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Covid-19: nós não estamos sós

Empatia e colaboração: como desenvolver habilidades com a turma em tempos de pandemia.

Desamparo, incertezas, solidão, medo: a pandemia do coronavírus abriu uma caixa de pandora global de fortes emoções nas quais, inevitavelmente, todos nos sentimos tragados e inseguros. Imersos em uma situação de quarentena, em um ambiente de elevado estresse, em que diversos conflitos podem surgir.

Nesta entrevista, a psicóloga Renata Lopes Costa Prado, professora de Psicologia da Educação da Universidade Federal Fluminense, observa que “esse momento pode gerar um pânico coletivo. Está todo mundo muito frágil, sentindo solidão. Um monte de fatores que podem desencadear situações bem complicadas psicologicamente, de estresse, de ansiedade, e até alguns transtornos podem surgir nas próximas semanas”, observa a psicóloga. Para ela, a escola precisa abrir espaço no planejamento para discutir e, também, aprender com a pandemia. Sem deixar de estar atenta aos pequenos sinais enviados por aqueles que podem estar precisando de ajuda.

EDUCATRIX Como manter o sentido de pertencimento e de coletividade mesmo com a turma dispersa em suas casas?

RENATA LOPES Essa pandemia tem também outra face, que está ligada a se pensar na solidariedade, no coletivo. Por exemplo, uma das orientações que têm sido enfatizadas pela OMS é que mesmo aqueles que não são do grupo de risco, o que inclui a maior parte das crianças, dos alunos das escolas, evitem o contato com o vírus porque se tornam transmissoras. Então, a criança precisa ficar em casa, mudar sua rotina e o motivo disso é pensando principalmente nos avós, nas pessoas mais velhas, ou que se encontram em uma situação mais vulnerável. Eu acho que o que está colocado aí é pensar sobre o quanto nós não estamos sós. Esse pensamento que a nossa cultura enfatiza demais do indivíduo, da competição etc., nesse momento é outra coisa que está colocada nessa situação toda. Nesse sentido, talvez o sentimento de pertencimento não seja só em relação à turma, mas se amplie para a comunidade, para a família e para a sociedade.

EDUCATRIX O que o professor precisa cuidar para que essa situação inédita seja menos traumática, tanto para a aprendizagem quanto para a sociabilização?

RENATA LOPES Talvez não o professor, mas a escola deveria ajudar as famílias a montarem uma rotina para as crianças. O que se espera nesse período? Que elas estudem ou que revisem o que já aprenderam? É preciso ter atividades para serem inseridas nessa rotina, que vai ser uma rotina nova, tanto para a família quanto para as crianças. Por exemplo, adiantar e ler o livro de literatura que estava previsto para o semestre. Esse é um bom período para se ler um livro. Conscientizar as famílias que leitura não precisa ser a prescrita pela escola apenas. Ler uma literatura por prazer, que a própria criança ou adolescente escolham.

EDUCATRIX Como voltar a mobilizar o interesse dos alunos em continuar os estudos de onde pararam?

RENATA LOPES Por um lado, é preciso manter o planejamento, mas, por outro, é preciso abrir o planejamento para entrar essa nova temática, esse monte de outras questões que vão aparecer agora. É possível propor trabalhos em grupo, que as crianças façam à distância, que podem ter como tema a própria epidemia. São diversas questões possíveis de se trabalhar em várias disciplinas. Por exemplo, eu com a minha filha de 11 anos, hoje estava lembrando pra ela quando eu li o Diário de Anne Frank. Contei como ela também precisou ficar confinada, como estamos todos nós agora, e até pensei em comprar esse livro para ela.

No caso da pandemia, em Geografia pode-se estudar a expansão do vírus pelos países, o próprio vírus fala muito sobre a globalização. Na Matemática, pode-se examinar as projeções epidemiológicas, como será a curva se houver uma prevenção forte, ou se não houver. Na Biologia, pode-se estudar esse vírus, como ele se comporta etc. É possível partir do que está mobilizando as crianças nesse momento para trabalhar vários temas que estavam previstos, além de outros novos.

É possível propor trabalhos em grupo, feitos à distância, que podem ter como tema a epidemia.

EDUCATRIX A pandemia deve entrar no planejamento escolar?

RENATA LOPES É preciso haver um momento específico para se falar disso tudo, não vai dar para a escola fingir que não está acontecendo uma pandemia. E, do ponto de vista pedagógico, essa é uma grande oportunidade para se trabalhar com um assunto que leva a questões profundas, ao próprio sistema capitalista, para se discutir o papel dos governantes, o papel das organizações, das Nações Unidas, da sociedade, além daqueles temas das diferentes disciplinas que comentei antes. Mas, por fim, é importante não ficar só na epidemia, arejar um pouco, estar em contato com outros temas e assuntos.

EDUCATRIX Se um professor perceber que algum aluno está precisando de atendimento psicológico durante a quarentena, o que ele pode fazer no sentido de ajudá-lo?

RENATA LOPES Em geral, esse problema vai recair mais sobre a família do que sobre o professor nesse momento tão difícil. Mas é possível que algumas famílias busquem a escola para saber o que fazer. É uma situação nova, mas estou vendo alguns colegas que estavam fora da clínica, dando aulas ou fazendo pesquisa, que estão se dispondo a atender gratuitamente nesse período. Acho que está começando a se formar essa rede de apoio. Um bom jeito de saber como isso está acontecendo é procurar as clínicas psicológicas das universidades públicas. É provável que o Conselho Federal de Psicologia, e também o SUS, criem serviços nesse sentido. Nesta semana, por sinal, o Conselho lançou uma nova norma sobre atendimento à distância. Antes, o psicólogo que quisesse atender on-line precisava preencher um cadastro e aguardar a autorização, era um procedimento mais ou menos longo. Agora, ele pode fazer o cadastro no site do Conselho e começar a atender. Vários psicólogos estão ampliando seus horários e as formas de atendimento para poderem acolher outras pessoas que irão precisar e que terão dificuldades para estar em um consultório nesse momento.

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