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O planejamento para ver o todo

Um novo espaço de encontros e diálogos, de produção de pensamento e seleção de experiências capazes de dar consistência e assegurar o desenvolvimento das aprendizagens essenciais para um novo tempo.

texto  Leonardo Rabelo

A escola, em poucos dias, seguiu sem muros, paredes e práticas pedagógicas sustentadas pela tradição e pela experiência. Ocupou um novo lugar, implantou um novo modelo (experimental e de incremento), que seria provisório apenas por alguns dias, mas que durou semanas, meses e anos.  

Os dois últimos anos geraram uma tensão entre o universo das paredes e das redes, que, hoje, depois de alguns meses de 100% de retorno ao modelo presencial, potencializa e demanda novos entendimentos, sondagens com dados, transparência nas escolhas e fluidez na execução da interminável busca de fazer e ser uma escola mais compatível com o espaço e o tempo da aprendizagem dos alunos.  

Como em toda e qualquer construção e estrutura de prédio, quaisquer casas e estabelecimentos, uma característica fundamental das escolas é que elas têm paredes com portas que se abrem e fecham conforme os tempos e os espaços são programados. No caso das escolas, salas de aula que estão não só delimitadas por paredes, mas também com portas que se abrem e fecham em momentos específicos. Paredes estas fundamentais para separar, recortar o espaço, limitar interações externas e internas, proteger e definir limites temporais. Assim como os cinemas, os espaços de conferências e os consultórios, as escolas foram construídas pela lógica dos ambientes com paredes, que têm horário para começar e terminar. E nesse período que estamos em lugares delimitados por paredes, supostamente deveríamos estar concentrados apenas naquele tempo e naquele espaço. No entanto, isso muda completamente com a lógica das redes que promovem conexões por todos os lugares, com certos tempos de uso e espaços ilimitados, atualizações em tempo real, mobilidade, atravessamento total das paredes, velocidade e com formas mais amplas de relacionar-se com os outros e com o mundo interno e externo, um funcionamento compatível com as Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs). 

A lógica das paredes e das redes foi utilizada pela pesquisadora em educação Paula Sibilia, em 2012, para refletir com gestores e professores sobre como aproveitar os momentos das crises, em sua fala referente ao impacto do uso da tecnologia digital dentro das escolas, para gerar oportunidades de mudança.  

O que está acontecendo neste exato momento? Quais são os maiores desafios de hoje com o retorno ao presencial? O que a lógica das paredes e das redes nos provoca, quando o assunto é planejamento?  

Fazer o planejamento estratégico e um bom plano de ação para levar o que está no papel para o campo prático nunca foi uma tarefa simples. Com a expansão de formatos híbridos de aprendizagem, as novas demandas e possibilidades para os currículos, a ressignificação da relação família e escola e a adequação do negócio para a sustentabilidade da escola, com foco em processos, comunicação e formação contínuos, aumentaram exponencialmente não somente a complexidade na hora de organizar, preparar e estruturar estrategicamente o ano letivo, como também a força e o número de influências externas sobre as decisões que impactam o planejamento.  

O planejamento do ponto de vista fixo, linear e tradicional, com paredes, guiado pelo calendário letivo editável e um plano de ensino, que previa um sumário de conteúdos e carecia de poucos ajustes de um ano para o outro, não cabe mais na escola, que, mesmo voltando ao prédio com paredes, está impactada com a lógica das redes; do pensar conectado com tudo e todos; que está inventiva, com novas ideias e práticas; e que está, também, atenta para compreender e utilizar tecnologias digitais da informação e da comunicação de forma crítica e mais significativa.  

Embora o contexto seja desafiador, não deve ser paralisante. Para começar a conectar o pensamento à ação, propomos, a seguir, quatro pontos para apoiar na elaboração do planejamento do próximo ano letivo.  

1. DISCERNIR • Exercer o poder de escolher 

A primeira pergunta é: O que deveríamos estar ensinando? Tal questionamento que se repete nas mais diferentes escolas do país é extremamente importante para o momento do planejamento.  

Aparentemente, saímos da zona de total incerteza, do estarmos “perdidos” e confrontando mais informações com as quais era possível lidar, para o momento do “e agora?”, como mixar as referências dos modelos presencial e virtual na elaboração do planejamento de 2023? Por onde começar? O que priorizar? Talvez a única certeza, ao retornar as aulas para o presencial, embora não muito declarada, seja que os professores não precisam lotar os alunos de informação, pois eles já têm informação demais. Em vez disso, alunos, professores e nós, gestores, precisamos de capacidade para extrair algum sentido da informação, perceber a diferença entre o que é e o que não é, e combinar estratégias e ações diferentes para ensinar, gerando situações que ajudem crianças, adolescentes e jovens a aprender e, consequentemente, desenvolver-se.  

 Sem dúvidas, o esforço que os gestores e os professores fizeram até aqui foi fantasticamente bom e tem um impacto imenso. Aprimoraram o uso das avaliações diagnósticas, escolheram quais eram as aprendizagens inegociáveis a partir da BNCC, flexibilizaram os currículos, qualificaram aquilo que seria ofertado e selecionaram os materiais para trabalhar com replanejamento e iniciar estratégias para a recomposição das aprendizagens. Porém, como cada escola se organizou da forma que conseguiu, para responder ao questionamento sobre o que deveríamos estar ensinando, é preciso, de maneira muito simples, revisitar o uso dos recursos e dos materiais, bem como das abordagens aplicadas tanto na sala de aula quanto na prática da gestão.  

Mas como fazer na prática? Na prática, é importante não só considerar os tempos formativos existentes na escola, mas mudar o foco e a intencionalidade no momento de planejar. Gerar espaços seguros emocionalmente e um bom tempo de qualidade, com reuniões abertas ao diálogo, ferramentas digitais colaborativas para o levantamento de dados e registro das decisões; aplicar pesquisas; criar comitês de pais, dentre outros, para, por meio da colaboração, da comunicação, do pensamento crítico e da criatividade, promover o desenvolvimento de novos entendimentos sobre o que foi feito até aqui e, a partir deles, selecionar um novo conjunto de critérios, um filtro para separar oportunidades valiosas de aprendizagem de oportunidades não tão valiosas para, assim, realizar o planejamento geral.  

A revisão do uso dos materiais e das abordagens pode gerar uma parte dos insights necessários para planejar alguns objetivos educacionais, mas para dar continuidade ao processo mais complexo e profundo de mudanças de comportamento e de habilidades para o desenvolvimento pessoal — para a melhoria das relações com o outro e com o mundo — também é necessário abrir mais espaço para projetos e aulas com metodologias que proporcionem uma aprendizagem mais ativa, como a aprendizagem baseada em experiências, a aprendizagem baseada em ação e a aprendizagem cooperativa, para que alunos e professores se envolvam profundamente com questões que são importantes para suas vidas e assumam a responsabilidade pelo próprio aprendizado.  

Outro ponto importante para escolher está na organização dos tempos e dos ambientes na escola. Na mesma medida que a estranheza provocou mudanças significativas na relação com o conhecimento, as experiências passadas e o famoso “sempre fizemos assim”, aplicadas na configuração dos espaços e dos tempos nas escolas, ficaram cada vez menos confiáveis. Por isso, da mesma forma que promover a revisão dos currículos, ajustar o uso dos materiais, propor novas metodologias e criar redes de troca tornaram-se pontos cruciais no planejamento, talvez seja importante repensar a atual forma de organização do tempo em blocos, divididos apenas nas aulas de “50 minutos”, que ainda pressupõe uma sequência de aprendizagem para todos da mesma série, com a lógica de que todos precisam aprender as mesmas coisas em determinado tempo.  

Com bastante clareza das aprendizagens essenciais estruturantes comuns, que devem ser realizadas por todos, com dados das avaliações diagnósticas e um espaço de tempo maior para iniciativas inovadoras no planejamento, mesmo que de forma experimental, gradativamente, é possível romper, aos poucos, o conceito de homogeneidade que ganha força com o ambiente dividido por paredes.  

2. OLHAR • Veja o que realmente importa  

Para onde estamos olhando para antecipar a próxima mudança na escola ou nas nossas vidas? Abrindo com mais uma pergunta nada simples, somos convidados a olhar atentos para a escola e vê-la como uma organização humana. Acreditamos que agora estamos começando a repensar as nossas opiniões sobre o desenvolvimento humano de maneira mais integrada: cognitiva, emocional, espiritual e energética (mente e corpo conectados).  

O que muda com isso? Muda, pincipalmente, o aprimoramento das habilidades para a melhoria das relações com o outro e com o mundo, que coloca uma lupa em alguns princípios pedagógicos importantes que impactam diretamente não só a relação com o outro, como também a relação do outro com o conhecimento necessário para o seu desenvolvimento integral e a sua atuação no mundo.   

Com o pensamento integrado, o diálogo e as práticas mais respeitosas com a realidade e os processos de compreensão dos alunos, permitindo que eles construam os próprios modelos e conceitos e testem as próprias maneiras de compreender problemas, trabalhando e aprendendo entre pares, interpretando e nomeando suas emoções, de aluno para aluno, de aluno para professor, uns ajudando aos outros a aprender e a reaprender, aceleram a desconstrução da ideia de que o professor é um “passador de conteúdo” e ampliam temáticas mais atuais e conectadas com problemas reais que enfrentamos no mundo.  

Em que devemos prestar atenção? No treinamento dos professores que aprenderam a teoria com uma visão fragmentada que contradiz o modo como aprendemos. 

Ao promover momentos formativos para os professores, temos que garantir que não estamos oferecendo apenas um “treinamento superficial”, um encontro de 60 minutos por mês, expositivo, com práticas operacionais e, depois, simplesmente lhes desejando boa sorte. Devemos, em vez disso, da mesma forma que projetamos uma visão integrada do desenvolvimento dos alunos — cognitiva, emocional, espiritual e energética —, oferecer um programa de formação contínuo, com espaços de estudo assíncrono e síncronos e com a seleção de temáticas que estejam diretamente relacionadas ao currículo da escola. Esse é o primeiro passo para abrir mão de estilos de instrução mais antigos e construir trajetos com novidades.   

Voltando à pergunta inicial, olhando para o aluno e o professor e a relação com o conhecimento, faz-se necessário, na hora de planejar o novo ano letivo, revisitar os projetos integradores e atitudinais, conectando-os com pautas globais.  

Embora não tenhamos como prever o futuro, podemos, a partir de iniciativas globais, como proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, na Agenda 2030, composta de dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ressignificar o lugar dos projetos que ocupam um espaço considerável com tradições em celebração das datas comemorativas e conteúdos acadêmicos.  

3. ESCLARECER • Eliminar o que não é essencial para assegurar que dediquemos nossa energia  às atividades mais significativas  

Para que as ideias de mudança se tornem processos de mudança, é importante escolher ferramentas para a tradução, a acomodação e a verificação da coerência dos pensamentos.  

Antes de iniciar os ajustes anuais no Projeto Político Pedagógico (PPP), na planilha do planejamento estratégico, naquele arquivo antigo com colunas bimestrais ou trimestrais, chamado de plano de ensino, ou até mesmo no arquivo de Word utilizado para montar planos de aula, propomos algumas sugestões de ferramentas e metodologias para serem utilizadas nos momentos de planejamento e replanejamento com base nas aprendizagens a serem realizadas. 

Círculo dourado

O Círculo Dourado, de Simon Sinek (fundador da Start With Why, instituição dedicada a produzir ferramentas e recursos para inspirar pessoas), por meio da sua fórmula, nos ajuda a compreender por que fazemos o que fazemos.  

Em uma explicação simples, Simon nos propõe atentar a pensar no propósito das nossas ações, na causa ou na crença que sustentamos ao fazer algo todos os dias. Na maioria das vezes, pensamos de fora do círculo para dentro, explicando “o que” fazemos, “como” fazemos e só depois “o porquê” de fazermos. O convite é para sempre iniciar de dentro para fora. Regatar “o porquê” que sustenta a base do fazer, para depois estruturar o “como” fazemos e, por fim, não menos importante, “o que” fazemos.  

A resposta está no porquê. Conhecer o porquê da sua escola certamente não é a única forma de ser bem-sucedido, mas é a única maneira de manter um resultado duradouro e ter uma mescla melhor de inovação e flexibilidade para planejar.  

A fórmula do Círculo Dourado é uma boa ferramenta para a gestão pedagógica, parar, pensar e relembrar: qual é o porquê do projeto político pedagógico da sua escola? Para todo objetivo, projeto e toda atitude precisa existir um porquê muito evidente.  

Por que o planejamento é importante para sua escola? Por que planejar?  

Objectives and Key Results

Com os “porquês” bem definidos, para traduzir em prática, é necessário um “como” muito bem-feito.  

O sistema Objectives and Key Results (OKR), de Andy Grove, é um conjunto simples de definição de metas que funciona para organizações, equipes e até mesmo para um trabalho individual. Objetivos (O): declaração concisa da direção desejada. O que queremos realizar. Um bom objetivo tem que ser vividamente descrito, para que as pessoas possam imaginar o quão impactante será alcançá-lo. Resultados-chave (KR): metas com impacto direto no atingimento do objetivo, caso seja alcançado com sucesso. É como vamos fazer acontecer.

Classificar, publicar, deixar em um ambiente que todos possam ver e acompanhar durante o ano ou semestre e, ao logo do processo, em períodos predeterminados, medir o que for feito, sem dúvidas fará toda diferença na sustentação do “porquê”.

Meta Smart

Com um olhar atento às metas que geralmente projetamos nas escolas, percebe-se que algumas são abstratas e genéricas, como “captar mais alunos” e “reduzir a defasagem na aprendizagem dos alunos”. É necessário, com base nos objetivos, criar metas mais evidentes e específicas, delimitando mais, em detalhes, o que pretende ser alcançado, quem serão os envolvidos no processo, o local em que acontecerá e por que ela é importante.  

Para apoiar na escrita e na verificação das metas, a metodologia as metas SMART auxilia na definição de metas inteligentes. Sua sigla foi baseada em cinco fatores para conseguir alcançar os objetivos estratégicos: S (específica): determinar em que consiste a meta. M (mensurável): como será medida. A (atingível): entender se é algo possível de ser realizado.
R (relevante): buscar a geração de sentido para os envolvidos. T (temporal): ter um prazo definido.  

5W2H 

Um guia da prática. A sigla 5w2h é uma ferramenta administrativa que pode ser aplicada no planejamento estratégico. É uma espécie de checklist composta de sete perguntas específicas que pode, por exemplo, ser utilizada com os alunos para projetar o trabalho com novos projetos. What: o que será feito? Why: por que será feito? Where: onde será feito? When: quando será feito? Who: por quem será feito? How: como será feito?
How much: quanto custará?  

4 Fluir • Com uma rotina capaz de preservar o essencial

O grande perigo depois de discernir, de olhar e de esclarecer atentamente o que precisa ser revisitado para fazer um bom planejamento é cair na armadilha do foco na operação atual e não dedicar o tempo necessário de olhar para o futuro. 

Para fluir, é preciso criar rotinas. A rotina é uma das ferramentas mais importantes para remover os obstáculos. Sem ela, a atração das distrações não essenciais, muitas vezes gerada pela rotina mais operacional da escola, nos domina.  

Preservar o essencial, baseando-se nas informações lidas até aqui, envolve uma mudança de mentalidade e a construção de uma cultura focada no “menos, porém melhor”, na comunicação que escuta o que é realmente essencial para os alunos e os professores, na capacitação contínua que focaliza o melhor papel e a meta de contribuição máxima de cada membro da equipe e no resultado de uma equipe unificada que consegue chegar ao nível máximo de contribuição.  

Que escolas temos e que escolas gostaríamos de ter para o próximo ano letivo? E nos próximos 5 anos?

Faça fluir um bom planejamento. 

Leonardo Rabelo 
é professor de História com especialização em Psicopedagogia e Educação para Infância. Gestor. No Projeto UNO educação, atuou como coach pedagógico, supervisor pedagógico e, atualmente, está como gerente de serviços educacionais. Seu propósito e trajetória na educação estão marcados pela sua inteligência social, generosidade, perspectiva e liderança. 

Para saber mais

  • OKELLY, K. Inevitável: as 12 forças tecnológicas que mudarão o nosso mundo. Trad. de Cristina Yamagami. São Paulo: HSM, 2017. 
  • SENGE, P. A. Quinta disciplina: a arte e a prática da organização que aprende. Trad. de Gabriel Zide Neto. OP Produções. Rio de Janeiro: Best Seller, 2018. 
  • SINECK, S. Comece pelo porquê. Trad. de Paulo Geiger. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
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