Melhor educação, mais recursos: O Potencial do ICMS-Educação
Com um bom desenho e uma gestão atenta, o ICMS-Educação pode seguir sendo um dos mais potentes instrumentos de indução de qualidade e equidade educacional no país.

Texto: Gabriel Corrêa, Manoela Miranda e Bernardo Baião
Transformar a arrecadação de impostos em um instrumento capaz de melhorar a qualidade da educação pública pode parecer, à primeira vista, uma ideia distante da rotina de um gestor municipal. Mas essa é justamente a proposta do ICMS-Educação: um mecanismo que vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil como uma poderosa alavanca para o aprimoramento da Educação Básica e para a promoção da equidade entre os territórios.
Na prática, o ICMS-Educação funciona como um incentivo financeiro: quanto melhores forem os resultados educacionais de um município maior será a fatia dos recursos estaduais de ICMS que ele receberá. E esse ganho não está restrito às políticas educacionais: os recursos adicionais podem ser investidos em diversas áreas. Dessa forma, priorizar a educação passa a ser, também, uma estratégia de incremento orçamentário.
Neste artigo, vamos compreender melhor como funciona o ICMS-Educação, explorando sua origem e analisando sua importância e os impactos gerados na gestão educacional. Vamos acompanhar sua expansão pelo país e os diferentes formatos adotados pelos estados e, por fim, discutir os desafios e os cuidados necessários para garantir que a política cumpra plenamente seu papel de induzir melhorias na aprendizagem com equidade.

Um diferencial importante
Do ICMS-Educação é que os recursos adicionais recebidos não precisam, necessariamente, ser investidos exclusivamente em educação. Eles podem ser aplicados em outras áreas da administração municipal, como infraestrutura, saúde ou assistência social.
O que é o ICMS- Educação?
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é um tributo estadual, previsto na Constituição Federal de 1988, que incide sobre operações de circulação de mercadorias, prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação, além da entrada de produtos e serviços do exterior. Essa cobrança está regulamentada pela Lei Complementar nº 87/1996 e representa uma importante fonte de arrecadação no país.
Do montante arrecadado com o ICMS em cada estado, 75% permanece com o governo estadual e os outros 25% devem ser obrigatoriamente repassados aos municípios. Essa fração de 25% é chamada de Cota-Parte Municipal do ICMS. Sobre essa parcela, o texto atual da Constituição Federal estabelece que entre 10% e 35%, conforme decisão de cada estado, devem ser distribuídos com base em indicadores educacionais dos municípios. Essa vinculação é o que caracteriza o mecanismo conhecido como ICMS-Educação.
A lógica é simples: quanto melhores forem os resultados educacionais de um município maior será sua participação na Cota-Parte do ICMS. Com isso, o ICMS-Educação transforma o desempenho educacional em critério para ampliar os recursos municipais, criando um incentivo financeiro para que as gestões locais priorizem a melhoria da aprendizagem de sua rede.
Um diferencial importante do ICMS-Educação é que os recursos adicionais recebidos não precisam, necessariamente, ser investidos exclusivamente em educação. Eles podem ser aplicados em outras áreas da administração municipal, como infraestrutura, saúde ou assistência social. Isso significa que investir em educação torna-se uma estratégia eficiente não apenas para melhorar a qualidade do ensino, mas também para ampliar o orçamento municipal como um todo. Por exemplo: um município com bons resultados educacionais pode utilizar os recursos adicionais recebidos para investir em pavimentação de ruas, na melhoria da iluminação pública, entre outras áreas.
Como Surgiu o Mecanismo de ICMS- Educação
A implementação do ICMS-Educação no Brasil começou na década de 1990, com algumas experiências pontuais. Minas Gerais, em 1995, foi o primeiro estado a adotar critérios educacionais na distribuição da Cota-Parte Municipal do ICMS, seguido por Amapá (1996) e por Pernambuco (início dos anos 2000). Nessas primeiras experiências, os percentuais destinados eram pequenos, girando em torno de 2% da Cota-Parte, e tinham como foco principal estimular a ampliação do acesso à escola.
Foi apenas em 2007 que esse instrumento passou por um salto qualitativo, liderado pelo estado do Ceará, impulsionado por dois avanços importantes. O primeiro foi destinar 18% dos 25% da Cota-Parte Municipal do ICMS com base em critérios educacionais, sinalizando de forma clara que a educação era prioridade no estado. O segundo consistiu em reorientar esses critérios: em vez de premiar apenas a expansão do acesso, como nas experiências anteriores, os repasses passaram a considerar, sobretudo, a melhoria dos resultados de aprendizagem.
Nesse contexto, a Secretaria de Educação do Ceará criou o Índice Municipal de Qualidade Educacional (IQE) como guia para a distribuição dos recursos. Inicialmente, o cálculo do IQE considerava três variáveis principais: o desempenho dos estudantes nas avaliações externas da rede (Spaece), a evolução desses resultados ao longo do tempo e a taxa de aprovação dos alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Assim, o estado estabeleceu uma lógica clara de incentivo: quanto melhores os resultados mensurados pelo IQE, maior o volume de recursos recebido pelo município — uma fórmula simples, de fácil compreensão e, portanto, capaz de direcionar de forma objetiva os esforços esperados dos gestores municipais.
Para além disso, a introdução desse mecanismo de incentivo financeiro foi acompanhada por uma política estruturada e robusta de apoio técnico e formação — o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) —, voltada a fortalecer as capacidades institucionais das redes municipais e a criar as condições necessárias para a melhoria dos resultados educacionais.
Essa combinação entre incentivo financeiro e apoio técnico permitiu ao Ceará alcançar resultados educacionais expressivos nas últimas décadas. Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o Ideb do estado saltou de 2,8 em 2005, antes da implementação do ICMS- -Educação, para 6,3 em 2019, o terceiro maior resultado do país. Já nos Anos Finais, o avanço foi de 2,8 para 5,2 no mesmo período, fazendo do Ceará o estado com melhor resultado nos Anos Finais em 2019.
A Importância do ICMS- Educação
A experiência cearense traz reflexões importantes sobre a importância da implementação do ICMS-Educação no país. Um primeiro ponto é que a incorporação dessa política representa uma estratégia poderosa para elevar a prioridade da pauta educacional na agenda de estados e de municípios brasileiros. Ou seja, quando um estado opta por alocar um percentual da Cota-Parte Municipal do ICMS com base em critérios educacionais, melhorar os indicadores deixa de ser apenas uma diretriz técnica ou uma promessa de campanha e passa a impactar diretamente o orçamento municipal, o que tende a mobilizar de forma mais efetiva os esforços das gestões locais.
Esse novo cenário gera, como consequência, uma mudança significativa na forma como as gestões locais encaram a política educacional em seus municípios. Diante da possibilidade concreta de ampliar recursos por meio da melhoria dos resultados, os municípios tendem a reorientar suas práticas, priorizando a escolha mais qualificada de lideranças da secretaria e dos gestores escolares e o fortalecimento do apoio pedagógico às escolas, entre outras iniciativas voltadas para a melhoria dos resultados de aprendizagem. Com o tempo, esse processo contribui para consolidar uma cultura de corresponsabilização entre estado e municípios, em que diferentes atores da gestão pública passam a se reconhecer como parte do esforço coletivo para melhorar a educação do território.
No entanto, a experiência do Ceará também demonstra que o incentivo financeiro, por si só, não é suficiente para garantir avanços. Nesse sentido, é fundamental que o mecanismo de indução seja acompanhado por um conjunto articulado de políticas de apoio técnico para os municípios. Sem esse suporte, o risco é que o ICMS-Educação aprofunde desigualdades pré-existentes, favorecendo municípios com maior capacidade instalada em detrimento daqueles que mais precisam de apoio. A combinação entre incentivo e apoio técnico é, portanto, indispensável para assegurar que a política funcione como um vetor de melhorias educacionais mais equitativas, e não de cenários excludentes.
Quando bem desenhado e implementado, o ICMS-Educação tende a gerar impacto na melhoria dos resultados de aprendizagem dos estudantes em todo o país. Não por acaso, a experiência cearense passou a inspirar outros estados e a influenciar o debate nacional sobre o uso de mecanismos de incentivo financeiro para a melhoria de resultados.
A Expansão da Política de ICMS- Educação no Cenário Nacional
Tendo em vista os resultados positivos atingidos pelo Ceará, a partir de 2016, alguns estados, como Espírito Santo, Pernambuco e Amapá, aprovaram legislações semelhantes ao desenho do ICMS-Educação cearense. Ainda que de forma pontual, essas iniciativas já sinalizavam uma tendência de expansão dessa política. Todavia, foi em 2020, com as discussões que culminaram no Novo Fundeb, que o tema ganhou maior notabilidade no debate nacional da educação.
Em agosto de 2020, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 108, que, além de instituir o Novo Fundeb, tornou obrigatória a reformulação das regras de distribuição do ICMS por todos os estados, a fim de incorporar o ICMS-Educação. A partir dessa normativa, a Cota-Parte Municipal do ICMS passou a seguir um novo modelo: no mínimo 65% com base no valor adicionado fiscal e até 35% conforme critérios definidos em lei estadual — sendo que, obrigatoriamente, ao menos dez pontos percentuais desse total devem considerar indicadores educacionais voltados à melhoria da aprendizagem e ao aumento da equidade, considerando o nível socioeconômico dos estudantes.
Para fomentar o cumprimento dessas novas regras, a legislação federal definiu a implementação do ICMS-Educação como uma das condicionalidades (IV) para o acesso aos recursos suplementares do Valor Aluno Ano Resultado (Vaar), previstos no novo Fundeb. Portanto, nos estados que ainda não aprovaram a legislação do ICMS-Educação, os municípios ficam, em regra, inabilitados para receber os recursos do Vaar.
Investir em educação torna-se uma estratégia eficiente não apenas para melhorar a qualidade do ensino, mas também para ampliar o orçamento municipal como um todo.
Como está a Implantação do ICMS- Educação Hoje no País
Atualmente, 25 dos 26 estados brasileiros já dispõem de uma legislação que incorpora o ICMS-Educação. Apenas o Rio de Janeiro ainda não instituiu uma legislação sobre o tema.
Em todos os estados que já contam com legislação do ICMS-Educação, as novas regras já estão valendo. No entanto, muitos estados adotaram uma implementação gradual dos percentuais vinculados a critérios educacionais. É o caso, por exemplo, do Acre, que irá atingir 19% apenas em 2030; da Bahia, que projeta chegar a 18% em 2027; e de São Paulo, que prevê aumento gradual até atingir 13% em 2028. Essas transições permitem que os municípios se adaptem de forma progressiva às novas exigências.
Outro aspecto relevante é que, conforme previsto na Emenda Constitucional nº 108/2020, os estados têm autonomia para definir o desenho do ICMS-Educação em seus territórios, tanto no percentual adotado quanto nos critérios de mensuração. Isso resultou em modelos distintos em todo o país. Alguns estados, como Maranhão (20%), Acre (19%) e Amapá (18%), adotaram percentuais bem acima do mínimo legal (10%), aproximando-se do modelo cearense. Por outro lado, parte dos estados optou por manter o percentual mínimo de 10%, conforme estabelece a Emenda Constitucional nº 108/2020.
Ao analisar como cada estado mensura o critério educacional, é possível identificar alguns critérios mais recorrentes nas legislações estaduais. Entre eles, destacam-se: o nível de aprendizagem dos estudantes; a evolução dos resultados nas avaliações ao longo do tempo; a taxa de participação nas provas; a taxa de aprovação; e os critérios relacionados ao nível socioeconômico dos estudantes. Ainda que esses critérios estejam presentes em grande parte dos estados, sua aplicação varia de estado para estado, tanto no peso atribuído quanto nos recortes considerados.
Sobre este último ponto, é natural — e até desejável — que os estados adotem caminhos distintos na implementação do ICMS-Educação, já que a simples replicação do modelo adotado pelo Ceará não assegura, por si só, os mesmos resultados alcançados naquele contexto. Nesse sentido, cada estado deve adaptar o mecanismo do ICMS-Educação à sua própria realidade educacional, considerando seus desafios, suas prioridades e suas capacidades locais. Por outro lado, para que essa autonomia não enfraqueça o papel estruturante da política, é essencial que as legislações estaduais preservem sua lógica de indução: isto é, que a fórmula de distribuição priorize critérios educacionais voltados à melhoria da aprendizagem com equidade, em vez de diluir esse foco entre fatores menos alinhados ao propósito original da política.
Considerações Finais
A trajetória recente do ICMS-Educação no Brasil revela o potencial desse mecanismo como importante alavanca para transformar a educação pública, induzindo resultados concretos na melhoria da aprendizagem e na redução das desigualdades educacionais. Sua ampliação para quase todo o território nacional, impulsionada pela Emenda Constitucional nº 108/2020, mostra como a experiência cearense inspirou e norteou o debate em escala nacional.
Mais do que uma mera regra de repasse tributário, o ICMS-Educação tem o mérito de colocar a educação no centro das prioridades de gestões municipais, conectando o orçamento público à responsabilidade com os resultados de aprendizagem. Ao mesmo tempo, a experiência acumulada demonstra que, para cumprir plenamente sua função indutora, o mecanismo precisa ser sustentado por um conjunto de apoios técnicos consistentes e por regras de distribuição bem desenhadas, que reconheçam os diferentes pontos de partida dos municípios e estimulem avanços efetivos e equitativos.
O caminho trilhado até aqui é promissor, mas o sucesso do ICMS-Educação dependerá, cada vez mais, da capacidade dos estados e da União de monitorar sua implementação, promover ajustes e garantir que o foco na aprendizagem com equidade se mantenha firme. Com um bom desenho e uma gestão atenta, o ICMS-Educação pode seguir sendo um dos mais potentes instrumentos de indução de qualidade e equidade educacional no país.
Gabriel Corrêa
É diretor de Políticas Públicas do Todos pela Educação, área responsável pelas produções técnicas de dados e Políticas Educacionais, relacionamento político e comunicação especializada em educação.
Manoela Miranda
É gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, com experiência em gestão de programas no terceiro setor.
Bernardo Baião
É coordenador de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, sendo o responsável pelo monitoramento e pela avaliação das Políticas Educacionais implementadas em âmbito nacional e subnacional.
Para Saber Mais:
- BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro
de 1996. Disponível em: https://mod.lk/ed27_ge1.
Acesso em: 14 jul. 2025. - BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 108,
de 26 de agosto de 2020. Brasília, DF: 26 de agosto de 2020. Disponível em: https://mod.lk/ed27_ge2.
Acesso em: 14 jul. 2025.
