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A sustentabilidade do exemplo

O que estamos fazendo hoje para um futuro melhor? 

texto  Ivan Aguirra

Passei boa parte da educação básica aprimorando minhas técnicas de “reprodução artística”. Explico: com o passar dos anos, era um dos poucos que gostavam das aulas de Educação Artística porque era o momento de enfileirar os lápis coloridos, os potes de tinta e os pedaços de giz que teimavam em quebrar. Era o momento de expressar meus dotes aos moldes dos jardins de Monet, dos girassóis de Van Gogh e das bandeirinhas de Volpi. Sem falar nas colagens e artesanatos de tantas datas comemorativas para presentear os pais. As professoras me diziam que eu tinha o dom. E ai de quem não tivesse – a grande maioria, segundo ela. 

Para mim e para tantos, Arte era isso: um sol que se põe atrás das montanhas. Todo santo dia. Até que chegou a professora Regina e nos mostrou o que só as gaivotas viam para além do anoitecer. 

Ah, eu não tinha maturidade para assimilar aquilo. Conheci a professora Regina já no Ensino Médio numa roda de violão no pátio, durante um intervalo qualquer. Dedilhava “Andança” com sua voz despretensiosa. Aquilo para mim era alheio a tudo que já tinha vivido nos moldes da escola, algo que extrapolava a sala de aula. Eu me lembro da cantoria, “vagando em verso”, “meu olhar em festa se fez feliz”, “lembrando a seresta que um dia eu fiz”. 

Surgia, enfim, o impacto com a cultura das mais diversas expressões artísticas, algo natural, genuíno. Não valia nota, não obrigava performance nem presença. Descobri no exemplo de uma professora que todos ali compartilhavam do mesmo ideal: viver a arte naquele instante. E não se exigia dom para entrar na roda. 

É isso que chamo de pedagogia do exemplo: algo que faz parte dos currículos, mas que também é vivenciado de forma legítima nos corredores e na comunidade. Algo impregnado da cultura daquele lugar, que se respira com sentido. 

Extrapolando para além das artes, trago essa reflexão para a pauta central. Muito se fala nas aulas sobre sustentabilidade, inclusão, diversidade, ética… são assuntos obrigatórios e temas de prova presentes nos compromissos de desenvolvimento sustentável da ONU. Mas será que tudo isso que é dito e ensinado está enraizado na rotina das escolas? 

Já diz o ditado: só se toma gosto pela leitura no contato com quem tem prazer em ler. A mesma coisa acontece com a sustentabilidade. 

“Poxa, Ivan”, você deve estar pensando, “algumas demandas são irreais para o orçamento da escola!” 

Que tal começar por um comitê antirracista, um grêmio estudantil, uma comissão para incentivar alunas nas ciências e na matemática, um projeto de compostagem na cozinha, adquirir insumos de pequenos produtores e comerciantes locais, promover palestras e oficinas para a comunidade com profissionais amigos da escola, literatura e arte para introduzir a formação docente? São atitudes simples, com baixo investimento, comparadas ao forte impacto do exemplo que geram. Os próprios alunos e familiares podem encabeçar algumas ações. O comprometimento coletivo dá mais força ao aprendizado. Extrapola a sala de aula e, quando regressa a ela, surgem novos sentidos, novas autorias, transformando a todos. 

Enfim, desde que deparei pela primeira vez com essas andanças artísticas, descobri que o aprendizado não termina ao entardecer atrás das montanhas, depois de cinquenta minutos de aula ou no último capítulo do livro. Ele se retroalimenta e ganha significado quando todos acreditam, o aplicam e transformam em cultura. 

Qual é a cultura da sua escola? Ela tem refletido o que se ensina? 

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