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O dia em que a Nasa aterrissou em…

…uma comunidade escolar de Salvador! Com uma maratona de inovação e criatividade chancelada pela agência espacial estadunidense que mudou a vida por ali.

texto Ricardo Prado

De repente a NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, do inglês National Aeronautics and Space Administration) aterrissou na Escola Municipal Antônio Carvalho Guedes, em São Caetano, um bairro bastante carente da cidade de Salvador (BA). E a quase centena de alunos do 9o ano, adolescentes irrequietos como todos, de repente se juntou em grupos, se concentrou, pesquisou e buscou soluções para problemas graves da Terra, como a poluição ambiental, e situações desafiadoras no espaço, como planejar como seria uma viagem tripulada até o planeta Marte. No terceiro dia de mergulho, com direito a viagens com óculos de realidade virtual ou à criação de um cenário por meio de um software capaz de criar imagens tridimensionais, cada equipe de jovens ofereceria algum tipo de solução para o problema que quis encarar.  

Foram três dias inesquecíveis para aquela turma de uma escola pública em um bairro que costuma frequentar as manchetes locais por conta dos deslizamentos e alagamentos provocados pelas intensas chuvas que acontecem a partir de março na capital baiana. A escola não possui laboratório de informática e o único computador com impressora fica na sala da diretora, Tatiana Almeida. Também não contava com o número ideal de alunos para a proposta, mas tinha um fator decisivo: a determinação da diretora de trazer a Nasa até sua escola. Foi essa vontade de fazer acontecer que o gestor Frederico (Fred) Wegelin, à época na supervisão de cinco escolas da região de São Caetano, percebeu nos olhos de “profa Tati”, como ela é conhecida por seus 424 alunos, 26 professores, além da equipe de apoio, formada por um vice-diretor, um coordenador pedagógico e a equipe da administração e dos serviços gerais. À frente dessa equipe desde 2021, após cinco anos como vice-diretora e tendo enfrentado os difíceis tempos da pandemia – em que a escola se viu banida da normalidade, como todas da rede, servindo de ponto de referência para entrega de cestas básicas –, Tatiana estava ansiosa para motivar seus alunos com alguma novidade. Ao ser sondada por Fred sobre a possibilidade de a sua escola receber o projeto da Nasa, não teve dúvida: aceitou na hora.   

BUEIRO INTELIGENTE  

Hack@Schools é uma maratona de inovação e criatividade criada por Leka Hattori, CEO do “Space Terra”, uma plataforma de projetos com atuação nas escolas que se inspira nos desafios propostos pelo Programa Nasa Space Apps Challenge. Esse evento internacional voltado a estudantes, pesquisadores de TI, de ciências da computação e de outras áreas faz uso do banco de dados e imagens da Nasa para resolução de problemas reais da Terra ou para o avanço na pesquisa espacial.  

Em sua versão educativa, o Hack@Schools foi idealizado como uma maratona de três dias de aprendizagens, com apoio didático e monitoria de representantes da agência espacial, em que grupos de estudantes com participação igual de meninas e meninos e um professor da escola são desafiados a resolver algum tipo de problema ambiental ou espacial. “Esses desafios são baseados no Nasa Space Apps Challenge, que, por sua vez, são propostos pela própria agência espacial estadunidense”, explica Leka.  

Orientados pelos monitores quanto aos desafios técnicos, logísticos ou ambientais que precisam ser vencidos a partir do problema a ser resolvido, sem se darem conta, os grupos vão exercitando competências e habilidades importantes, como o raciocínio dedutivo, a capacidade de antever situações e planejar soluções, além de habilidades socioemocionais, como a de trabalhar coletivamente. Após um ano de isolamento como medida de prevenção à pandemia provocada pela covid-19, a possibilidade de todos estarem juntos novamente na escola se tornava um fator motivacional a mais. “Só por isso o projeto já valeu”, comenta Tatiana, recordando a alegria de seus alunos com o regresso às aulas presenciais. 

A solução vencedora foi a da Equipe Manhole, formada pela professora Nívea e pelos estudantes Maria Paula, Paulo Ricardo, Rian e Sabrina, que elaborou um projeto para reduzir alagamentos por meio da criação de um bueiro inteligente, movido a energia hidráulica, que mói o lixo acumulado com o uso de hélices, filtrando a água antes de soltá-la na rede pluvial. Essa proposta estava relacionada com a realidade de suas vidas, uma vez que o espectro da inundação ronda o bairro.  

A equipe Novo Futuro foi classificada em segundo lugar, com uma solução igualmente criativa para um grave problema: a poluição atmosférica. A proposta nascida do grupo formado pela professora Ivonildes e os jovens Ingred, Vinícius, Yasmin e Yuri foi a criação de um carro elétrico com motor capaz de gerar energia para alimentação de duas baterias que funcionavam de modo reverso.  

Já a terceira colocação encarou um desafio interplanetário, mostrando que o céu não precisa ser um limite para estudantes dispostos a aprender. A equipe Júpiter, composta do professor Bira e dos estudantes Alana, David e Fabiana, idealizou uma plataforma orbitando em torno da Lua que servisse de ponto de lançamento de suprimentos vitais que antecederiam a chegada das naves tripuladas ao satélite da Terra ou ao planeta Marte. As três ideias serão apresentadas na etapa final do Nasa Space Apps Challenge, evento mundial que acontece entre 31 de setembro e 2 de outubro deste ano.   

A Escola Antonio Carvalho Guedes foi a primeira a receber esse projeto, que aconteceu posteriormente na Escola Municipal de Pituaçu. “Mas lá na Guedes, tivemos recorde de participantes (104), ressaltando que o projeto exigia 50% de participação feminina, e isso foi atendido”, comemora Leka, que disponibilizou um computador da sua equipe para que os trabalhos vencedores da escola pudessem dispor de alguns recursos que o equipamento obsoleto na sala da diretora não dispunha. Essa foi a oportunidade para Tatiana voltar a cobrar da Secretaria Municipal de Educação a atualização dos softwares dos 33 tablets que a escola possui – e que, igualmente, se encontram com tecnologias há muito tempo ultrapassadas. Com a mesma determinação que usou para cobrar dos gestores municipais a antiga promessa de dotar a escola de uma quadra de esportes – o que aconteceu em 2021 –, a diretora Tatiana agora decidiu que seus alunos precisam de uma sala multimídia. Nada mais justo, depois que a Nasa aterrissou nessa escola modesta de Salvador e abriu novas perspectivas de aprendizagem – deixando, inclusive, um par de óculos de realidade virtual como presente. “É urgente o poder público investir em tecnologia nas escolas; não é possível que a gente não possa contar ainda com esse tipo de apoio nas nossas salas de aula”, cobra Tatiana. 

Ação do Programa Nasa Space reúne os alunos de Salvador de projetos associados à formação científica e espacial 

UMA CONSULESA NO GUEDES 

O projeto Hack@Schools tem o apoio do Consulado dos Estados Unidos do Rio de Janeiro. A participação da Escola Municipal Antonio Carvalho Guedes foi tão entusiasmada que motivou a curiosidade da consulesa daquele país. Algumas semanas depois da Nasa, no dia 29 de julho de 2022, foi a própria consulesa Jacqueline Ward quem aterrissou na escola. A despeito de toda simpatia e calor humano que sua visita recebeu e mesmo que os alunos tenham sido capazes de superar, com muita criatividade, a falta de recursos, não deve ter passado despercebido à ilustre visitante o fato de que eles viviam em um mundo escolar em que o computador e a informação digital ainda não haviam chegado. Certamente, Jacqueline ouviu algum comentário da diretora Tatiana, ou algum pedido de apoio em sua nova batalha para etapas superiores da educação: conquistar uma sala multimídia para a escola.  

Para Frederico Wigelin, que se desincompatibilizou da máquina pública para tentar um cargo eletivo na próxima eleição, o principal triunfo que a vinda desse projeto da Nasa trouxe para a escola de São Caetano, um bairro cujas carências conheceu bem como gestor educacional, foi a ampliação de horizontes. “O meu objetivo era mostrar para essas crianças que elas são capazes de muito mais, que não precisam ficar restritas à realidade que elas vivem. Existem muitas coisas fora dali que elas podem alcançar, em termos de futuro. E outras coisas que elas podem fazer, inclusive para a própria comunidade”, ressalta. 

Por fim, para Tatiana Almeida, o Hack@Schools trouxe uma nova bandeira pela qual lutar. Ela conta, com orgulho, que a escola continua com seu muro branco sendo respeitado, mesmo incrustada em um bairro onde os pichadores disputam cada espaço para suas mensagens. E que qualquer aluno ou aluna pode entrar na sua sala na hora que precisar. Se houver papel e tinta na impressora, fará de seu computador, o mesmo usado para as tarefas administrativas, mais uma plataforma de lançamento de seus jovens para o mundo virtual, para o qual entende que a escola não pode continuar alheia. Os óculos de realidade virtual ela já tem, mesmo que seja um para 424 alunos. Além disso, há 33 tablets precisando de upgrade. E, no horizonte, uma sala multimídia equipada com tudo o que seus alunos merecem ter. A diretora há de encontrar a solução para esse problema, assim como seus alunos mergulharam em outros problemas e saíram do mergulho com suas soluções. Se não achar o recurso para a sala multimídia na avenida Anita Garibaldi, no bairro de Ondina, onde despacha o secretário municipal de educação de Salvador, ela será capaz de ir até a Embaixada dos Estados Unidos. Ou até a Nasa. Mas a contagem regressiva começou e a “profa Tati” se sente preparada para mais esse desafio.

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