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Raciocínio lógico: um aprendizado fundamental

O poder da matemática está justamente em sua universalidade. É uma linguagem que atravessa fronteiras e culturas.

Texto: Reinaldo Resende 

A matemática, muitas vezes ensinada como uma ferramenta para realizar cálculos e resolver problemas numéricos, é, na verdade, muito mais do que isso. Aprender a manipular números e quantidades que aparecem naturalmente em nosso dia a dia é, sem dúvida, de extrema importância. A matemática nos fornece os meios para realizar essas tarefas de maneira eficiente. Contudo existe um outro aspecto da matemática, frequentemente negligenciado, mas igualmente crucial em nosso cotidiano: o raciocínio lógico.

O raciocínio lógico na matemática é fundamental, pois nos ensina a resolver problemas de maneira estruturada e objetiva. Ao lidar com números, fórmulas e conceitos abstratos, aprendemos a seguir uma sequência de passos lógicos, identificar padrões e aplicar regras de forma consistente. Isso fortalece nossa capacidade de pensar criticamente, analisar situações com clareza e tomar decisões bem fundamentadas. Entretanto, essa aplicação do raciocínio lógico vai muito além dos números.

Por exemplo, imagine uma turma de amigos em um grupo de WhatsApp que combina o seguinte: “Se fizer sol e todos os amigos confirmarem presença, o churrasco acontece”. Agora, suponha que apenas um amigo não tenha confirmado presença, mas o dia está lindamente ensolarado. O churrasco ainda acontecerá? Vamos analisar algumas respostas intuitivas para esse problema:

  1. O churrasco não pode acontecer se o combinado for seguido à risca, pois a negação matemática da palavra “e” se torna: “Se não fizer sol ou um amigo não confirmar presença, o churrasco não acontecerá”.
  2. O churrasco vai acontecer de toda forma, já que o dia está lindamente ensolarado.

No sentido lógico-matemático, ambos os raciocínios são incorretos. Isso ocorre porque a sentença original nos dá condições específicas para que o churrasco aconteça. Se uma dessas condições não for satisfeita, não podemos concluir nada com base no que foi dito. Portanto, os amigos precisam tomar uma nova decisão, e esta não vai violar o combinado.

Embora esse exemplo possa parecer bobinho, situações análogas em contextos mais críticos podem fazer uma grande diferença. Vamos considerar o seguinte exemplo no ambiente empresarial:

Frase a: “A empresa decide que o produto só será lançado se os custos de produção forem 15% abaixo dos últimos três meses e o mercado estiver favorável”.

Numa linguagem lógica, só há uma situação em que o produto será lançado: se ambas as condições acontecerem simultaneamente – os custos de produção estiverem baixos e o mercado for favorável. Agora, suponha que os custos estejam dentro do padrão dos últimos três meses e o mercado esteja no melhor momento histórico já registrado. Analisemos o seguinte cenário:

  1. O funcionário X, em um nível mais baixo na hierarquia, segue estritamente a frase a e decide não lançar o produto, já que a condição de os custos estarem 15% abaixo não foi atendida.
  2. O funcionário Y, de hierarquia superior, descobre que o produto não foi lançado e, acreditando que perderam uma oportunidade valiosa devido ao mercado extremamente favorável, decide demitir o funcionário X.

Um grande problema foi gerado: um conflito interpessoal, em que opiniões e um possível jogo de poder se sobressaem. A demissão do funcionário X foi injusta, pois ele seguiu as instruções corretamente. No entanto, em muitos casos, o poder hierárquico prevalece, independentemente de quem esteja certo ou errado.

Se o conhecimento lógico-matemático fosse amplamente compreendido e utilizado, muitas interpretações erradas poderiam ser evitadas, reduzindo conflitos e injustiças. Em situações de poder, em que o certo e o errado podem ser ofuscados por interesses pessoais, uma linguagem lógica mais rigorosa traria clareza e objetividade.

Embora as ciências humanas, como a história e a filosofia, também exijam raciocínio e análise, elas frequentemente lidam com questões mais subjetivas. Isso gera uma diferença significativa. No campo das ciências humanas, múltiplas interpretações podem coexistir, e cada uma tem sua importância. O pensamento subjetivo permite que diferentes perspectivas sejam consideradas e compreendidas, enriquecendo o debate e possibilitando uma visão mais holística da realidade. 

Na matemática, no entanto, a busca por soluções exatas e a prova de teoremas exigem uma abordagem mais rígida e direta. Essa distinção faz com que a matemática seja essencial para a formação de um pensamento mais objetivo e estruturado, complementando o olhar mais interpretativo e crítico das ciências humanas.

Por mais que o raciocínio lógico-matemático seja uma ferramenta poderosa para resolver problemas cotidianos de forma direta e simples, o pensamento subjetivo é parte fundamental da natureza humana e desempenha um papel crucial na evolução sociológica. Ambas as áreas, embora diferentes, são igualmente importantes, pois desenvolvem habilidades complementares. Elas nos ajudam a entender e interagir com o mundo de maneira mais completa, aproveitando o que cada uma oferece de melhor.

Contudo, o raciocínio subjetivo das ciências humanas está muito mais implicitamente enraizado em nossa sociedade, enquanto o pensamento lógico-matemático não é tão difundido da mesma forma. 

Deduções rigorosas

A abordagem lógica, que envolve deduções rigorosas e o uso de regras formais, muitas vezes não é apresentada de maneira acessível nas escolas e nas faculdades. Apenas em cursos específicos de matemática é que os alunos têm contato mais profundo com essa teoria. Esse talvez seja um grande problema no ensino da matemática, que, além de não explorar todo o seu potencial, acaba desmotivando muitos estudantes.

O ensino da matemática nas escolas muitas vezes se concentra exclusivamente em cálculos e fórmulas, o que pode passar a impressão de que a disciplina é puramente mecânica e voltada para tarefas que, atualmente, podem ser executadas com mais rapidez e precisão por computadores e calculadoras. 

Com o avanço da tecnologia, realizar operações aritméticas simples, como somas, subtrações e multiplicações, é algo que dispositivos fazem de forma muito mais eficiente que nós, seres humanos. No entanto, a verdadeira força da matemática não reside apenas na execução de “contas”, mas sim no desenvolvimento do raciocínio lógico, que é essencial para a resolução de problemas complexos, a análise de situações e a tomada de decisões bem fundamentadas.

Se o foco fosse ampliado para incluir mais o aspecto lógico e abstrato da matemática, os alunos poderiam perceber que a disciplina vai muito além dos números e se aplica a diversas áreas da vida cotidiana. Ao não priorizar essa abordagem, o sistema educacional priva os alunos de uma ferramenta poderosa para entender o mundo de maneira mais crítica e estruturada. Muitos acabam desistindo da matemática porque a veem como algo distante de suas realidades, associada apenas a números e cálculos, sem entender que o raciocínio lógico é aplicável em áreas como estratégia, planejamento e análise em qualquer contexto, seja pessoal, seja profissional.

Dessa forma, reestruturar o ensino da matemática para dar mais ênfase à lógica e à argumentação pode transformar a percepção que temos dessa disciplina. Assim como o raciocínio subjetivo das ciências humanas molda a maneira como entendemos e interagimos com as complexidades da sociedade, o raciocínio lógico-matemático pode trazer clareza e objetividade a muitas situações cotidianas e profissionais. Acredito que essa mudança tornaria a matemática mais atraente e acessível, despertando o interesse de mais pessoas.

Dito isso, o que faz da matemática tão fascinante é o fato de que ela está presente em todos os aspectos da nossa vida. Dos exemplos citados acima, baseados no pensamento lógico-matemático, às tecnologias que usamos diariamente e às soluções para problemas complexos na engenharia, na biologia e na economia. 

O poder da matemática está justamente em sua universalidade. É uma linguagem que atravessa fronteiras e culturas. Ao ensinar matemática, não estamos apenas formando futuros matemáticos, engenheiros ou cientistas em geral. Estamos formando cidadãos mais preparados para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, pessoas que pensam de maneira crítica e estruturada, capazes de resolver problemas de forma criativa e eficiente.

A matemática é a base para o avanço tecnológico, e, portanto, para o posicionamento estratégico do Brasil como potência científica e tecnológica mundial. Esses objetivos, obviamente, são estabelecidos com a formação de cientistas de alto nível. Contudo, em um nível mais profundo, isso nunca será possível se, no ensino básico fundamental, os alunos já perderem o interesse por essa linda disciplina. Isso faz com que o investimento em educação matemática em todos os níveis seja, sem dúvida, um dos pilares para o desenvolvimento do país. É crucial despertar nos alunos esse olhar curioso, essa capacidade de enxergar beleza nas regularidades e nos padrões da natureza, de se surpreender com as descobertas que os números nos proporcionam e, assim, cultivar um carinho pela matemática.

Por mais desafiadora que seja, a matemática é uma aventura intelectual fascinante. Cada problema que enfrentamos na matemática é uma oportunidade para inovar, para encontrar novas maneiras de pensar, para desenvolver uma resiliência que, ao final, transforma qualquer dificuldade em aprendizado. Desvendar a beleza da matemática é um caminho que não tem volta: uma vez que enxergamos o mundo por essa ótica, ele nunca mais parece o mesmo. 

Um exemplo claro disso é quando aprendemos sobre as progressões geométricas e começamos a enxergar suas aplicações no dia a dia. Imagine observar as pétalas de uma flor ou a disposição das folhas em uma árvore: essa estrutura segue uma sequência matemática precisa, conhecida como a sequência de Fibonacci, que maximiza a exposição à luz do sol e a eficiência na captação de nutrientes. 

A partir do momento em que entendemos como essas leis matemáticas moldam a natureza, passamos a enxergar o mundo de forma completamente diferente. O que antes parecia ser apenas uma bela paisagem natural agora revela uma complexa e elegante organização matemática. E essa nova forma de ver as coisas desperta em nós um fascínio e uma curiosidade que só crescem com o tempo.

Isso, para mim, é uma das principais razões pelas quais a matemática é apaixonante. E é essa paixão que precisa ser compartilhada com os alunos por meio de exemplos práticos, aplicações no dia a dia e técnicas que eles consigam ver utilidade desde o início, pois a matemática pode ser a chave para abrir portas que, antes, pareciam fechadas.

Assim, convido a todos, independentemente da área em que atuem, a enxergar a matemática não apenas como um conteúdo curricular, mas como uma ferramenta poderosa para moldar o pensamento, estimular a curiosidade e transformar desafios em oportunidades. Afinal, o futuro do Brasil depende, em grande parte, da nossa capacidade de formar mentes criativas, inovadoras e, acima de tudo, apaixonadas por aprender. 

Reinaldo Resende: uma jornada de aprendizado

A jornada na matemática de Reinaldo Resende de Oliveira, 28 anos, começou no último ano do Ensino Médio, cursado em escolas públicas da região do Capão Redondo, quando estudou para os vestibulares. Após um ano de cursinho – o Cursinho da Poli, em 2013 –, com o incentivo dos professores Eduardo e Thais, o pesquisador desenvolveu sua curiosidade pela teoria da matemática, sendo aprovado no curso de Bacharelado em Matemática no IME-USP, em 2014.

“Nas primeiras disciplinas, percebi tanto a dificuldade quanto a beleza do raciocínio matemático, o que despertou em mim uma vontade enorme de me aprofundar em seu entendimento, suas aplicações e sua utilidade”, conta Resende. 

Durante a graduação, ele percebeu sua motivação pela pesquisa. Concluiu a graduação após três anos e meio, em 2017, e logo em seguida começou o mestrado no Instituto de Matemática da Universidade de São Paulo (IME-USP), sob a orientação do professor Gláucio Terra. Após dois anos, em 2019, finalizou o mestrado e iniciou o doutorado no IME-USP, orientado por Stefano Nardulli, da Universidade Federal do ABC, com coorientação de Camillo De Lellis, da importante Universidade de Princeton (EUA). 

Desde o início, o doutorado foi dinâmico e produtivo: publicou cinco artigos, além de ter realizado visitas às universidades de Toronto e de Princeton, experiências que ampliaram sua visão sobre pesquisa científica.  “Essas oportunidades foram cruciais na minha carreira, pois abriram portas para opções de pós-doutorado no exterior. Após quatro anos, em 2023, obtive o título de doutor em Matemática e recebi, entre outras, a proposta de pós-doutoramento na Universidade de Carnegie Mellon, onde estou até hoje”, lembra.

Resende recebe recompensas importantes por sua dedicação à matemática. Recentemente, o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em São Carlos, e a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) conferiram à tese de doutoramento de Resende o Prêmio Professor Carlos Teobaldo Gutierrez Vidalon. Esse prêmio é atribuído anualmente à melhor tese de doutorado em Matemática, no Brasil.

A pesquisa de Resende, no campo da Teoria Geométrica da Medida, trouxe caminhos para entender formas mínimas, vistas no mundo físico como aglomerados de bolhas de sabão, buracos negros e crescimento de cristais. 

Essas formas, segundo entrevista dada por Resende ao Jornal da USP, exibem comportamentos em certos pontos chamados, na matemática, de pontos singulares. “Por exemplo, quando sopramos bolhas de sabão e vemos dois pedaços de esferas se unindo em um círculo, esse círculo seria o conjunto singular”, descreve. “Com esse leque de novas informações, teorias matemáticas (e físicas) clássicas podem ser aplicadas para derivar novas propriedades dessas formas mínimas, como classificá-las completamente, usar abordagens numéricas para aplicação em problemas práticos etc.”, conclui.

Reinaldo Resende é doutor, mestre e bacharel em Matemática pelo IME-USP (Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo). Atualmente está cursando pós-doutorado na Universidade Carnegie Mellon (EUA). Recebeu o Prêmio Professor Carlos Teobaldo Gutierrez Vidalon 2024, com a tese Alguns resultados de regularidade em teoria geométrica da medida, que desenvolveu no Programa de Pós-Graduação em Matemática do Instituto de Matemática e Estatística da USP.
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