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Para além dos números

Programas de capacitação e atualização ampliam horizontes dos professores e fornecem ferramentas para aproximar a matemática das crianças e dos jovens da Educação Básica.

Texto: Fernando Leal

Diante de um cenário de crescente complexidade, dentro e fora da escola, e de necessidade de aplicação prática e inovadora dos fundamentos matemáticos, os professores dessa área de conhecimento enfrentam o desafio de engajar os estudantes e prepará-los para entender e interagir com o mundo. A boa notícia está no fato de que, se nem sempre a formação inicial é suficiente para o tamanho dessa tarefa, há uma diversidade significativa de possibilidades para um desenvolvimento profissional continuado, permitindo a atualização de saberes e habilidades.

Os caminhos são variados, mas têm em comum a disponibilização de ferramentas que ajudam a aproximar a matemática das crianças e dos jovens e a discussão de abordagens mais modernas e eficientes a ser aplicadas em sala de aula, além de valorizar competências como pensamento crítico, criatividade, investigação e pesquisa. 

Estamos cada vez mais conscientes de que o processo de ensino-aprendizagem não é algo simples. Não basta o professor falar e o aluno ouvir. Sabemos que envolve muitos fatores internos e externos ao ambiente escolar.

“O professor deve oferecer aos alunos um conjunto de atividades significativas em que o domínio da matemática faça sentido”, afirma Luís Carlos de Menezes, professor sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), coordenador acadêmico da cátedra de Educação Básica do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e autor do livro Educar para o imponderável: uma ética da aventura

Menezes explica que, nas disciplinas em geral, a falta de conexão com a realidade compromete o interesse pelos assuntos estudados. E algumas, particularmente abstratas por natureza, como a matemática, sofrem ainda mais, pois falta evidenciar como o conhecimento pode ser utilizado para interpretar o mundo em que vivemos. “Muitos jovens abandonam o Ensino Médio por não perceberem como aquilo que eles estão aprendendo serve para explicar ou melhorar a vida deles. Não se pode estudar apenas para passar na prova”, destaca Menezes. 

Reverter essa realidade envolve, necessariamente, a formação do professor de matemática que, como ressalta o pesquisador da USP, é também bastante abstrata, “com eventuais exemplos de aplicação prática, geralmente somente de modo eventual”. 

Ponte entre conhecimentos

Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), recorre ao matemático alemão Felix Klein, que há mais de um século já tratava do abismo entre a formação universitária dos professores de matemática e as atividades cotidianas de sala de aula na Educação Básica. 

Segundo ele, na faculdade não são claramente estabelecidas as relações entre a matemática ensinada nessa etapa com o conteúdo aprendido até ali (no equivalente ao Ensino Médio, por exemplo). Ao mesmo tempo, poucas ferramentas são fornecidas para que os novos professores tenham condições de traduzir o que aprenderam durante a graduação no ensino de seus futuros alunos. 

“Na sala de aula, esse professor acaba se baseando na matemática que aprendeu no Ensino Médio, pois não consegue relacionar o conteúdo que deve ensinar com a teoria tratada na licenciatura”, explica Viana. “É uma dupla descontinuidade.”

O próprio Impa é uma referência para quem busca se atualizar, reciclar ou ampliar seu conhecimento. No primeiro semestre deste ano, o instituto lançou o Impa Tech, em parceria com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e com o Ministério da Educação (MEC). Trata-se de um bacharelado que tem o objetivo de capacitar os estudantes a entrarem de forma efetiva no mercado de tecnologia e inovação. Além disso, o Impa oferece cursos de pós-graduação, doutorado e mestrado profissionalizante, além de programas de formação continuada para professores de matemática.


Pandemia acelerou opção por licenciatura EAD

O mapa do Ensino Superior no Brasil 2024, publicação anual do Instituto Semesp, mostra que as matrículas em cursos de licenciatura de formação de professores em matemática passaram de 14.236 em 2012 para 1.900 em 2022 na modalidade presencial (queda de 87%); no mesmo período, porém, passaram de 8.616 para 37.623 na modalidade a distância (um aumento de quase 350%).  

Ao comentar, na própria publicação, o crescimento no número de matrículas de EAD, Mozart Ramos, docente da USP de Ribeirão Preto (SP), ressalta que esse não é um fenômeno isolado, restrito aos cursos de licenciatura. “O aumento nas matrículas no EAD está ligado a vários fatores, como os avanços tecnológicos e uma perda de poder econômico”, escreve. 

Ele destaca que cursos de EAD possuem características que precisam ser levadas em consideração, como a necessidade de bons tutores, um material didático apropriado, o uso de uma tecnologia amigável e a necessidade de mais prática profissional, “o que também precisa ser ampliado nos cursos presenciais”.

Na avaliação de George Bento, diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), os cursos superiores nessa modalidade suprem uma carência de oferta de ensino superior em muitos municípios do país, ao mesmo tempo que ajudam os estudantes a superar dificuldades significativas, no que diz respeito à mobilidade urbana. “Na pandemia, as pessoas perceberam que tinham essa opção para estudar com qualidade”, destaca. 

No caso específico da matemática, Bento ainda ressalta que faltam professores para lecionar a disciplina na Educação Básica, sendo que em algumas regiões o quadro é bastante crítico, levando docentes de outras áreas a fazer uma segunda licenciatura, a fim de aproveitar as oportunidades existentes. 

“Somos uma sociedade ávida por formação superior”, afirma, lembrando que ainda é bastante modesta a parcela dos jovens que se formam no Ensino Médio e conseguem ingressar em uma faculdade, pública ou privada, percorrendo o caminho para competir em condições adequadas no mercado de trabalho. 


Escola Viva

Na visão da professora Bárbara Corominas Valério, do Departamento de Matemática do IME-USP (Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo), o imperativo da atualização anda lado a lado com a própria dinâmica da educação e da sociedade, especialmente diante das mudanças aceleradas após a pandemia de covid-19. 

“A formação continuada nos ajuda a analisar que aluno é esse dos dias de hoje, e que escola é essa. A matemática não mudou, mas qual é o melhor caminho para abordar esse conteúdo e para alcançar um número maior de crianças e jovens? Como é possível aprimorar o processo de ensino-aprendizagem? Como o raciocínio lógico pode contribuir para gerar adultos críticos, autônomos e criativos?”, questiona. “São questões como essas que, na formação continuada, podem ser discutidas com outros professores que também estão na sala de aula. Também é uma oportunidade de compartilhar angústias, experiências e aprendizados”, finaliza. 

Bárbara já foi professora da Educação Básica e atua na licenciatura desde 2009, e expõe uma perspectiva bastante clara da responsabilidade social do professor de matemática, que vai além dos conteúdos curriculares, e pode incluir questões como violência e bullying. “Estamos cada vez mais conscientes de que o processo de ensino-aprendizagem não é algo simples. Não basta o professor falar e o aluno ouvir. Sabemos que envolve muitos fatores internos e externos ao ambiente escolar”, destaca.  

Tais questões costumam ser tema de oficinas do Centro de Aperfeiçoamento do Ensino da Matemática (Caem), o órgão de extensão do IME-USP, composto por professores do Departamento de Matemática. Sua atuação inclui assessoria, formação continuada e qualificação de professores da Educação Básica. 

Incentivo e valorização

A oferta de cursos e outros recursos, presenciais e on-line, é um passo decisivo, mas não suficiente. É preciso criar incentivos, para que os professores busquem os programas de capacitação existentes e sejam motivados a tirar o máximo proveito dessas oportunidades. Esse esforço passa pela valorização da carreira docente, pelas condições de trabalho que permitam colocar em prática o que é aprendido e pelo reconhecimento dos profissionais que se diferenciam. 

“Quando o professor entra em sala de aula, muitas vezes se sente perdido e solitário diante dos desafios concretos do dia a dia da escola”, relata Guilherme Santinho Jacobik, que atua na Educação Básica desde 1989 e também no Ensino Superior, formando professores nas duas últimas décadas. “Falta formação em serviço, que dê continuidade aos processos formativos da faculdade”, explica. 

Cada vez mais, observa ele, os estudantes chegam ao curso de Pedagogia com medo da matemática e presos a modelos ultrapassados, que não contemplam o conhecimento matemático com contexto e significado, que façam relações multi e interdisciplinares. 

Ao mesmo tempo, Guilherme enxerga a necessidade de diálogo da matemática com outras áreas do saber. Em seu livro Criança, identidade e matemática, ele chama a atenção para a influência multiétnica na disciplina, convidando os leitores a saber mais sobre as identidades, as particularidades e o modo próprio de existir das matemáticas, nas diferentes culturas, em contraposição à ideia de que existe uma matemática única. “É importante quebrar esses paradigmas, e, se não se faz isso durante o período de formação, a tendência é o professor continuar a reproduzir na sala de aula uma visão da matemática baseada em uma perspectiva de branquitude”, explica.

Apesar de reconhecer a relevância da formação na garantia da qualidade do ensino de matemática, Guilherme chama a atenção para os obstáculos representados pelas condições de trabalho no ambiente escolar. Mais especificamente, ele destaca o número de crianças por turma e a crescente heterogeneidade no domínio dos conteúdos pelos alunos, o que se agravou após a pandemia. 

Marcelo Vianna, do Impa, também aponta como essencial a valorização da carreira docente e, nesse mesmo sentido, a instituição de incentivos ao desempenho diferenciado do professor, para irem além das determinações curriculares mínimas. Bárbara Valério, do IME, por sua vez, vai além: “Apesar da baixa valorização, muitos professores procuram uma formação continuada. Daí ser fundamental que eles tenham a oportunidade de implementar os novos caminhos que descobrem no âmbito do espaço em que atuam. Senão, a experiência se encerra nela mesma e se torna fonte de frustração, que é extremamente desmotivador”.

Cursos para se aprimorar em Matemática

Hoje, existe uma série de possibilidades de formação e aperfeiçoamento na área de conhecimento em institutos reconhecidos. Confira a seguir a indicação de alguns deles. 

01 – Centro de Aperfeiçoamento do Ensino da Matemática (CAEM) | Organização: Instituto de Matemática de Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Oferece, geralmente de forma gratuita, cursos, oficinas, palestras e promove eventos, voltados a professores que ensinam Matemática nos diferentes níveis de ensino. Informações: https://mod.lk/ed26_pn1 

02 – Programa de Aperfeiçoamento de Professores de Matemática do Ensino Médio (PAPMEM) | Organização: Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Com transmissão pelo canal do Impa no YouTube, o programa tem como proposta central o aperfeiçoamento de conteúdo apresentado em sala de aula, discutindo formas modernas e eficientes de ensinar e avaliar. A iniciativa é aberta para todos os professores das redes pública e privada ou para graduandos de qualquer área. Informações: https://mod.lk/ed26_pn2

03 – Programa de Aperfeiçoamento de Professores Olímpicos (PROLÍMPICO) | Organização: Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). A iniciativa busca difundir a “cultura olímpica” e oferecer propostas de aplicação em sala de aula para professores de matemática e gestores de escolas de todo o Brasil. Informações: https://mod.lk/ed26_pn3

04 – Laboratório de Matemática | Organização: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE USP). Espaço de formação com acesso a materiais, discussões sobre educação matemática e difusão da produção de docentes e alunos. Informações: https://mod.lk/ed26_pn4

05 – AVAMEC | Organização: Ministério da Educação (MEC). Plataforma virtual de aprendizagem do MEC que oferece cursos gratuitos e certificados digitais de conclusão. É colaborativa e permite a criação, a gestão e o desenvolvimento de ações formativas. A Formação em Matemática e suas Tecnologias, por exemplo, reúne conteúdo teórico e prático voltado aos docentes do Ensino Médio, com metodologias alinhadas às orientações da BNCC. Informações: https://mod.lk/ed26_pn5

06 – Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT) | Organização: Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Voltado a professores de Matemática em exercício na Educação Básica, especialmente de escolas públicas, o Profmat é um programa de mestrado semipresencial oferecido por uma rede de instituições de Ensino Superior e coordenado pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Informações: https://mod.lk/ed26_pn6

07 – Mathema | Organização: Mathema. Além do desenvolvimento de soluções pedagógicas, disponibiliza opções on-line e presencial de formação de educadores, como cursos e trilhas de aprendizagem. Informações: https://mod.lk/ed26_pn7

08 – Instituto Singularidades | Além da Licenciatura em Matemática, o instituto conta com cursos de pós-graduação e de extensão. Por exemplo: Didática da Matemática para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora. Informações: https://mod.lk/ed26_pn8

09 – Instituto Vera Cruz | Oferece cursos de graduação e pós-graduação, atividades de extensão universitária e um núcleo de pesquisa e outro de assessoria educacional. Informações: https://mod.lk/ed26_pn9

10 – FutureLearn | Trata-se de uma plataforma de educação on-line, com sede no Reino Unido. Entre as instituições que oferecem aulas por lá, estão as principais universidades e instituições do Reino Unido e de outras localidades de todo o mundo. Porém todo o conteúdo é em inglês. Informações: https://mod.lk/ed26pn10

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