É hora de cuidar dos professores
Levantamento realizado pela Educatrix ouviu 1.586 professores da rede pública e privada e descobriu
um cenário de estresse e preocupação com os futuros. Precisamos cuidar de nossos profissionais.
texto Paulo de Camargo
No final do primeiro semestre de 2021, a vacinação avançava e a pandemia, embora em patamares ainda elevados, mostrava tendência de recuo. O retorno às aulas presenciais começa a ser programado para o segundo semestre. Após quase mais de um ano letivo dedicados à educação remota, com recursos virtuais, os professores viviam sentimentos contraditórios: de um lado, a alegria de voltar a conviver com seus alunos, realizando a profissão da qual tanto gostam; por outro, um profundo sentimento de cansaço e de que algo não ia bem no equilíbrio emocional. É justamente esse momento que retrata a Pesquisa Educatrix Professores e Saúde Mental.
A enquete, feita de forma on-line nas redes sociais, ouviu mais de 1.500 professores e gestores da rede pública e privada durante os meses de maio e junho de 2021. A pesquisa quis ser um ponto de escuta para as dúvidas e angústias dos professores, depois de meses de uma experiência profissional inédita.
O levantamento realizado pela Educatrix foi feito de maneira informal e contou com participantes de diversas localidades do país. O objetivo era jogar luzes especificamente sobre a perspectiva dos professores – enquanto, na enquete realizada na última edição (veja na p.116), foram incluídos outros profissionais da Educação, igualmente importantes, em suas áreas de atuação na escola.
Os resultados encontrados são coerentes com diversos levantamentos feitos durante a pandemia, por diferentes instituições, e trazem à tona uma realidade tão óbvia quanto ainda pouco assumida pelas escolas: os educadores precisam de atenção, de muita atenção, seja dos gestores públicos, seja da rede privada.
Esse cuidado necessário encontra sua forma mais aguda no esgotamento mental dos educadores, mas deve ser entendida em todos os fatores que contribuem para o estresse: isso significa estabelecer mecanismos e tempos de escuta e acolhimento, discussão em grupo para organizar o trabalho coletivo, apoio de especialistas quando isso se mostrar necessário e, sempre, garantir as melhores condições de trabalho possíveis em cada contexto. A seguir, vamos nos aprofundar nos principais resultados.
Quem participou?
Um número bastante representativo de professores quis expressar seu ponto de vista: foram recolhidas 1.586 respostas de professores, sendo que a maioria (68,9%) se identificou como sendo do sexo feminino. Da mesma forma, a maior parte dos respondentes (66,4%) tem idade entre 35 e 54 anos, e 18,5% têm 55 anos ou mais.
Na rede pública, trabalham 63,6% dos professores que participaram da pesquisa, enquanto estão na rede privada 32,8%. Responderam também à pesquisa 57 educadores atualmente sem emprego (3,6%).
Por fim, compõe o maior grupo os que atuam nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, representando 64,5% dos que participaram.
A preocupação com o tema da saúde mental
O ponto de vista para essa discussão é objetivo: os professores realmente estão preocupados com a própria saúde mental. Nada menos do que 81,4% dos participantes do levantamento reportam preocupação com seu equilíbrio atual. Desses, 59,2% concordam totalmente com essa proposição e 78% chegaram a pensar que se encaixam nas características do burnout.
Vale lembrar que o burnout é um fenômeno ligado diretamente ao trabalho, incluído na Classificação Internacional de Doenças, em 2019. Caracteriza-se por sentimentos de exaustão, distanciamento, negativismo ou cinismo em relação ao trabalho, e redução de eficácia.
A percepção dos professores não expressa apenas uma opinião individual, mas muitas vezes já compartilhada com os familiares. Mais da metade dos entrevistados afirma que as suas famílias já os alertaram sobre sua saúde mental, o que sugere a percepção de que a alteração de estado de ânimo e humor afeta o entorno e a vida pessoal.
É um cenário bastante disseminado: para 87,1% dos respondentes, o tema da saúde mental é compartilhado com os seus colegas de trabalho. É também agudo, uma vez que quase metade dos participantes já consideram seriamente ou consideraram em algum momento a possibilidade de pedir afastamento por questões emocionais, nas escolas públicas como nas privadas.
Os problemas de sono, um dos efeitos mais citados da pandemia, é uma realidade para os professores: 69% dos educadores relatam não estar dormindo bem nos últimos meses, o que certamente agrava a condição de estresse.
O acolhimento da escola
Evidentemente, em um quadro como esse, é importante conhecer a percepção dos professores em relação ao comportamento esperado da escola. A pesquisa feita pela Educatrix revela um sentimento dividido. Mais do que em outras áreas, as respostas às perguntas ligadas ao acolhimento da instituição mostram um elevado número de professores que preferem não se posicionar – o que não deixa de ser uma ilustração da sensibilidade do tema.
Ao mesmo tempo, é significativo o dado de que 37,3% dos educadores temem expor seus problemas emocionais por medo de perder o emprego. Para 44,9% dos respondentes, a escola não dá a devida atenção ao estado emocional de suas equipes.
Além disso, um terço dos entrevistados discorda da afirmação: Posso expressar minhas angústias porque me sinto acolhido no meu ambiente escolar. Nesse caso, a rede pública revela um maior descontentamento: para 41,7% dos educadores, a escola não é um bom lugar para se abrir, o que sugere a inexistência de espaços de escuta seguros para os docentes.
Todas as políticas educativas deveriam focar na valorização do professor, pois se trata de uma profissão desprestigiada socialmente. O nível de burnout que encontramos
é muito grande. O copo está cheio, pode transbordar.
Para relembrar: o comportamento digital dos professores
A pesquisa Professores e Saúde Mental é a segunda realizada pela Educatrix no contexto da pandemia. A primeira abordou o comportamento digital do educador brasileiro para compreender a mudança provocada pelo desafio de manter a educação viva na pandemia.
Com diferentes perfis de profissionais da educação pública e privada, o primeiro levantamento revelou o intenso processo de aprendizagem dos professores, gestores e da escola como um todo. O estudo mostrou que a autoestima profissional cresceu, mas já apontava que era preciso dar mais suporte e estrutura para os profissionais da educação, por exemplo, promovendo avanços na legislação que incorporassem o trabalho fora da escola.
A pesquisa indicou que 92,9% dos profissionais acreditavam ter aprimorado suas habilidades digitais. Quase 80% dos que participaram pela rede pública disseram ter aprendido em um único ano o que não aprendeu ao longo de toda a sua carreira, no campo digital. Da mesma forma, 67,8% se sentiam mais competentes e 94,4% desejam continuar aprendendo sobre o uso das ferramentas digitais.
A primeira pesquisa da Educatrix revelou, sobretudo, um ganho de autoestima do professor. De acordo com as respostas, 82,7% dos respondentes afirmam ter sentido, como nunca, orgulho da profissão. Por outro lado, o sentimento de desgaste era visível. Já em 2020, 72% dos entrevistados sentiam que trabalhavam 24 horas por dia, sem tempo para a vida pessoal.
As perspectivas para o futuro eram otimistas no que se refere à proficiência no uso das novas tecnologias. Nada menos do que 85,6% diziam que saberiam ensinar melhor com o uso de recursos digitais, quando as aulas presenciais retornassem. Seis meses depois, é cada vez mais necessário manter esse entusiasmo em alta, acolhendo os professores e garantindo o suporte imprescindível para que a educação continue avançando, sempre.
Relação com as famílias
Desde que as escolas começaram a deixar de ser, ao longo dos últimos anos, instituições fechadas em si mesmas, com pouco espaço de participação para as famílias, a construção de uma boa relação entre pais e educadores passou a ser um desafio. Trata-se do necessário encontro de expectativas, de escuta, de colocação de limites e de diálogo.
A chegada da pandemia deu novas cores a esse tema. De repente, os pais dos alunos estão na sala, na cozinha, na vida íntima dos professores, que realizam a educação remota a partir de suas casas. Isso não seria fácil para ninguém, e deve ser considerado quando se pensa no equilíbrio emocional dos professores.
Os dados da pesquisa são contundentes nesse aspecto. Cerca de 72,3% dos entrevistados dizem que o relacionamento com as famílias afeta o seu bem-estar emocional. Não chegam a 10% os que discordam expressamente dessa realidade. Durante os meses de fechamento das escolas, muitos professores relataram a falta de limites profissionais para esses contatos, como intervenções durante as lives e mensagens fora do horário do trabalho.
Mais da metade creditam ao menos parte do estresse à presença constante dos pais nas aulas on-line e nos grupos de WhatsApp como um fator de pressão adicional. Isso vale tanto para os educadores da rede pública como para seus colegas da rede particular, o que demonstra a necessidade de um estabelecimento de regras mais claras para todos no uso das ferramentas de comunicação instantânea.
Efeito do trabalho na escola ou devido à pandemia?
A reação imediata de quem ouve os relatos do estado emocional dos professores é compará-los ao sentido por todos os que vivem a tensão provocada pela pandemia, desde março de 2020. É verdade, os professores não foram os únicos profissionais a sentir a elevação na carga de trabalho ou se perceber em crise emocional. Mas é igualmente verdade que a profissão docente já foi reconhecida como uma das mais estressantes pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e vem sendo agravada pelas condições de trabalho dos educadores, independentemente do cenário pandêmico.
Essa constatação surge em diferentes estudos, como o realizado pelo pesquisador Flávio Comim, professor da IQS School of Management de Barcelona e da Universidade de Cambridge, lançado neste ano pelo Instituto TIM. Entre o final de 2020 e o início de 2021, Comim fez um estudo aplicando questionários internacionalmente utilizados para o diagnóstico de estados com depressão, burnout e outros distúrbios psíquicos. O pesquisador, que conhece estudos feitos em outros países, acredita que a situação do professor brasileiro é particularmente sensível. Ele encontrou uma melhora no estado de ânimo dos professores, comparados com o tempo de situação presencial – mas, baseado em dados anteriores, atribui isso ao fato que a vida em família, afastada da rotina escolar, contribuiu para um alívio de indicadores como o sentimento de desânimo ou depressão.
O levantamento feito pela Educatrix aponta na mesma direção: para mais da metade dos respondentes, o sentimento de estresse deve-se mais às condições profissionais do que à pandemia em si – essa percepção é válida tanto para professores da rede privada como da rede pública, e abrange 60,8% dos entrevistados.
Uma das razões imediatas é o aumento da carga de trabalho. Mais de 88% dos educadores afirmam trabalhar mais agora do que antes da pandemia e 75%, às vezes, pensam mesmo que não vão aguentar. Outra razão evidente está no campo dos salários: 43,6% dos respondentes atribuem, como maior razão do estresse, os baixos salários ou atrasos. Novamente, não há diferenças significativas entre a percepção dos educadores da rede pública ou privada.
“Todas as políticas educativas deveriam focar na valorização do professor, pois se trata de uma profissão desprestigiada socialmente. O nível de burnout que encontramos é muito grande e, por isso, os professores estão dizendo, com razão, que é muito difícil voltar para a escola. O copo está cheio, pode transbordar”, conclui Comim.
Conscientes disso, muitos gestores da rede pública e de escolas privadas deram início, durante a pandemia, a grupos de ajuda mútua e apoio profissional atualizado. Com a retomada das aulas, os dados da pesquisa da Educatrix mostram que essas práticas precisam ser incorporadas à rotina das escolas para que se tornem espaços emocionalmente mais equilibrados – justamente porque a pandemia não é a causa dos problemas vividos, apenas um elemento a mais a ser considerado no retorno às aulas.
Assim, os professores — que desde março de 2020 assumiram desafios inéditos e se tornaram, ao lado de médicos e enfermeiros, heróis da pandemia — agora precisam que a escola se torne um espaço efetivamente acolhedor para todos, com calor humano, respeito e, especialmente, profissionalismo.
Para saber mais
- DE CAMARGO, P. Novos comportamentos: o educador na era digital. Educatrix, v. 20, p. 56-61. Disponível em: mod.lk/ed21_pn1. Acesso em: 23 jul. 2021.
- Instituto TIM. Estudo revelou impacto da pandemia na saúde mental e bem-estar de professores. Disponível em: mod.lk/ed21_pn2. Acesso em: 23 jul. 2021.