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Humanos invisíveis

Sobre pertencimento, empatia e um olhar humanizado para a escola e para a educação.

Texto  Ivan Aguirra

Números. Muitos alunos são apenas números nas escolas do país. Na falta de um sobrenome que carregue respaldo familiar, quase sempre os indivíduos são mencionados por características que reforçam estereótipos. Essa é a dura realidade de um espaço que, primordialmente, deveria ser exclusivo para ensinar valores e conhecimentos para a vida.

Façamos um exercício rápido: de quem você se lembra quando pensa nos seus alunos de dez anos atrás? Por certo naqueles que deram mais orgulho. Mas outros tantos conviviam ali e sequer lembramos a feição, o nome ou a origem. Alguns abandonaram os estudos e nunca soubemos o porquê. Infelizmente, muitos profissionais tendem a ser mais intolerantes para com quem não desenvolveu familiaridade e empatia. E são mais complacentes com quem se dedica, é aplicado e, por que não admitir, vem de uma família mais influente. Temos encorajado a todos a participar das aulas, a fazer perguntas sem juízo de valor? Será que aqueles que não participam já não se sentiram expostos em tentativas anteriores?

Além de uma exigência maior e menor tolerância ao erro, ao atraso, o que também contribui para desvalidar a presença de certos alunos na escola são falas recorrentes de repreensão, algumas que presenciamos com frequência e que reforçam o tom de crítica: “desse jeito você não será ninguém na vida”, “tão bonitinha e com uma índole tão vergonhosa”, “você não tem mais jeito, vai morrer assim”, “não aguento mais olhar para sua cara aqui”, “com esse cabelo você acha que vai aonde?”, “nem seus pais aguentam você; tome seu rumo”.

Muitos alunos, por se sentirem invisíveis, entram em atritos porque, justamente, descobriram que essa é uma forma de serem vistos, notados. A indisciplina se torna força motriz da atenção e do pertencimento. Afinal, frequentar a diretoria não deve ser algo agradável, mas muitas vezes falta empatia para entender o que se passa na vida de cada aluno, o que traz para a escola todos os dias em sua mente, o que presencia em casa e como lida com as dificuldades vividas. Sem falar nos alunos em vulnerabilidade social, que, de tão resignados, até a voz para gritar foi abafada. Falta cuidado para dedicar uma palavra de carinho, um elogio nas pequenas conquistas, desejar um bom-dia olhando para o aluno, até porque falta também esse tipo de ação e cuidado com os próprios profissionais da educação. 

Quebrar esse círculo vicioso, esse ranço do dia a dia, é algo quase inimaginável na prática uma vez que todos nós desenvolvemos ao longo do tempo máscaras, escudos e identidades próprias para nos adaptarmos ao mundo. Romper com esse paradigma envolve abandonar algumas imagens que projetam sobre nós.

Mas a escola — e o que ela representa — não se faz sozinha, e como toda tarefa coletiva deve envolver propósitos, colaboração e atitude para compreender onde se está errando e o que pode ser feito de maneira diferente: refletir sobre falas e ações que estamos reproduzindo e que podem desencadear reflexos negativos, afetar o clima escolar e ocasionar o abandono de alunos que, de tanto ouvirem certas palavras, passam a acreditar que a escola não é um espaço que lhes pertence. 

Cada aluno é uma vida que se transforma dia após dia na escola, nas ruas, nas igrejas e no ambiente familiar. O que temos semeado na nossa rotina? Nunca é demais se lembrar de que, assim como gentileza gera gentileza, a hostilidade exerce o mesmo papel.

Para agora, que possamos reforçar, não só em murais, mas em palavras o quanto cada um é importante, a potência que tem cada história, o valor de sua origem, de suas contribuições, e de que estudar pode levar a lugares em que nunca esteve.

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