amaral), incluindo vários elementos e referências, até mesmo de outros movimentos artísticos estudados. Não subestimemos nossos alunos. Eles precisam de estímulo à autonomia e à criatividade para encontrarem seu lugar de fala. Isso requer envolvimento constante e a identificação dos talentos, saberes e inclinações dos alunos. Ao criarmos ambientes seguros de aprendizagem, estamos estimulando a abertura a novos cenários, as fluências criativas e o pensamento crítico. E, para isso, precisamos encontrar formas dentro do desenho instrucional nas sequências pedagógicas on-line que trabalhem na personalização e diferenciação da aprendizagem, dando caminhos aos alunos, escolhas na forma como aprendem e apreendem o mundo que os cerca.

O digital nos oferece a oportunidade única de potencializar as experiências de aprendizagem que vão muito além da reprodução de conteúdo por meio da multimodalidade no ensino e na forma como o aluno tangibiliza o que aprendeu. Pode ser em texto, áudio, vídeo ou um remix de mídias. E, claro, remixando essas práticas digitais com o que já fazemos bem no mundo analógico e off-line. Está aí a chance de colocar o aluno como protagonista de seu processo de aprendizagem.

5 – INVISTA EM UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO DOCENTE CONTINUADA

O período de pandemia nos mostra a fragilidade da formação docente para o ensino em ambientes digitais de aprendizagem. Cada vez mais sabemos sobre como aprendemos, embasados na aproximação da neurociência com a educação. Teorias de aprendizagem como o Conectivismo de George Siemens e Stephen Downes (Siemens & Downes, 2009) que têm debatido o potencial digital para a aprendizagem com seus nós das redes de conexão distribuídas on-line e modelos de integração de tecnologias nas práticas pedagógicas como o SAMR (substituição, aumento, modificação e redefinição) de Puentedura (2006) nos dão várias pistas de como repensar a pedagogia para ambientes digitais. Para que tudo faça sentido, os educadores devem vivenciar na prática o que significa estar, conhecer, aprender e produzir em ambientes digitais.

Para evoluir genuinamente em suas propostas digitais, as escolas terão de investir em programas de capacitação robustos, consistentes e de longo prazo para o letramento digital de sua equipe para que todos se sintam confortáveis e prontos para atuar em meios on-line. O que a pandemia nos mostrou foi um despreparo das equipes docentes e gestores educacionais que acabaram por impactar na visão dos profissionais sobre a qualidade e eficiência do ensino on-line. Vale ressaltar que no ciclo de reação, o que foi feito não foi ensino on-line, e sim processos de remediação e paliativos de transposição do conteúdo presencial em um modo de contingência em resposta à crise sem que as equipes estivessem capacitadas para enfrentar os desafios e sem entender o funcionamento do meio on-line para a aprendizagem em suas várias dimensões.


A formação docente para o desenvolvimento do letramento digital exige investimento, tempo e planejamento com acompanhamento dos resultados em termos de aplicabilidade e impacto na aprendizagem. Tarefa nada fácil, com resultados duradouros quando um programa de capacitação é implementado.

Outro aspecto na formação docente a ser estimulado é a busca por um senso de coletividade nas formações para que se criem comunidades de aprendizagem docente em que os professores se sintam apoiados, ouvidos e com a disposição para inovar em suas práticas pedagógicas. É criar um círculo de confiança, um ambiente psicologicamente seguro, para que o professor evolua profissionalmente sabendo que ele vai errar e acertar, mas que com o apoio da instituição ele tem liberdade criativa e de reestruturação de caminhos. Lembre-se de que no mundo digital conexões humanas são tudo, tanto para os professores que se desenvolvem profissionalmente como para seus alunos que vivenciam as experiências de aprendizagem. Precisamos, neste momento, que todos desenvolvam a sua cidadania digital. Plataformas, aplicativos e ferramentas digitais são transitórios, o humano sempre será presente e permanente.

Um novo ciclo do amadurecimento
e do reconhecimento

O momento educacional demanda uma abordagem antropológica para uma avaliação mais informada dos possíveis novos cenários do ensino e aprendizagem on-line. Será muito saudável revisitarmos o passado e os diversos cenários, padrões e momentos da educação para identificar, priorizar e projetar uma arquitetura instrucional mais humana, abrangente, colaborativa, inovadora e coletiva.

Enquanto o mundo se volta à educação e a educadores em busca de soluções aplicáveis em contextos tão plurais, é importante constituirmos um quarto ciclo, e quem sabe torná-lo parte integrante de todas as iniciativas em resposta a um “próximo normal”: o ciclo do reconhecimento. Para que este manifesto seja duradouro e holista, é fundamental que sejamos capazes de reconhecer as necessidades, aspirações e potencial da nossa comunidade escolar. O nosso papel é, sobretudo, dar às pessoas a sensação de confiança e a visão para o futuro. Reconheça para acolher, e a longevidade e a validade do aprender on-line no futuro serão a resposta das relações e identidades construídas hoje.

O momento educacional demanda uma abordagem antropológica para uma avaliação mais informada dos possíveis novos cenários do ensino e aprendizagem on-line. Será muito saudável revisitarmos o passado e os diversos cenários, padrões e momentos da educação para identificar, priorizar e projetar uma arquitetura instrucional mais humana, abrangente, colaborativa, inovadora e coletiva.

Enquanto o mundo se volta à educação e a educadores em busca de soluções aplicáveis em contextos tão plurais, é importante constituirmos um quarto ciclo, e quem sabe torná-lo parte integrante de todas as iniciativas em resposta a um “próximo normal”: o ciclo do reconhecimento. Para que este manifesto seja duradouro e holista, é fundamental que sejamos capazes de reconhecer as necessidades, aspirações e potencial da nossa comunidade escolar. O nosso papel é, sobretudo, dar às pessoas a sensação de confiança e a visão para o futuro. Reconheça para acolher, e a longevidade e a validade do aprender on-line no futuro serão a resposta das relações e identidades construídas hoje.

Carla Arena e Samara Brito
educadoras e cofundadoras do Amplifica, empresa focada em criação de experiências de aprendizagem para educadores, líderes educacionais e corporativos. Educadoras Inovadoras certificadas pelo Google. Atuam na formação de profissionais para desenvolverem fluência digital e um mindset para a inovação. Carla e Samara têm projetos com o Google, Nova Escola, Fundação Lemann, Oi Futuro, Telefônica Vivo, makerspaces, editoras e universidades. Samara é professora e mestre pela UnB no ensino de Física. Carla é formada em Relações Internacionais, com especialização em ensino on-line e Inovação em Tecnologias Educacionais. Carla e Samara blogam no http://amplifica.me/blog e são ativas no Twitter como @carlaarena e @samarameira.

Giselle Santos
Google Innovator, consultora de Inovação e fundadora da human:ia, startup fundamentada na intenção de criar, através da Educação, acessos descomplicados para o entendimento e uso combinado das inteligências artificiais e humanas. Giselle Santos é geek assumida, curiosa por natureza e investigadora de temas como futurismo, gamificação, tecnologias disruptivas e aplicação de realidade virtual e aumentada na aprendizagem. Diariamente, ela troca dicas de Educação e práticas inovadoras através do seu perfil no twitter, @feedtheteacher. Em suas horas vagas, liberta brinquedos e hackeia a vida.

PARA SABER MAIS

  • HODGES,C.; MOORE, S.; LOCKEE, B.; TRUST, T.; BOND, A. The Difference Between Emergency Remote Teaching and Online Learning. Publicado em: 27 mar. 2020. Disponível em: bit.ly/artigoeducause. Acesso em: 10 jul. 2020.
  • MEANS, B.; BAKIA, M.; MURPHY, R. Learning On-line: What Research Tells Us about Whether, When and How. Londres: Routledge, 2014.
  • VIDAL, K. A hora e a vez do protagonismo nas experiências de aprendizagem. Publicado no blog ProfLab. Disponível em: www.souproflab.com.br/releitura-abaporu. Acesso em: 10 jul. 2020.
  • WAGNER, T. The Global Achievement Gap. Nova York: Basic Books, 2010.
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